Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

.

Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

.

Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sábado, 18 de março de 2023

Textos em março 17 /18 . A saga de Gouveia e Melo

 * Victor Nogueira

2023 03 17 Durante o tempo do fascismo, em Portugal, os Presidentes da República foram militares: o General Carmona (Exército - 1926/1951), o General Craveiro Lopes (Aeronáutica Militar - 1951/1968) e o Almirante Américo Tomás (Marinha de Guerra - 1968/1974), estando o poder de facto nas mãos do Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar (1932/1968). A Constituição fascista  preconizava que o Presidente do Conselho de Ministros era responsável perante o Presidente da República, que livremente  o nomeava ou demitia. Na realidade, durante o longo Governo de Salazar, o Presidente da República era uma figura decorativa, cuja escolha ou manutenção em funções dependia do todo-poderoso Presidente do Conselho de Ministros.

Não me parece que estes Chefes de Estado fossem pessoas cultas ou excepcionalmente inteligentes.  Quer Carmona, quer Craveiro Lopes tentaram apear Salazar, mas enquanto este teve de aguentar Óscar Carmona em nome da unidade das Forças Armadas, um dos suportes do regime fascista, o mesmo não sucedeu com Craveiro Lopes, que Salazar afastou colocando em seu lugar Américo Tomás, uma figura apagada e anedótica. 

Após a exoneração de Salazar na sequência dum AVC, Américo Tomás, em aliança com a ultradireita, torpedeou a  tímida "Primavera marcelista" da "renovação na continuidade", encetada por Marcelo Caetano com o apoio da chamada "ala liberal" na Assembleia Nacional fascista, então liderada por Pinto Leite, Sá Carneiro e Pinto Balsemão, que depois de Abril esteve na base da criação do  PPD, depois travestido de PSD.

Depois do 25 de Abril a Presidência da República foi detida sucessivamente por Generais do Exército: António de Spínola (1974), contra revolucionário, apoiado pelo CDS pelo PPD/PSD e pela ultradireita,  Costa Gomes (1974/1976) (que in extremis promulgou a Constituição da República Portuguesa em 1976) e Ramalho Eanes (1976/1986), o operacional por detrás do golpe militar de 1975 que pôs termo à chamada "Revolução dos Cravos".

Após Ramalho Eanes todos os Presidentes da República têm sido paisanos, sucessivamente do PS (Mário Soares e Jorge Sampaio) e do PPD/PSD (Cavaco Silva e Marcelo de Sousa), estes dois por omissão activa da Direcção Nacional do PS.

Especialista em aparentes tiros nos pés, em tempos covidescos, para gerir a pandemia, o PS afastou os paisanos, colocando no pedestal e ao leme um Almirante da Armada, Gouveia e Melo, que fala  grosso, com voz de comando, adepto inquestionável do respeito cego pela hierarquia e da linha de comando, defensor do  princípio de que, mesmo em tempos de Paz,  as ordens não se discutem, mas cumprem-se sem discussão, sem lugar para números circenses na comunicação social, salvo os seus desempenhos.

Diz-se nos "mentideros" que este almirante está na rampa de lançamento para sucessor de Marcelo Nuno, como putativo e sebastiânico Salvador da Naçóm!


2023 03 18 Gouveia e Melo prossegue a sua "Marcha Triunfal", desta feita visando canhestramente o Presidente da República, Comandante  Supremo das Forças Des-Armadas. O episódio do NRP Mondego,  que não estaria funcional, segue-se aos furtos de armas e munições nos Paióis de Tancos,  aos inoperacionais tanques Leopard enviados para a Ucrânia e previsivelmente, a outras situações similares nos três ramos das Forças Armadas. Isto para não falar nas recorrentes mortes durante a instrução de vários "cursos de formação" dos Comandos, das quais raramente se ouve falar para lá do dia imediato.

Admitindo que em tempo de Paz poderá constitui um grave problema a recusa de embarque num navio-patrulha preso por arames, também é um grave problema o estado comatoso em que se encontra a Marinha de Guerra. As quebras de disciplina são da responsabilidade do Senhor Almirante, o estado comatosos dos serviços que dirige são da responsabilidade do Governo e do Senhor Almirante, que permanece no cargo. 

Com voz grossa e de comando, pretensamente frontal, o Senhor Almirante, antes de qualquer inquérito e apuramento de responsabilidades, decidiu arengar para as televisões o "raspanete" em ordem unida, "sentenciando" sem apelo nem agravo, em causa própria! A questão que se coloca é se no silêncio recatado dos gabinetes ministeriais também fala com voz grossa e de comando reclamando contra a degradação e a inoperacionalidade do equipamento militar e das condições de trabalho do pessoas que, em tempo de  Paz, supostamente dirige em tão precárias condições, pelas quais (também) é responsável.

Mais arguto, o Comandante Supremo das Forças Armadas colocou a tónica no estado do equipamento, responsabilizando o Governo do PS, que aliás prossegue as políticas de anteriores Governos do PS, PSD e CDS. Mas ao Presidente da República interessa entalar o Governo do PS e, por arrasto, o Chefe do Estado Maior da Armada, embora alegando que mantém a confiança neste.

No caso do inoperacional NRP Mondego o Senhor Almirante poderia ter declarado simplesmente que tratando-se dum caso de indisciplina militar, as responsabilidades seriam apuradas em sede de Comissão  ou Comissões de Inquérito. Mas não, o Senhor Almirante resolveu apimentar o caso em frente às televisões, com pretensa frontalidade, voz grossa e de comando. 

Mas, perante as declarações de Sua Excelência, o  Senhor Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas,  o Senhor Chefe do Estado Maior da Armada limita-se a dizer: «“Não tenho de achar nada das declarações do Presidente”, mas “penso pela minha cabeça”» 

A serem reprodução textual do que disse, é de assinalar que, o Almirante disciplinado, com voz grossa e de comando, ordena aos seus subordinados, que devem cumprir ordens sem questioná-las, mas, canhestramente, afirma  que não comenta as declarações do "Presidente" (tout court), acrescentando ou esclarecendo que ele, Gouveia e Melo,  "pensa pela sua cabeça.", o que recusa a quem lhe está subordinado em tempo de Paz.

Sem comentários: