nota prévia - o autor só é responsável pelo que, devidamente datado, escreve, na exacta medida do que escreve, e de modo algum pode ser responsabilizado pela encenação e pelas leituras que em torno dos escritos possam ser feitas
* Victor Nogueira
CANTILENA COM MAU GOSTO
Quem quer ver a moça bela
Que na rua vai passando,
Florida, com sentinela,
O meu sossego roubando?
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O meu sossego roubando
Sem leveza d'andorinha,
Em má prisão esvoaçando
Não te vendo, Oh! sinházinha!
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Não te vendo, oh! sinházinha,
Um deserto vai nascendo;
Bem longe da minha vinha
Por ti mal, vou fenecendo,
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Por ti mal, vou fenecendo
Nesta casa sem calor;
Não quero ficar sofrendo
Como trigal sem verdor,
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Como trigal sem verdor
Não me deixes tu ficar;
É bom ter calma d'amor
No mar alto a navegar,
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No mar alto a navegar
Remando àquele porto,
Com roussinol a cantar
Mui cantante, sem desgosto.
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Mal cantante, com desgosto,
Vou deixando de cantar;
Ficando mal, mal disposto,
Pela companh'a a fugar!
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1992
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FLOR DO MAR sem GUARIDA
1. É bom ter
quem nos afague e faça companhia
e nos diga:
olá, bom dia
com alegria e fantasia.
2. É bom ter quem nos aguarde
uma casa aberta
onde o fato não aperta
riso pleno de sol e mar
sem noite em noite de luar!
3. É bom pensar em ti
como nave que sorri
na brisa do meu olhar.
4. É bom falar-te sem dor
com valor, satisfeito
perfeito,
uma flor.
5. É bom estar contigo
num passeio sem receio
com amizade
ternura de permeio.
6. É bom que os gestos não sejam novelo
enleado, em atropelo,
e que as palavras não sejam punhal
quando me recebes mal!
7. Este é um fraco poema
pobre teorema
rima que não rema
perdida na tua calema!
1991.04.05
Paço de Arcos // Lisboa
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João Baptista Cansado da Guerra (10)
BREVE CRÓNICA DAS VENTURAS, DESVENTURAS E AVENTURAS QUE ENVOLVEM JOÃO DO MAU TROVEJAR E A SENHORA RAINHA D.URRACA DA PERDIÇÃO OU DE COMO AS APARUDÊNCIAS PODEM (DES)ILUDIR COMO SE VERÁ SE PACIÊNCIA E JEITO HOUVER.
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E a primeira aparudência, disse o contador de histórias, é mesmo esta, pois trata-se dum relato que envolve outras personagens que são o João Bimbelo também conhecido por João Baptista Cansado da Guerra e a Sedutoramente Inominável Princesa do Meio Caminho (Des)Andado Com Sabor a Cravo e Canela, da Pele Doce e Mais Repousante Que Mil Calmantes, Mais Bela e Sedutora Que Mil Sóis Para Lá das Luas. E o contador de histórias fez uma vénia ao público que enchia a praça, o barrete varrendo o chão antes de se atirar ao ar para dar cinco rápidas piruetas, até que ficou nova mente em pé prosseguindo sentado no fosso da orquestra:
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A peça que hoje ides ver conta-vos sobre dois complicadinhos, que andam por aqui às voltas, às voltas, deixando correr o tempo como a água por uma vasilha furada. E dizendo isto o narrador de histórias sumiu-se, dando lugar a uma cena toda imaginada.
