* Victor Nogueira
Na minha papelada encontrei o enunciado dum dos exames finais de Doutrinas Sociais, uma autêntica prova de resistência, quer fosse constituída por 14 perguntas exigindo uma enorme capacidade de síntese, (para além do tema de desenvolvimento), quer fosse constituída por dezenas de questões estilo "pergunta/resposta". Eu recusei-me a fazer um exame deste tipo e fui desistindo ou adiando a apresentação a exame de Doutrinas Sociais, até que chegou a altura em que se tornava necessário fazê-lo para terminar o curso. Pelo que me dirigi ao Pe. António Silva, sj, secretário do Instituto, comunicando lhe uma vez mais que aquele género de exames eram uma violência e não apuravam conhecimentos, antes mediam apenas a capacidade acrítica de memorização, pelo que em alternativa me propunha apresentar e desenvolver um trabalho, e que se o professor não aceitasse a minha proposta eu não faria a cadeira e ficaria com o curso incompleto. Pelo que se chegou a uma solução de compromisso; exame e trabalho, escolhendo eu o tema "A Doutrina Social da Igreja e a Paz no Mundo" em que com base no Concílio Vaticano II e nos documentos de Paulo VI condenava a Guerra Colonial Portuguesa. Entregando a folha do teste traçada de alto a baixo e em branco, terminei Doutrinas Sociais, com a brilhante nota de ... 10 valores.
Sobre as aulas de Doutrinas Socias as minhas cartas da altura que, entre outros acontecimentos, que ficarão para as memórias em évoraburgomedieval e do isese,, que não sei se alguma vez publicarei, registo o ambiente das aulas.
1. - O Manuel Antunes e o Pe.Pires Lopes [sj] discutem direitos naturais e personalismo - estamos numa aula de Doutrinas Sociais O resto da malta está-se nas tintas. Um zunzun, denunciador do desinteresse da maioria da malta, percorre a sala. Uns passam a limpo os apontamentos de Contab2. - ilidade Industrial. O Aristides tomou me como aparelho receptor das suas habituais críticas a todos estes assuntos. Faltam 8 minutos para tocar para a saída. (...) (NID - 1970.11.03)
2. - Quatro paredes, uma manhã gélida, um aquecedor praticamente inútil. Lá ao fundo, o Mesquita vai falando sem nada dizer, ou não fosse mui digno deputado à Assembleia Nacional. À medida que vai falando repega as últimas palavras pronunciadas. (...) Faltam uns dois minutos para o toque, o abençoado toque de saída. Dez minutos de tréguas antes de aturar mais cinquenta com o Pires Lopes, essa metralhadora ou carro de assalto. Quando começa a falar martela-nos impiedosamente os ouvidos. (NID - 1971.01.04)
O Piricas era utópico e um dos poucos jesuítas humanos e não completamente frio e controlado, mas as aulas dele eram perfeitamente intragáveis: leccionava Direcção de Empresas I e Doutrinas Sociais. Na oral da 1ª tivemos uma discussão, porque ele sustentava que o director do Pessoal podia nas empresas tomar o partido dos trabalhadores e da melhoria das condições de trabalho, ao que eu lhe retorqui que o director de pessoal era um simples empregado que ou cumpria as orientações da Administração ou então era despedido. Naturalmente nenhum de nós convenceu o outro!
A sebenta de Doutrinas Sociais era intragável e os exames escritos eram extensos e à base de encornanço e pergunta-resposta: não havia tempo para reflexões. A filosofia da cadeira era: o capitalismo tem algumas coisas más, o socialismo algumas coisas boas, mas a verdade está na Doutrina Social da Igreja, que humanizaria o Capitalismo. A propósito e a despropósito, página sim, página não, desancava no Marx.
Tanto sectarismo fez com que para rebatê-lo, bastantes alunos de Sociologia passassem a estudar e ler os livros de Marx e Engels, existentes na Biblioteca do Instituto, e se politizassem.
.Numa aula, em 1970/71, perante o desinteresse ostensivo da maioria dos alunos, descontrolou-se, foi para o meio das carteiras de braços abertos clamando:" Matem-me! Matem-me!" Aproveitando a deixa retorqui lhe: "Ninguém quer matá-lo; só não estamos interessados nas suas aulas". "Então que querem que eu faça?" perguntou. "Que não sejamos obrigados a vir às suas aulas, até ao fim do ano". respondi lhe. "Ah! mas isso não pode ser, por causa do regime de faltas". respondeu. Bem, lá se assentou que no início de cada aula assinaríamos o ponto e quem quisesse poderia ausentar se sem mais consequências. E na(s) aula(s) seguinte(s) fazia-se uma bicha enorme no corredor central, assinava-se o ponto e ala que se faz tarde, ficando o curso às moscas.
Mas aquilo era um escândalo no Instituto, pelo que entretanto o Piricas afixou um aviso dizendo que a partir da terceira parte do curso, em que seria abordada a Doutrina Social da Igreja, voltava a ser obrigatória a assistência às aulas. Fizeram-se reuniões mas, perante a perspectiva de perder o ano por faltas, a maioria resolveu acatar a determinação, pelo que os recalcitrantes foram obrigados a comparecer às aulas.
Na 1ª aula, levantei me quando o professor entrou na sala e disse-lhe que ele faltara à combinação com os alunos, pelo que estava ali obrigado, para não perder o ano por faltas, mas que continuava a não estar interessado nas aulas pois não havia modificações. Disse e sentei-me. Sucessivamente, levantam-se o Viegas e o Pingarilho que declaram: "Faço minhas as palavras do Victor!" E pronto, acabou a contestação.
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