« As multidões manifestam-se contra muitas coisas, mas gostam de vencedores – é bom não esquecer. » , escreve a articulista
* Victor Nogueira
1- Em 31 de Março de 1974, com a contestação à guerra colonial, com a emigração, com as greves, com as dificuldades em recrutar oficiais para o QP, com um 1º de Maio que se previa tumultuoso, com com uma vaga de prisões na forja pela PIDE, Marcelo era um vencedor ? Sim, quase foi em 25 de Abril, quando a inépcia ou a cumplicidade de um MFA(já) dividido permitiu que Marcelo ditasse que só se rendia a Spínola, que manobrou à vontade, embora "travado" e com o fiel da balança a mudar devido às multidões na rua, desobedecendo aos líderes militares na Pontinha, e que contribuíram para que durante largos meses não se ficasse por uma simples mudança das moscas. Quanto à firmeza das multidões eu poria uma outra questão ? Entre a multidão que ovacionou Marcelo no 31, haveria "arregimentados" pelos caciques, em Portugal inteiro, e transportados nas célebres "camionetas do regime?
2. - Espontânea ou não, a verdade é que Marcelo, em contagem
decrescente, seguramente que aproveitaria a final no Jamor e transmitida pela
RTP para "fabricar" o apoio popular que há muito perdera. Incluindo a
da guarda pretoriana spinolista.
Marcelo era o homem das encenações e dos gestos teatrais, a
partir de certa altura manietado pelo "faz que anda mas não anda”. Para além
das "conversas em família" foi assim com a da Brigada do Reumático na
Assembleia Nacional, ou com a votação na AN da moção sobre a "política
ultramarina", de que eu falava nessa altura:
«Pois é, após uma semana muito agitada por parte das altas
personalidades do regime o Marcelo fez um discurso exemplar nas suas
contradições; para além disso, um tentar rebater as teses de Spínola, publicadas
no seu livro “Portugal e o Futuro” – que ainda não chegou a Évora, aqui a 137
km de Lisboa. Um discurso estafado, que não engana quem dos mecanismos
políticos e económicos conheça alguma coisita.
Recusado o impossível recurso a um referendo popular, restou
ao Marcelo submeter-se, em gesto teatral, às decisões da Moção que os deputados
Ultramarinos porão à votação amanhã. Alguns destes já foram intérpretes na
Assembleia [Nacional] de correntes existentes no Ultramar tendentes à
autonomia, estilo federativo (teses de Spínola) Mas, da Comissão do Ultramar,
que redigiu o texto da moção atrás referida, fazem parte deputados
anti-Spínola. Estou curioso de saber qual será o texto: Federação ou tudo como
dantes?» (MCG – 1974.04.05]»
E numa colagem de recortes
da minha correspondência na
altura refiro o "arregimentar» que ainda em 1973 se verificava:
«30 foram as camionetas (fora os automóveis particulares)
que de Évora se deslocaram a Lisboa para apoiar o Marcelo [Caetano]. Beja,
Santarém, Leiria, Portalegre, enfim, milhares de tipos confluíram para a
manifestação do entardecer [em Lisboa]. Pena não autorizarem as contra
-manifestações. (...) O Diogo diz que da Amareleja não terão ido pessoas à
manifestação (salvo talvez os da Casa do Povo). Não porque sejam do reviralho,
mas porque não se metem nestas coisas (viver não custa.). (MCG - 1973.07.19)
Ontem à noite (1973.10.24), no regresso de Arraiolos, muitos
Mercedes a caminho de Évora, onde às 21:30 alentejanos cinzentos de ar sisudo
aguardavam ordeiramente o início da sessão de propaganda da ANP [Acção Nacional
Popular]. Debaixo dos arcos [arcadas], uma fila de homens, com ar humilde e jeito
de rebanho descido da camioneta, dirigia-se para o cinema onde se realizaria a
tal sessão. A Oposição não comparecerá as eleições no domingo. O Marcelo
[Caetano] bater-se-á contra nada. (MCG - 1973.10.25).»
3. - em tempo - politicamente e segundo a Constituição da altura, O Presidente do Conselho e o Governo dependiam politicamente do Presidente da República e não da Assembleia Nacional, cujo regimento aliás não previa a votação de moções de censura ou de confiança (no Governo).
E um jurista e legalista como Marcelo, encena na Assembleia Nacional ter o apoio dos Altos Comandos Militares - directamente dependentes do Presidente da República - e da Assembleia Nacional. Não é com a "prisão" do Presidente da República que o MFA se preocupa, mas "permite" que Marcelo exija render-se a um oficial-general - Spínola ou Costa Gomes, por acção de Feitor Pinto.
Há na altura um mistério: a conselho do Director Geral, da PIDE, que Spínola tentará manter em funções com a "benemérita" - Marcelo é aconselhado a refugiar-se sob protecção da GNR no Quartel General do Carmo - em vez de se dirigir para Monsanto, como seria previsto e fizera em 16 de Março. O Carmo não foi uma ratoeira, parece-me, mas uma tentativa de descolar Marcelo de Tomás, dando-lhe mão livre. Uns não queriam - o MFA - e outros não previram - a PIDE e Marcelo - com especial relevo para a juventude - o povo de Lisboa saísse à rua e cercasse o Quartel General da GNR e a sede nacional da PIDE - que as forças armadas - por ingenuidade de uns, por inépcia ou cumplicidade de outros - "deixaram" à vontade e com liberdade de movimentos.
http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2014/03/3131974-ultima-ovacao-marcel-caetano.html
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