* Victor Nogueira
Havia muitas Luandas, havia muitas Angolas, há muitas e
diversificadas Memórias e recordações, uma boas, outras nem por isso. O que
fica é a saudade dos espaço sem fim e desafogado, as praias, o convívio
(relativamente) aberto fora do Liceu (onde imperava a segregação
rapazes/raparigas, tal como em Portugal, fora da Universidade), o pôr-do-sol, a
luminosidade do ar ...
Como escrevi em tempos: "Sabes, a 2ª vez que estive em
Portugal. tinha 16 anos e desembarquei em pleno inverno, a caminho dum Porto
cinzento, frio e chuvoso, mas com, um calor humano nas ruas que já não existe
ou já não sinto.
A terceira vez tinha 20 anos e. descia em Lisboa a Calçada da
Estrela até Económicas, no Quelhas, transido de frio, noite cerrada ainda às 8
da manhã (em Luanda já era dia às 5/6 da manhã), mal conseguindo falar ou
escrever, os lábios e os dedos gelados como prisões, admirado pelas nuvens de
fumo saindo pelas narinas dos guarda nocturnos, dos pessoas com quem me
cruzava, dos burros ja desaparecidos, puxando carroças, num tempo em que os
pobres andavam a pé, de bicicleta ou de motorizada, em cidades onde os
automóveis eram ainda uma raridade. Deste País de faz de conta e do meu país
falo no poema Raizes (http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2014/01/raizes.html)
.
Ao fim dum ano em Portugal, tão pequenino, tão mesquinho, tão
vistas curtas, o nosso desejo era regressar a África. Mas para mim significava
ter de andar para trás, para mudar de alínea e seguir engenharia. Em história
falava-se nas largas artérias pombalinas, espantosas ruelas quando as vi pela
1ª vez, face às largas avenidas e ruas de Luanda "
Porque sou branco e me expresso correctamente em português,
embora saibam que sou angolano, ninguém me diz "Volta para a tua terra" apesar de me sentir estrangeiro
em Portugal "Perdidos os amigos / perdida a infância / estrangeiro sem
raízes sou em Portugal" E também no meu País, porque nele, em Angola, não
nasceram os meus pais.
Não sei se tenho saudades! Talvez lhes chame ... o vazio da
ausência? Mágoas? Penas? «Saudades» do sol arrancado antes de nascer? Das
praias de Luanda, das águas cálidas, do cheiro a sal e a sol e a maresia? Da
chuva e da brisa? Do sol e do mar e dos dias cheios de claridade? Do «peso» de
ficar sempre um pouco de mim nas pessoas que conheci, nos caminhos que
percorri, nas terras onde estive? De não haver passado, mas sim um eterno
presente, ali ao alcance da mão, da voz ou do gesto, mesmo que silenciosos?
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Saudades
Alguém escreveu isto e me enviaram e fez me saudades os nomes que já não ouvia
há bué !! Só faltou a Casa Suba e a Pastelaria Royal e a Presidente e a
Bracarense com os seus rissois! E falta a Tamar e a Gôndola ! E falta o Cazumbi
e o Isqueiro na rádio e o Café da Noite do Sebastião Coelho! E faltam os
campeonatos de Luta Livre no Desportivo da Ilha com o Lobo da Costa e o Tarzan
Taborda! Falta os carros da Tifa na rua onde eu e os outros miúdos nos metiamos
dentro daquela nuvem Branca a cheirar a petróleo e saíamos de lá todos
gordurosos e bem desinfetados!
LUANDA
PORRA...TENHO SAUDADES DE LUANDA!
É tão bom recordar! Faz doer, mas sabe bem! Ai que saudades do nosso
tempo! Que saudades da nossa "malta"! Que saudades do nosso
"Cine-Colonial" e o filme "Aventureiros na Lua"! Que
saudades do
"Sansão e Dalila"! Que saudades da "Auto-Reparadora" e da
Igreja de
São Paulo e da "Minerva"! Que saudades do Sr. Brito da Farmácia S.
Paulo, que tratava as equizemas , conhecidas por "flor do Congo" !
Que
saudades das sandes de peixe frito do velho "Campino", e daquele seu
"boteco" defronte da Farmácia São Paulo! Ai que saudades dos doces de
ginguba da velha Donana!
Que saudades do Sr. Torrão que vendia no seu carrinho de gelados, os
“pirolitos” e a “paracuca”, do Seixas! Do "Carinhas"! Do palhaço
"Pipofe" e do Carlos da "Casa Lina"! Ai que saudades do
"Bar
Mariazinha e do Sr. Azevedo...Ai que saudades de todas estas saudades!
Saudades de ti, saudades de mim, do tempo e das palavras inocentes que
utilizávamos nos nossos diálogos. Há palavras do tempo que faz e há
palavras do tempo que é...As palavras do tempo que é, escondem-se por
dentro do tempo que faz e certas palavras do tempo que faz matam a
palavra do tempo que é!!
