* Victor Nogueira
Por
Sintra
1968
Uff! Que calor Até parece o
Abril em Luanda! Hoje a temperatura baixou um pouco mais, em relação aos dias
anteriores. Mas mesmo assim... O ar está seco e quente; sinto-me pegajoso,
indisposto. Calor, só calor; nem uma leve brisa para refrescar; quando corre
não é senão um bafo quente. As engrenagens cerebrais estão emperradas, o
raciocínio faz-se ao retardador! A casa é um forno, a rua um inferno. Nem
sequer tenho tido coragem de ir à praia, não obstante a sedução dum mergulho
infindável nas águas do oceano, melhor, do Tejo.
Ontem fui com o Manel [filho mais novo da dona da
casa onde, estudante de Económicas, eu alugara um quarto] até Sintra. A viagem de comboio, na ida e na volta, foi um suplício. Mas lá, meu
Deus, que paraíso! Um parque
aprazível, o rumorejar da brisa por entre as ramagens, a quietude, o sossego!
Por lá ficamos largos momentos, eu com a "História da Música
Europeia", O Manel com "O Pequeno Lorde" (NSF - 1968.07.24)
1974
Sintra estende‑se por além abaixo, casario emergindo
do meio do arvoredo ou dos campos verdejantes e ensombrados pelo dia cinzento e
chuvoso. Lá ao fundo as montanhas e na mão esquerda uma sandes de queijo e
presunto. Daqui a pouco seguiremos até à Boca do Inferno, perto de Cascais.
Aqui atrás de mim duas velhotas filosofam sobre as misérias dos católicos
(parecem‑me beatas e quando entrámos [no
café à beira da estrada] estava uma
desabafando: "o que nós fomos e ao que chegámos! " (...) O comboio de
Sintra desliza lentamente lá em baixo no vale. A sandes de presunto e queijo
estava saborosa. (1974.01.02)
1997
Duas
feiras têm renome. Uma é a Feira de S. Pedro de (2º e 4º domingo de cada mês), com mais de
dois séculos de idade, instituída para satisfazer semestralmente as
necessidades das populações da região, muito afastadas de Lisboa e sem
facilidade de transportes. Trata‑se duma feira eclética, onde se vende um pouco
de tudo, desde vestuário a produtos hortícolas e fruta até ao pão saloio,
passando pelos alfarrabistas, antiquários e coleccionismo. Outra é a Feira das
trouxas, na Malveira, quase diária, onde se vendem roupas bem como artigos
domésticos e alimentares. (Notas de Viagem, 1997)
2013
A
Sintra - a Capital do Romantismo - tornei muitas vezes mas dessas nas minhas notas encontro apenas uma - 2000.10.29 Sintra (museu do
brinquedo - Centro histórico) - e
quanto às fotos, essas encontram-se por digitalizar.
Voltei
lá, dividido entre o Palácio da Vila – que nunca teria visitado – ou as Quintas
da Regaleira ou de Monserrate, estas nos arredores. Optei pela Vila e o seu
palácio do tempo dos senhores D. Dinis, D. João I e, profundamente remodelado,
por D. Manuel I. Estacionei o carro longe, supondo que perto do centro não haveria lugares, que
afinal eram mais que muitos. Segui pela avenida, o Paço da Vila surgindo por
entre o arvoredo, avenida onde se encontram muitas esculturas, na chamada Volta
do Duche, integradas numa exposição ao ar livre, denominada Sintra, Arte
Pública, na sua X edição, subordinada ao tema “O Transcendente” e patente até
Junho de 2014, com obras de artistas de várias nacionalidades.
Para
além desta “galeria” e do frondoso arvoredo, a imponente Fonte Mourisca (1922),
revivalista, coberta de azulejos hispano-árabes ou mudejáres e o Museu Anjos
Teixeira (pai e filho), ambos escultores neo-realistas. Pelo caminho parei para
lanchar no simpático Espaço [da Condessa] d’ Edla, que foi esposa de D.
Fernando II, viúvo da Rainha D. Maria II, monarca a quem se deve a construção
do Palácio da Pena. O Espaço, para além de alojamento, comercializa produtos
regionais e serve deliciosa doçaria. Mas para quem aprecia as lides culturais,
um outro café, o da Saudade, é palco de saraus literários; a sua decoração é no
entanto mais “tradicional”, como se loja antiga fosse pelos seus armários,
embora também não faltem nele as actividades de mercancia.
O
Palácio Real ou da Vila – com uma enorme e variada representação de azulejos hispano-árabes
- é reconhecível pelas suas gigantescas chaminés cónicas e é um dédalo com os
acrescentos feitos em múltiplas campanhas de obras, tendo sido originalmente
uma edificação árabe. Foi muito utilizado na Idade Média como refúgio da Corte
durante os meses de verão e para a prática da caça.
