* Victor Nogueira
Ontem fui ao cinema, mas o filme era uma chanchada: contava a vida dos polícias, nos E.U.A.; um deles alista se para ganhá lo, para poder terminar o curso de Direito, mas apaixona se de tal modo pela profissão, influenciado pelo companheiro, já velhote, que não quer outra coisa! Entretanto apanha um balázio no estômago mas consegue safar se. Algum tempo depois quem se safa também é a mulher e ele fica na ronda. O amigo reforma se - já estava um pouco descrente de que conseguisse endireitar o mundo - e, perdendo o sentido á vida, suicida se (em bom português, de plateia, mete uma bala nos cornos - a mulher também o largara "a long time ago") O nosso ex estudante de Direito - sim, que ele até abandonou os estudos - dá lhe para a pinga - nada de carrascão, só uísque, em garrafas estrategicamente espalhadas pelo percurso da ronda! Olarilas! Enfim, estava um perfeito copofónio! Eis senão quando, oh!" milagre, descobre ... o quê? O AMOR, na pessoa duma enfermeira, que até é preta! (não te esqueças que os EUA são têm graves problemas racistas.) Era uma miúda bestial, que o faz ver que a "polícia" não era tudo na vida. Casaram se, está se mesmo a ver. Saíam os espectadores contentes. Isso querias tu! Os filmes de agora são outra louça. Isso era antigamente! Isso sim! Apanhou outro balázio no estômago que se apagou ali, enquanto o diabo esfrega um olho! FIM
O filme não tinha "garra" e, não sendo apologético dos "Centuriões do Século XX" (The New Centurions, 1972, realizado por Richard Fleischer( assim se chamava, como esses homens que no Império Romano defendiam a ORDEM (mas que ordem?) apesar da ingratidão dos restantes cidadãos. Até que vieram os Bárbaros, que deram cabo do Império ... (isto é das falas do filme!) À vol d'oiseau fala se na delinquência juvenil, assaltos, prostituição, homosexualismo, exploração de emigrantes clandestinos, desavenças familiares (vá lá, que não meteram os hippies á baila!) Pois é, mas tudo isto sem curar de saber a razão de todas aquelas mazelas. Numa atitude fatalista, se não pessimista, da evolução da sociedade, levando á descrença dos polícias sobre o êxito da sua missão repressiva para a manutenção da "ordem". Vê lá tu, ... por exemplo, o problema da prostituição: as mulheres não se prostituem por fatalidade. Fazem no, sim, por razões psico sociológicas e sociológicas: mau ambiente familiar, miséria, desenraizamento afectivo, instabilidade emocional, incultura, marginalização e isolamento na grande "cidade" ... É um problema social, de "des organização" da sociedade, de incapacidade de relacionação das pessoas umas com as outras. (há mais, mas fiquemos por aqui). Se os homens fazem a sociedade, esta também os faz. É possível modificá la! Será moroso? É POSSÍVEL! mudando a naquilo que a desorganiza e, desorganizando as, desorganiza também aqueles que nela habitam! Pois, sabem qual é a proposta do realizador do filme (ou quem quer que seja que tinha a "massa" para produzi lo? Sim, que na democrática América da Estátua da Liberdade o produtor é o senhor do filme, e pode adulterá lo á sua vontade, sem dizer água vai ao autor. Não será o caso, mas a história do cinema é fértil em episódios destes!) Pois, o bom do nosso amigo, quem quer que ele seja, pela boca do polícia velhote, descrente, vivendo para aquilo, resolve as coisas á sua maneira. A prostituição? Mas é tão fácil! Uma passagem lenta com o carro patrulha. Á segunda, quem não tivesse desandado, esquadra com ela. Nessa noite não havia "negócio" ('Tás a ver a quantidade de carros e polícias que seriam necessários. Sim, que para resultar os carros tinham que passar incessantemente, todo o dia, em todas as ruas, pelo menos nas de má nota! [Claro, se calhar lucrariam as mais "desafogadas", com carro, apartamento e telefone]. E a "mercadoria"subia de preço, porque tudo o resto continuaria na mesma. Mas é ilegal a polícia actuar assim (ninguém pode ser preso sem culpa formada se não em flagrante delito!) Ora o velhote resolve as coisas á sua maneira e marimba se para os códigos e juízes! De resto, quem se queixará? Os proxenetas? Pois é ...
Ontem sempre fui ao cinema ver "Roma". O filme (1972) era demasiado cruel, impiedoso. O Fellini, o realizador, ao mesmo tempo que apresenta imagens da Roma dos nossos dias, como ele a "vê", contrapõe-lhes a Roma dos seus tempos de escola e de jovem recém-chegado à grande cidade. É uma Roma repugnante, asquerosa, que desfila perante os nossos olhos. Desde a casa de hóspedes, atravancada de móveis e pessoas como a do actor decadente, a do motorista de autocarros, criança grande e filho ridículo (em cuecas dormindo na sala de jantar e depois aconchegado nos braços da mãe, enorme e cruel matrona, dona da pensão), mais a criada (que devia fazer os seus biscates com os hóspedes) e muitos outros que já esqueci, figuras grotescas deambulando pela casa. E aquela gente toda - de todos os prédios - comendo nos passeios, em mesas,... Ah! mas o que me repugnou mais foram as cenas nos bordéis. Nunca imaginara que aquilo fosse assim! O realizador mostra-nos os hippies pelas escadarias, estando simplesmente ou beijando se ou acariciando se enquanto outros (e outras) tomam banho nús nas fontes. "No nosso tempo o amor era muito mais complicado" e, em contraposição a câmara começa a percorrer uma rua miserável e arruinada, onde passam soldados aos grupos e aparece, a uma porta, insólito, um bidé muito branco. Os soldados entram numa casa e aparece um corredor estreito e comprido, apinhado de homens. Ao fundo perpassam mulheres de seios descobertos. Ás tantas estamos numa sala onde desembocam duas escadas, dividida ao meio por um corrimão de ferro. Dum lado os pretendentes, do outro as "pretendidas", que terminada a função exibem as suas "graças", qual gado numa feira em exibição. Têm um ar gasto, trágico, emurchido, algumas simplesmente repugnante, como de resto toda a cena. Pergunto-me como as relações entre os seres humanos podem chegar a um tal grau de degradação, qual o prazer que pode haver num acto assim mecanizado e aviltado. Havia também os bordéis de luxo: esses seriam os do Fellini. Salas enormes de colunas, espelhos e sofás, onde os homens aguardam. Aqui elas descem de elevador. Como as outras (embora com melhor aspecto, pois estão ainda uns degraus a cima) vêm mais ou menos despidas, mais dinâmicas. O "material" exibe-se, é escolhido, e o comprador lá sobe no elevador até ao quarto luxuoso. (MCG - 1973.07.16)
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