Foto Victor Nogueira
* Victor Nogueira
Tanto mar e tanta sede !
Alguém escreveu e leio: “Hoje pensei em ti e subi ao sol e às nuvens, enchendo o ar de estrelas e poalha dourada. Hoje fui ao teu encontro e nada tinha para te dar.”
O arado a custo solta os torrões, cava sulcos, abre regos para que as águas embebam o terreno ... A custo se faz a sementeira e a custo nasce o tecido das palavras, inábeis, rugosas, paupérrimas de arte e engenho! Morrerei sem ver a cor dos teus olhos? Com malha larga, embora, ainda lanço a rede, mas tu usas uma malha impenetrável. "Faltam-me as palavras, a alma marejada de lágrimas para lá das quais mal entrevejo a luz do sol ! E uma profunda comoção entra em mim, fica em mim presa. Cai neve na natureza e, neste verão, cai neve no meu coração! " Quem me ouve, quem me lê, quem verdadeiramente me entende? Ah! amor com humor se paga e … se pega !?
Pego na estrada da vida, galáxia com seus cruzamentos, atalhos, becos, estradas largas ou sinuosas, soalheiras ou sombreadas constelações. Desdobro sobre a mesa como se acordeão fosse o mapa da vida cartografada e são esplanadas ou esquinas no vivenciar, pedaços esfarelados, esfiapados, de mil sonoridades, de infindas cores, de múltiplos sabores, odores e amores. São pedaços ou restos ou rastos de pessoas, clareiras ou clarões, clarins que do passado se projectam no futuro, uma voz, um olhar, uma fala, um gesto, muitas vozes, muitos olhares, muitas falas, muitos gestos ... Com o (es)correr das horas e na voragem dos tempos as crianças transformadas pela velhice, os idosos dormindo o sono eterno, vagas memórias silenciados verbos, gestos nem sempre desassombrados, esparsos sentimentos, brumosos sentires, numa girândola em caleidoscópico e multifacetado jogo de espelhos irisados. Mil riachos para ti confluindo, a síntese !
Quanta esperanças tecidas na dobadoira do temporal, quantos sonhos e (des)ilusões, quantas vivências (des)feitas, quantos destinos e vidas, estas e não aqueles, por ter seguido ou escolhido este e não aquele caminho? Que malhas e teias foram entretecidas? Que rumores e águas nos despertaram ou separaram? Tantas sinfonias, as que brilharam no horizonte e no quotidiano, na plenitude do sermos e do estarmos, (in)finitos !
Todas as pessoas que conheci e amei, todas as pedras e calçadas que pisei e calcorreei ou sítios por onde deambulei, sem ti, são um peso e uma âncora em cadeia, um remoinho em poço infundo. São flashes em photos debotadas, caixas de pandora!
O alvoroço na estação ferroviária, a subida a pulso pelas muralhas do velho castelo, para contemplar o sol na campina alentejana ou na serra do Gerês, o encanto no rossio da aldeia, o deslumbramento à beira-mar, as deambulações ao longo da estrada ou das ruas na cidade aberta, o cheiro a maresia, a tua casa acolhedora e a tua generosidade, a tua mão na minha, no cinema, no café, no restaurante, a brisa ao amanhecer, o sim no muro do jardim, o 1º beijo – há sempre muitos 1ºs beijos na vida de cada um de nós, a frescura da cisterna e o portulano do desejo, sempre novidade eternamente renovada ...
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Foto Victor Nogueira (Beringel)
1. -
2. -
Neste jogo de palavras
Neste jogo de palavras
e de gestos comedidos
Aqui
neste canto da cidade
preso à roda do leme
em sonhos
que sonho em ti
busco o passado que não fui
no futuro que não serei
.
suspenso do teu andar
.
Arde-me o sangue nas veias
neste fogo vento suão
murmúrio do teu sorriso
verde brisa na planura
fresca do teu olhar
Setúbal 1985.07.23
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