Se
o Palácio me deslumbrou do exterior, o seu interior não me encantou quanto ao
recheio, embora na idade média o mobiliário não primasse pela abundância e
variedade; camas de dossel, contadores, arcas ou burras (cofre-fortes),
tapeçarias nas paredes (apenas uma exposta). Mais recentes, enormes
guarda-fatos onde á vontade se poderiam esconder uma dúzia de Miguéis de
Vasconcelos, passe o evidente exagero.
No
labirinto que é o palácio destacam-se a Sala dos Archeiros, a Sala Moura (ou
dos Árabes), a Sala das Pegas, a Sala dos Cisnes e a Sala dos Brasões — que
ostenta a representação das armas de 72 famílias nobres portuguesas mais
importantes da época e dos oito filhos de D. Manuel I —, a Sala das Sereias e a
Sala da Audiência. Na sala dos Brasões, representando cenas de ar livre do
século XVIII, o revestimento azulejar das paredes deve-se a grandes mestres da
azulejaria lisboeta da altura.
Atravesso
vários pátios, vislumbro um jardim ao estilo francês, vejo o quarto onde até à
morte esteve prisoneiro o rei D. Afonso VI e desemboco na enorme cozinha que
não tem para mim a beleza, encanto e monumentalidade da do Mosteiro de Alcobaça,
Também não fiquei seduzido pela Capela Real.
Quanto
ao Palácio, uma última nota – tudo agora é ao estilo caça-níqueis segundo as
regras de marketing, como já verificara no Oceanário de Lisboa - neste, a visita
termina na loja. Naquele, depois de comprados os bilhetes, os visitantes
perdem-se na loja até descobrirem que a entrada para o Palácio é … defronte.
Terminada
a visita dou uma volta pelo Centro Histórico; lá em cima, alcandorado, o
Castelos dos Mouros. Mas este, o Palácio da Pena, Monserrate e a Regaleira ficarão
para outra visita, pois descobri que é possível apanhar um dos autocarros que
regularmente fazem a ligação a estes lugares.
Não
tendo levado guia turístico procurei o Posto de Turismo Mas neste e noutros
municípios este e outros municipais foram “privatizados” e, pelo menos em
Sintra, nada sabem informar. Já em casa descobri que 3 dos folhetos que
recolhera sem prestar muita atenção são roteiros – Museus, Fontes e roteiro de
S. Pedro. Mas isso seria desconhecido da simpática recepcionista, que no entanto
me informara que o Museu do Brinquedo ainda não fora encerrado, na sequência da
extinção governamental de inúmeras fundações.
Dei
pois uma breve volta pelo centro da Vila, não percorrendo desta feita as ruelas
pela encosta acima que calcorreara doutras vezes, Em fim de viagem rumo ao
Guincho, através duma estreita e sinuosa estrada e de frondoso e cerrado
arvoredo. Ao longo dela muitas quintas, que deveriam ser de gente endinheirada,
quintas de lazer sem actividade produtiva relevante que fosse necessária para
os respectivos proprietários.
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Mas
referências a Sintra surgem em muitos
escritos meus, como os que a seguir se transcrevem.
1973
Lisboa
Ao
entardecer de ontem as ruas da Baixa tinham um cheiro a chuva – um cheiro bom – enquanto as montras ao longo das ruas
eram um apelo pelos saldos, principalmente vestuário. (…) Está hoje um calor
abafado, sem nada da leveza das semanas anteriores. Prevê‑se, segundo os
jornais, o racionamento de água em Lisboa. Água que já falta há muito nos
concelhos limítrofes de Oeiras, Sintra e Cascais, onde pessoas há que não se
podem lavar senão com águas de garrafão, tipo Luso e similares. Isto se não
quiserem cheirar a sovaquinho e plantarem uma hortazita na sujidade do corpo.
Entretanto a cólera alastra pela Itália e a Companhia das Águas de Lisboa vai
informando que lançará mais desinfectante nas águas e, à cautela, a Direcção‑Geral
de Saúde faz as recomendaçõezinhas da praxe, sem qualquer interesse dada… a
falta de água. (MCG – 1973.09.05)
1975
Serra
da Estrela
A neve
parece esferovite e de vez em quando um tipo enterra-se até aos joelhos. Antes do cume a
serra é negra, salpicada de branco; no cimo é um manto branco, que o nevoeiro
confundia, tornando fantasmagóricos os vultos. Estava frio, mas suportava-se.