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Ao centro, uma mesa com toalha rendada e baixela de prata, iluminada por um candelabro de mil-velas; em surdina uma envolvente e suave sinfonia, deliciosa toccata sem fuga em dó menor. O ar estava parado, suspenso, e nem uma agulha bolia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho, ao longo dos quais (ou do qual?) se avistam dois personagens, um de passada larga e blusão atirado pelos ombros, a boca cerrada como lâmina, e outro de passinho lento, com vestes de outro tempo, oscilando entre a seriedade e o riso. De súbito, oh! céus, o ar ficou ainda mais parado quando o olhar de ambos se cruzou, tão parado que ambos levaram a mão ao respectivo pescoço exclamando em uníssono: Oh! minha (oh! meu) que é isto que me trespassa o coração, me cria esta afobação, me provoca esta sufocação, me enche de transpiração, me tira a quietação?!!!
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Inquietos e deslumbrados, os nossos personagens entraram numa dança do ora avanço eu, ora recuas tu, ora rio, ora choras, ora apareces tu, ora desapareço eu, enchendo o ar de poeira e levantamento que obscureceram a cena, não obstante a claridade do dia e a beleza da praça.
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Vai daí o narrador voltou ao proscénio com um enorme espanejador para pôr tudo nos assentos e os is nas pontas, permitindo o regresso da calmaria, que veio encontrar os nossos personagens sentados no chão, lado a lado ou frente a frente, as pernas cruzadas como os índios quando se sentam em círculo aspirando a fumaça do cachimbo da paz.
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Mas não havia paz pois havia demasiada gente à volta, cada um com sua faladura ou com sua ouvidura pelo que os nossos personagens voltaram à cena inicial, em busca da hora bela e serena, à volta da mesa com toalha de linho rendada e baixela de prata. E João Bimbelo acercou-se de Joana Ratinho, inebriado pelo seu perfume. João trazia em suas mãos um alaúde e Joana dedilhava a cítara que havia pertencido a Circe e Vénus, ambos entoando uma cantiga de amigo serena e calma, intitulada PORQUÊ TANTO SILÊNCIO E PALAVRAS?, cujo mote era o seguinte:
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Se o ar é tão belo e calmo
E o mar tão verde e sereno
Porquê esconder que te amo
Seduzido girassol moreno ?
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Era uma canção bela, como belo é o canto da sereia que chama os marinheiros que ousam desbravar os caminhos do mar; era uma canção suave e delicada como delicado é o vento que acaricia o rosto dos viandantes. Era uma canção bela, porque a pergunta, era um casulo, uma crisálida que encerrava em si mil águias como borboletas esvoaçando em torno do arco íris num campo descoberto. De súbito João e Joana suspenderam o seu canto e fitaram-se como quem descobre a fragilidade do nascer do sol, porque haviam descoberto, nas voltas por vezes ensombrantes, que eram simultaneamente amador e coisa amada.
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Deste modo foi desvendado o mistério da princesa, andado que fora o meio caminho que possibilitou que João e Joana saltassem a frágil barreira que os separava na imensidão dos dias, enquanto a música se desenvolvia num crescendo arrebatador que polvilhava o ar de estrelas e o céu de aves onde finalmente a brisa e os regatos corriam livremente.
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Para lá do silêncio inominável de Joana, o narrador chegou ao proscénio porque talvez não fosse ainda o tempo dos nossos personagens juntarem sua porta e panela, embora fosse esse o desejo de João. E chegando ao proscénio, narrou João que era chegado o tempo de ambos, ele e ela, se beijarem livremente, porque já era chegado o tempo de juntar a corte de cada um e de, gomo a gomo, desfolharem o cetim aveludado que os envolvia, de procurarem a sombra fulva, ardente e fresca do sol, de buscarem o sabor agridoce e almiscarado da cisterna, de traçarem em seus corpos o mapa do desejo, de encherem o ar com o perfume inebriante do mosto..
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E assim modo se apartaram as sombras que ensombravam o caminho e a claridade encheu o mundo na ventura da aventura por eles talhada, porque João e Joana se haviam finalmente encontrado para lá da fragilidade dos seus receios e das suas mágoas, tornando-se cavaleiro e dama um do outro.
