* Victor Nogueira
2024 04 02
No Portugal do Minho a Timor havia o livro único e as então chamadas redações, sobre as vaquinhas que dão leite ou a Primavera e as andorinhas. Não me lembro se em Luanda havia andorinhas, mas se as houvesse seguramente que não anunciariam uma estação inexistente, pois havia apenas duas, a quente, de copiosos aguaceiros e assustadoras trovoadas relampejantas, de calor infernal, e a do cacimbo, de temperatura amena e noites orvalhadas (cacimbo). Também não havia burricos ou bois puxando carroças pelas ruas, nem vaquinhas ou ovelhinhas ordenhadas com o leite distribuído ao domicílio. O leite que bebíamos era enlatado, da Nestlé, condensado ou em pó. Portantus, o que o livro único no Portugal do Minho a Timor nos "ensinava" era para muitos uma fantasia, um livro virtual, duma suposta realidade que nada tinha ver com a nossa mundividência.
Primavera, por Miguel Torga
Abre-te, Primavera!
Tenho um poema à espera
Do teu sorriso.
Um poema indeciso
Entre a coragem e a covardia.
Um poema de lírica alegria
Refreada,
A temer ser tardia
E ser antecipada.
Dantes, nascias
Quando eu te anunciava.
Cantava,
E no meu canto acontecias
Como o tempo depois te confirmava.
Cada verso era a flor que prometias
No futuro sonhado…
Agora, a lei é outra: principias,
E só então eu canto confiado.
Quando vier a Primavera, por Alberto Caeiro
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
7-11-1915
Sem comentários:
Enviar um comentário