Encontro-me num café da Covilhã ([1]) que parece um do Porto, enquanto as ruas lá
para trás lembravam Sintra. Almoçámos no Fundão, na Escola Secundária, um
prédio de habitação adaptado - onde as pessoas tinham um ar seráfico e
beatífico, falando com um sotaque de seminaristas, padres ou de freiras de
Santa. Zita - será que a maioria deles são destas bandas? - As miúdas desta
região têm um ar rude ou agreste - serrano ? - Demos liberdade aos miúdos e até
agora não tem havido problemas. Estou é maçado, pois a camioneta não é cómoda e
por causa da reunião na Escola só me deitei às 3 da matina para levantar-me às
5 1/2. (MCG - 1975.02.26)
(...) Perguntas-me se gostei da Serra? vira o
postal, e diz-me se essas pedras negras e essa erva amarelecida têm alguma
beleza ou alegram o espírito! Imagina esta paisagem embranquecida pela neve,
por entre rochas negras! E vai daí compreenderás que tenha arrefecido um pouco
o meu entusiasmo... pela Noruega. (MCG - 1975.03.05)
1994
Ilha
da Madeira
E por deambulações, um fim-de-semana
destes, no final de Abril, fui até à Madeira, à terra do Alberto
João (Jardim), como lá é conhecido. Tirei algumas fotografias e comprei alguns
postais; visitei a ilha quase toda, que em muitos sítios me fazia lembrar
terras do continente: aqui as Serras do Gerês ou de Sintra, além a linha do
Estoril, acolá a Serra da Arrábida ou os socalcos dos vinhedos do Rio Douro
(MMA - 1994.06.15)
1997
Barcarena
De Barcarena para norte parte uma rua
estreita e curvilínea, rumo a Tercena, com algumas casas mais nobres, uma das
quais tem na sua fachada um colorido painel de azulejos representando o Palácio
da Pena em Sintra. Já fora da povoação, na estrada municipal 578 e á direita
encontramos a Quinta do Sobreiro, do século XVII, debruçada sobre o vale,
murada, mas permitindo ver uma escadaria exterior dando para uma varanda de
alpendre, coberta, no 2º piso (loggia).
Daqui avistamos
os campos cultivados e, mais para lá, a mole imensa e "urbana" de
Cacém. (Notas de Viagem, 1997)
Leião
Leião é uma povoação com muitas
vivendas em construção. Para ocidente avista‑se a Serra de Sintra, onde o sol
se põe numa cintilante bola de fogo alaranjada. Nos arredores da povoação,
bordejando a estrada, um chafariz com uma cruz e um pequeno tanque coberto,
adjacente, para lavagem da roupa. Uma bomba de gasolina, da Repsol, desfeia a
já de si incaracterística povoação, com uma modesta igreja com vasto adro e
parque infantil adjacente. O centro de Leião é muito pequeno, pedonal, com
algumas casas de aspecto rural. Lá se encontra a inevitável referência ao 5 de
Outubro, desta feita um largo. (Notas de Viagem, 1997)
Cascais
Situa-se numa baia amena. A Câmara, com frontaria
de azulejos, situa‑se numa largo pedonal, calcetada, onde... passam carros.. A
Cidadela é uma fortificação imponente, numa praça ajardinada e arborizada.
Perto, o Museu Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães, no Parque da
Gandarinha, com aprazível jardim e praia privativa. Dá na vista a fachada
azulejada do edifício onde estão instalados os Paços do Concelho e que foi
residência do Conde da Guarda. Nos arredores, na Estrada do Guincho, praia de
dunas donde se avista ao longe a serra de Sintra, situa‑se a Boca do Inferno,
arriba rochosa e cavernosa onde o mar bate com violência, onde se realiza uma
feira ao longo da estrada. Na praia
do Guincho foi cometido o crime de que fala José Cardoso Pires no seu romance
“A Balada da Praia dos Cães”. (Notas de Viagem, 1997)
1998
Santarém
É
bonita a entrada em Santarém, proveniente do Sul: primeiro avista‑se o castelo
ao longe. Mudando de ponto de visão panorâmica, das Portas do Sol, no Castelo
cujo interior está ajardinado, avista‑se a estreita e longa ponte metálica de
D. Luís (1881) e, mais além, a lezíria ribatejana e as vilas de Chamusca,
Alpiarça e Almeirim. Vindo do Sul, à
cidade chega‑se por uma ladeira íngreme, como em Sintra, com uma capela mais em
baixo, a meio da encosta, para além da Fonte das Figueiras, alpendre ameado no
exterior da muralha medieval, com três arcos ogivais . (Memórias de Viagem, 1997 / 1998)
Vila
Fria
Vila
Fria [Porto Salvo] é um típico bairro clandestino de vivendas de pobres, com
ruas estreitas e tortuosas onde mal cabem dois carros, pois todo o terreno tem
de ser aproveitado para loteamento. À entrada, na estrada de Paço d’Arcos, uma
fonte atesta a benemerência dum proprietário agrícola, um tal Isidoro da Costa,
que no século XIX e à sua conta a construiu à entrada da herdade para serventia
do povo; trata se do Chafariz de Canejo Uma bica com azulejos, que também
predominam nas fachadas das casas, chama a atenção. O Palácio da Pena em Sintra
é um motivo dominante nesta região, talvez porque a massa imponente da serra se
impõe lá para ocidente. As ruínas duma quinta com capela privativa chamam por
enquanto a atenção do passante. (Notas de Viagem, 1998.01.31)
ver
Photoandando por Sintra
Sobre
Sintra, Arte Pública X – ver
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