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Deste modo havia João enviado suas mensagens à Sedutoramente Inominável Princesa e na volta soubera que também ela estava enamorada dele, que era tempo de finalmente descansarem um no outro, pondo termo a uma guerra que durava desde o seu achamento numa curva da estrada, quatro luas atrás.
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Por isso o viageiro pegou nas suas histórias e fechou o desencanto porque finalmente João e Joana se haviam encontrado e em si o porto e a maré que cada um deles buscara no outro, enterrando definitivamente o senhorito do Mau Trovagir e a senhora Rainha D. Urraca, personagens embirrantes sem razão de ser.
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1989.09.30
SETUBAL
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CANTIGA DE AMIGO COITA DE AMOR
Que novas, Senhor, de nós me dais
Que tão apartado e desencontrado
de mim andais?
Ah! Em vós está meu pensar
Ay e hu é?
Quando descoloridos ao madrugar
meus lábios por vós chamam
meu amigo, meu amor!
Ay e hu é?
Onde morais, Senhor, e
que é de vosso nome?
Ay e hu é?
Moro onde me leva o vento, nas asas de uma cegonha.
Quem tal viu, Senhor, o vento numa cegonha?
E o vosso nome, quem o sabe, meu Senhor de mim?
É sem nome meu nome, inté que o achareis por fim!
Ay e hu é?
Que novas me dais, Senhor,
Que tão velho é nosso pen (s) ar?
Que novas me dais, Senhora?
Que novas Senhor?
QUE NOVAS?
QUE NOVAS?
Que novas?
Que novas?
Ay ual, flor de verde piño
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Ay e hu é? - ai, onde está?
Ay, ual - ai, valei-me
coita - mortificação, pena, mágoa
1986.05.12 Setúbal
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ERROS MEUS, MÁ FORTUNA, AMOR ARDENTE
(Camões)
Nada tenho para te ofertar
Que saiba: joias, discoteca, dança;
No tempo busco vária temperança
que também vos dão bom estimar.
Um com outro bem quiz enredar,
Mas parece ser outra a contradança
Que muda a tua dor em festança,
Por aqui me deixando a vaguear.
Lembro a tua lábia, seio moreno,
Tua feição que muito me agradou;
A pele, doce ardor despertou
Que na barca me fez vogar, sereno.
Porém não está o meu coração pleno
De alegria, que por vós soou:
Nem grã Camões ou milionário sou
Para contigo navegar, no Reno.
Erros meus, má fortuna, amor ardente,
Não fazem da jornada bom soneto
Nem do navegante melhor "gineto"
Pois em ti está meu pensar, descontente'.
Assim na Luísa Todi jazente,
Vogando entre o lume e o espeto,
Bem vivo, com meu bom ou mau "aspêto"
Buscando tua razão e paz, somente.
1989.Setembro.10 - Setúbal
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SOSPIROS, CUYDADOS,
PAYXOES DE QUERER,
SE TORNAM DOBRADBOS,
MEU BEM SEM VOS VER (Garcia de Resende)
Sem feitio nem jeito
No mundo caminhando
Esta dor no meu peito
Levo, rindo e chorando!.
Ah!Ah!Ah!Ah!Ai!Ui!
Á procura d'amor
Ao teu encontro fui
Depressa, sem calor!
É tam grande trysteza
Amar ssem sser amada
Que nam vejo beleza
Ssem ti, bem a meu lado.
Belas, d'amigo são,
Cãtygas medievais
Chora meu coração
Ay, já nam posso mais!
Ruiz, Camões não sou
Mas muytos mil beijinhos
E abraços te dou
Nam fiquemos mal, sózinhos!
Oh! Ribeyras do mar
Que tendes mil mudanças
Minha dor e lembranças
Levai; trazei seu amar!
O Ssol bem escurece
Cai, a noite se vem
Minha alma nam falece
Se és comigo, meu bem.
Paço de Arcos 1989.08·30
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VEM DE
Photo de Maia Della
Fotografia - Lowtide, ©ParkeHarrison, 2002
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