Lembras-te do Baleizão e das sandes de presunto e daqueles
"finos" de
cerveja CUCA, tiradas à maneira, pelo Tarik? E dos restaurantes da
conduta com o seu inigualável bacalhau assado na brasa com as
travessas cheias de azeite e do frango de churrasco e de cabidela com
arroz malandro, também eles confeccionados nos restaurantes da
conduta. Lembras-te do Bairro Zangado e do Muceque Mota? Do Rangel, da
Maianga, Vila Alice, Vila Clotilde, Samba, Praia do Bispo, Cassequele,
Ingombotas, Marçal, Farra do Braguêz, Bairro da Lixeira, Sambizanga,
Caoope...LEMBRAS-TE? E dos Cinemas: "Tropical", "Nacional",
"Império",
"Miramar", "Restauração", "Cine-Colonial",
"Kilumba"...E do "BÊ-Ó"?
Com aquelas suas "baronas" (Bailundas, Madeirenses, Indianas,
Cabo-verdianas, "Tugas" de Viseu, da Lourinhã e de outras localidades
daqui do "Puto"!). E da "Cagalhoça"? E da "Maria das
Pressas"? E das
"Aleijadinhas" (Irmãs gêmeas)? Grandes "trumunos"!!
Cacuaco, Caxito,
"Mabubas", "Quifangondo", "Marabunta"
inicialmente no Kaiser vermelho
e mais tarde no seu "Chevrolet descapotável também ele vermelho"...
Aiué "Santo-Rosa"! Aiué Loja dos "Cambutas"! Aiué
"Casa Branca"! Aiué
"Catonho-Tonho"! Aiué "Casa Carmona"! Aiué
"Gajajeira"! Aiué "Casa
Sabú"! "Casa Queimada"! "Karibala"! Desportivo de São
Paulo! Aiué
"Copacabana"! Aiué o "REX"! Aiué "Liceu Salvador
Correia"! Rádio Clube
de Angola, com a voz inconfundível de Santos e Sousa! "Uma voz
portuguesa em África"! Aiué "Lusolanda",
"Robert-Hudson", "Casa
Americana", "Bicker", "Quintas e Irmão",
"Armazéns do Minho", Aiué
"Poço da Morte" com Fernando Silva, "jovem audaz artista
português,
que sobe as paredes lisas, sem feitiço, do Poço da Morte"! Subam
Meninas! Subam! Irão assistir a um espectáculo nunca dantes visto,
onde há a perícia, o Arrojo, a audácia, o sangue-frio e o desprezo
pela vida!
Depois do espectáculo, a entrevista ao "Bumbo":
-Então Amigo? O Senhor gostou do espectáculo?
Resposta do patrício:
-Quer dizer...gostar, gostar, propriamente não lhê gostei. Maje...não
deram o Arrojo, qui diziam qui davam!
São essas recordações, que nos fazem chorar de saudades! A fragrância
da "Katinga", do "Mufete", "Carangueijo de
Moçamedes", garôpa, peixe
galo, peixe pungo, corvina, peixe prata, o popular "Cacusso assado com
feijão de óleo de palma", do "pirão" (caldo com farinha e
peixe),
indicado para se tomar após uma "ressaca"! "Kimbombo",
"Marufo"...?!!!!
E a nossa Ilha!!!!! ???? Ilha distante...tépido Sol...amena frescura
das tuas ondas tropicais outras vezes perigosas conhecidas por calema;
Acalmia, sossego e paz no encanto da embriaguez de um e do outro. A
voz do tempo! A voz daqueles que já partiram!!! A sua voz, suavemente,
relança o tempo que é numa estranha melodia que se entranha no íntimo
até ao limiar do desejo. AIUÉ MINGUITO, com a sua concertina!! Aiué
Velha Guinhas (Cega), mas que via mais do que todos nós!
TUDO PASSOU....TUDO PASSA...Um oculto fogo nos ateia a alma. O tempo
parece-nos infinito nessa paragem de mágico sabor...e a ilha do
Mussulo, para onde íamos transportados pelo Kapossoka e pelo Kitoco.
PORRA....TOU CHEIO DE SAUDADES DE
TI....LUANDA!!!
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comentários
Comentários
Mila Amaral Faltaram muito mais
coisas mas já deu para ter muitas saudades daqueles tempos! Éramos felizes e
não sabiamos!
Avó
Ofélia e falta o terror da minha infância, a Joana maluca.
Carlos Barradas Lembro me tão bem
dela!!! E havia uma velhota que vendia loterias acompanhada por uma cabra!!
Estava semore na baixa ao pé da Versalhes e Portugália!
Assunção Roxo A Joana maluca, que até
hoje tenho na cabeça, era um misto de medo e curiosidade...havia dias em que
nos acompanhava no caminho para casa, a pé, ali na zona da Alameda,conversando
numa boa, noutros era agressiva e assustava- nos...nós miúdas... que medo......😁😁😁😁
Avó
Ofélia Uma vez eu e o meu irmãoestávamos a brincar à beira
mar teria uns 5 anos e o meu irmão 3 ela agarrou nele e começou a puxa-lo para
dentro de água. Coitada, queria brincar mas eu apanhei um susto que me
perseguiu o resto da infância.
