sobrinho de Bispo
de S. Salvador do Congo e do Porto,
a quem puxaram as barbas nos alvores da República
filho de lavradores abastados de Barcelos
casado jovem
guarda livros num banco
passando noites somando
intermináveis colunas de cifras
e o dinheiro que faltava para tantos filhos.
Meu avô, quando jovem, tinha nas fotografias
um ar austero e severo
sempre de preto
viúvo.
Meu avô, já idoso
um ar jovem e sereno
um sorriso moço e tímido
uma fala mansa
um gesto amigo.
Minha avó, Francisca da Conceição, de Chaves
não conheci
casou mais velha
falava francês e tocava piano
alegre e generosa, dizem-me.
Minha avó trocou o convento pelo casamento
mas antes deixou os bens aos padres
das Oficinas de S. José,
Encontraram-se no Porto e muitos filhos tiveram
que não conheci senão minha mãe
e meu tio Zé Barroso
grandiloquente e folgazão
curioso e letrado.
Minhas tias Marias Almira e José
Meu tio Joaquim
estes só conheço das recordações da minha mãe
Meu avô Zé Ferreira
nascido em Mora
filho de comerciante ribatejano
Meu avô quimico-analista
alegre jovem despreocupado
que em menino me levava ao café
e de quem recebia o Pim Pam Pum e o Cavaleiro Andante.
Meu avô que eu adorava e amo.
Minha avó Alzira gorda e doméstica
no seu colo me refugiava quando
à janela o homem do saco aparecia
na Travessa da Carvalhosa.
Minha avó morreu era eu menino em Luanda
e meu pai chorou ao volante da carrinha.
Meu avô casou novamente
com a Alexandrina
e nasceram a Isabel e a Teresa
irmãs que não tive.
Meu bisavô centenário
que me teve no colo e conheço da fotografia
na cadeira do quintal sentado.
Meu tio Jorge, em S. Tomé
(não) conheci
em Évora companheiro de estróina do Zé Ferreira.
Minha tia Esperança. farmacêutica no Chiado
das primeiras mulheres na Universidade
minha amiga que não mais verei
partida em Janeiro de 84.
Minha tia Lili, modista em Paço de Arcos
minha confidente da juventude
minha amiga.
Meu tio Zé João, a calma em pessoa
hoje arquitecto em Chaves
tão longe
amigo da infância e da adolescência.
Meus tios não casaram
Apenas meus pais em Cedofeita se encontraram
e para Angola partiram.
Meu avô António viveu sempre na Rua dos Bragas
Meu avô que mandou fazer uma casa no Mindelo
perto da praia e de Vila do Conde
com um quarto para o neto quando o fosse visitar
a casa fechada e abandonada
porque morreu em tempo de Páscoa.
Meu avô Luís viveu com os filhos em muitas terras
até em Angola onde nasci.
Meu avô Barroso católico ferrenho
apóstolo ingénuo
mas que depois de Abril aceitava os comunistas.
Meu avô Luís agnóstico
livre pensador e tolerante
que não aceita os bolcheviques.
Meu avô Luís que não vejo senão tão espaçadamente.
Meus primos de Barcelos
o Manuel o Joaquim a Laurinda
a Deolinda a Celeste a Cândida
e tantos outros
tímidos uns
alegres rosados e folgazões outros
Meus primos espalhados pelo mundo
pelo Brasil Alemanha Venezuela Inglaterra e terras de França.
conhecida e desconhecida
que a vida e a morte têm separado
na bruma dos tempos e da memória!
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