foto victor nogueira - Setúbal - Parque do Bonfim - Monumento a António Maria Eusébio, 'o Calafate' (1819 - 1911), apelido por causa da sua profissão.
* Victor Nogueira
Poeta analfabeto era também conhecido como “o cantador de Setúbal” Aos 84 anos de idade e para angariar sustento publicou os seus versos em folhetos vendidos com muito êxito em festividades populares de Setúbal e Palmela. Em 1968 foi inaugurado este monumento, que é da autoria do escultor Castro Lobo, em bronze e mármore branco.
Na Câmara Municipal de Setúbal conheci três poetas populares - o João Mendes, o "Calceteiro", que devido à idade e questões de saúde passou a contínuo, o Palma. alentejano e que era "guarda" no edifício do Urbanismo, e o Matos, um poeta repentista.
O Senhor Palma, sempre mas naturalmente cerimonioso e de fino trato, deu-me a ler os seus cadernos de poesia, manuscritos numa apurada caligrafia de "contabilista", como a do meu avô materno (francesa ou inglesa), mas nunca me deixou fotocopiá-los. Neles contava a história da sua vida e deixava-me "deliciosos" bilhetes na minha secretária, do estilo "Senhor Dr. A Senhora sua mãe telefonou mas não é nada de cuidado,Telefonou apenas para saber como está."
O Senhor João Mendes "Calceteiro" também era um homem delicado de maneiras, com livros publicados, alguns dos quais me autografou, tendo feito poemas a mim e à minha filha Susana.
Do Senhor Matos que desconheço se tinha obra publicada, lembro os almoços de confraternização de trabalhadores que abrilhantava com a sua poesia repentista, de que fui alvo uma ou duas vezes mas que não teve troco .por falta de pedalada minha. Como aliás me sucedera já nos anos 70 num convívio da malta do isese no castelo do Alvito.
Em Agosto de 1989 escrevi uma "homérica" obra retratando em quadras todos os meus e minhas colegas do Urbanismo, intitulada
O JARDIM DAS ESTRELAS
NO CAMINHO DOS ASTROS
DHU RETRATOS
SORRISO NAS TrELAS
que abria com esta "homenagem"
João Matos Palma na calçada
São bem três exemplos de notar
Na Câmara sem qualquer laçada
Sabidos poeta popular
2016 08 15
De Calafate ficam dois poemas:por ele escritos
Nunca fui mal procedido.
Nunca fiz mal a ninguém.
Se acaso fiz algum bem
não estou disso arrependido.
Se mau pago tenho tido,
são defeitos pessoais.
Todos seremos iguais
no reino da eternidade.
Na balança da igualdade
Deus sabe quem pesa mais.
Já fui operário artista
Agora, já pouco valho;
Comprem-me algum papelinho,
Em paga do meu trabalho.
Já gozei a mocidade
Esse bem tão precioso,
Fui homem laborioso
E trabalhei de vontade.
Já servi na sociedade,
Já fui homem moralista,
O meu vulto já fez vista
No seio das classes pobres,
Já fui nobre ao pé dos nobres,
Já fui operário artista.
Já tive as mãos calejadas
Do muito que trabalhei,
Meus braços atormentei
Com ferramentas pesadas.
Tive horas amarguradas,
Joguei, rasguei o baralho,
Hoje apanho algum retalho
Que a ambição deixa cair,
P’ra pouco posso servir,
Agora já pouco valho.
Até ando ameaçado
De fome ainda passar,
Por a um homem estimar,
A quem estou obrigado.
Sou pobre velho e cansado,
Estou no fim do meu caminho;
Porque sou do Zé povinho,
Não devo ser esquecido,
Seja qual for o partido,
Comprem-me algum papelinho.
Nunca fiz ruins papeis
Nem andei pondo cartazes
Nem atirei aos rapazes
Com moedas de dez réis.
Falem, pois, os infiéis,
Chamem-me velho, espantalho;
Como, agora já não valho
De tabaco uma pitada,
Levo alguma bofetada
Em paga do meu trabalho.
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