Alberto Karlos E o kapssoka... um
texto cheio de referências míticas de uma memória cristalizada nos corações
luso-africanos. A saudade também dói porque significa fica não retorno.
Assunção Roxo Hoje é o nome do cais
decembarque/Kapossoka", onde estão os catamarãs , modernissimos, para
transportar os passageiros, não só para o Mussulo, mas tb para a cidade e para
o interior.... ajudou bastante a resolver P trânsito nos acessos à cidade....
Carlos Barradas O nome do pier? !!! E
que tal em português?!! Cais ? Ai cais cais! Ainda tropeças e cais!!!
Assunção Roxo Carlos Barradas 😁😁😁😁😁
Acreditas que não lembrei do termo ???? O nosso amigo alemão está a cada dia
mais presente... obrigada...vou alterar...😘😘😘😘
Fernando
Pineza Xé! Esse madiê é mesmo lá da banda, eheh! A
discoteca Bonzão, o Mar e Sol, o Pic Nic, agora com bolinha, o 22 na Mutamba,
aí lembro-me da malta gozar com o povo de fora de Luanda, que dizíamos ser do
mato, pois Angola era Luanda e a capital era a Mutamba; aos sábados eu estava na
escola Industrial e via mais filmes no Império do que sabia da aula, eheh,
muxima ué! O tarzan Taborda uma vez lutou com um gorila lá na Corimba,
abraço. :D
Fátima Homem Cristo Obrigada pelo teu
texto, Carlos, tão sentido! Partilho das tuas saudades! Um abraço.
Victor Barroso Nogueira Havia muitas
Luandas, havia muitas Angolas, há muitas e diversificadas memórias e
recordações, uma boas, outras nem por isso. O que fica é a saudade ds espaço sem fim e desafogado, as praias, o convívio (relativamente) aberto fora do
Liceu (onde imperava a segregação rapazes/raparigas, tal como em Portugal, fora
da Universidade), o pôr-do-sol, a luminosidade do ar ...
Como escrevi em tempos: "Sabes, a 2ª vez que estive em Portugal. tinha 16
anos e desembarquei em pleno inverno, a caminho dum Porto cinzento, frio e
chuvoso, mas com, um calor humano nas ruas que já não existe ou já não
sinto.
A terceira vez tinha 20 anos e. descia em Lisboa a calçada da estrela até
económicas, no Quelhas, transido de frio, noite cerrada ainda às 8 da manhã (em
Luanda já era dia às 5/6 da manhã), mal conseguindo falar ou escrever, os
lábios e os dedos gelados como prisões, admirado pelas nuvens de fumo saindo
pelas narinas dos guarda nocturnos, dos pessoas com quem me cruzava, dos burros
ja desaparecidos, puxando carroças, num tempo em que os pobres andavam a pé, de
bicicleta ou de motorizada, em cidades onde os automóveis eram ainda uma
raridade. Deste País de faz de conta e do meu país falo no poema Raizes (http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2014/01/raizes.html)
.
Ao fim dum ano em Portugal, tão pequenino, tão mesquinho, tão vistas curtas, o
nosso desejo era regressar a África. Mas para mim significava ter de andar para
trás, para mudar de alínea e seguir engenharia. Em história falava-se nas
largas artérias pombalinas, espantosas ruelas qd as vi pela 1ª vez, face às
largas avenidas e ruas de Luanda "
Porque sou branco e me expresso correctamente em português, embora saibam que
sou angolano, , ninguém me diz "Volta para a tua terra" apesar de me
sentir estrangeiro em Portugal "Perdidos os amigos / perdida a infãncia/
estrangeiro sem raízes sou em Portugal" E também no meu País, porque nele,
em Angola, não nasceram os meus pais.
Não sei se tenho saudades! Talvez lhes chame ... o vazio da ausência? Mágoas?
Penas? «Saudades» do sol arrancado antes de nascer? Das praias de Luanda, das
águas cálidas, do cheiro a sal e a sol e a maresia? Da chuva e da brisa? Do sol
e do mar e dos dias cheios de claridade? Do «peso» de ficar sempre um pouco de
mim nas pessoas que conheci, nos caminhos que percorri, nas terras onde estive?
De não haver passado, mas sim um eterno presente, ali ao alcance da mão, da voz
ou do gesto, mesmo que silenciosos?
Alda Lara, no seu poema "Presença Africana" expressa também o que
atrás tentei dizer
Presença Africana
E apesar de tudo,
Ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...
A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
Nascendo dos braços das palmeiras...
A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
Salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!... Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu
e corpo musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda, e sempre,
nela,
aquela
Longa história inconsequente...
Minha terra...
Minha, eternamente...
Terra das acácias, dos dongos,
dos cólios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!
Benguela,1953 (de Poemas,1966)
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