Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sábado, 28 de julho de 2007

Deambulando por Lisboa (3)

Baixa Pombalina




Engenharia pombalina


O título é provocador, eu sei: quando nos referimos à baixa de Lisboa costumamos dizer arquitectura pombalina... No entanto a verdade é que todo o seu projecto, das ruas às casas, foi obra de engenheiros. Isto não acontece por acaso. Por esta época a engenharia militar tinha uma tradição consistente em Portugal que lhe vinha já desde os tempos da dinastia Filipina e da Restauração ao passo que a arquitectura nacional andava pelas ruas da amargura, sendo comum chamar arquitectos estrangeiros para as obras mais significativas.

A história da reconstrução de Lisboa é uma história da pragmatismo e de inteligência começando logo pelas estratégias. Em cima da mesa havia três hipóteses básicas: reconstruir com algumas melhorias; arrasar e fazer tudo de novo sem limitações; fazer uma nova capital junto a Belém. D. Sebastião José escolheu a segunda hipótese e nomeou o engenheiro-mor do reino, Manuel da Maia, para a pôr em prática. Este escolheu para seus colaboradores o capitão Eugénio dos Santos e o tenente-coronel Carlos Mardel, ambos engenheiros militares.
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Ao contrário do que se pode pensar o projecto não era inovador. Tratou-se de uma mistura bem doseada de vários elementos que tinha como objectivo a economia, a rapidez e a resistência aos sismos. A estrutura adoptada para as novas construções baseou-se na dos edifícios que menos danos sofreram aquando do terramoto: aqueles com uma estrutura em madeira embebida nas paredes, também conhecida como gaiola. Inicialmente previstas para terem apenas dois pisos, as novas construções foram subindo à medida que as recordações do terramoto se tornavam distantes.
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Não posso deixar de pensar que se há 250 anos atrás D. Sebastião José tivesse entregue o projecto da baixa lisboeta a um arquitecto teríamos hoje uma bela composição rocócó possivelmente, uma espécie de Palácio de Queluz em tamanho gigante, e não aquele bocado de cidade de referência que sempre foi e é a baixa pombalina...
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Aqui fica um link interessante para quem quer saber mais sobre estas questões técnicas.




Mouraria, Alfama e Castelo

Mouraria

Mouraria

Foto de Eduardo Portugal, 1932, AFML - B094412

Mouraria, assim designada depois de D. Afonso Henriques mandar os mouros, expulsos da sua cidadela, para aquele local. Ali viveram mouros livres ou forros, que conservavam os seus costumes: praticavam a sua religião, falavam árabe e eram governados por um alcaide. Assim foi até 1497, data em que D. Manuel I expulsa os judeus e os mouros de Portugal. No entanto, o vocábulo permanece até aos nossos dias. A Mouraria evoca tempos de façanhas obscuras da faca e do bofetão (Castilho, 1967, BO, III, 303) frequentado por pimpões, fadistas e vadios de Alfama e do Bairro Alto. Hoje é sobretudo o pitoresco e não faz mal a ninguém (Norberto Araújo, 1992, vol III, 60).
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A Mouraria abrange o sopé e as faldas do Castelo, pelo lado norte, dilatando-se até às portas de São Vicente, hoje a rua do Arco do Marquês de Alegrete.
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Rossio antes do terramoto de 1755
(vista parcial - ao fundo a Igreja de S. Domingos)

O início da construção do Hospital Real de Todos os Santos deu-se na manhã de 15 de Maio de 1492, tendo sido lançada a primeira pedra na presença do rei D. João II no ano em que este tinha feito 40 anos, tendo morrido aos 43 anos no paço do alcaide-mor (Álvaro de Ataíde) em Alvor. A direcção da obra ficou a cargo do mestre arquitecto Diogo Boitaca.

Igreja da Conceição Velha - pormenor do portal manuelino


Igreja da Conceição Velha

Foto Joshua Benoliel, início do século XX, Arquivo Municipal de Lisboa - AFML, A26004

Localização - Rua da Alfândega Freguesia: Madalena

Autoria - Arquitectos Francisco António Ferreira Cangalhas e Honorato José Correia

Data - Séculos XVI-XVIII

Em 1496 a judiaria grande é extinta e a sua sinagoga é incorporada para o culto cristão transformando-a em Igreja da Conceição dos Freires, coincidindo com o estabelecimento de uma nova paróquia, a de Nossa Senhora da Conceição. Com o terramoto de 1755 a Igreja da Conceição dos Freires é demolida e os seus bens são integrados num outro edifício também de invocação a Nossa Senhora da Conceição, passando então a chamar-se de Conceição Velha.

A Igreja de uma só nave possui um portal manuelino, raro exemplar da representação de Nossa Senhora da Misericórdia, cujo manto aberto e seguro por dois anjos, protege o rei D. Manuel I e a sua irmã a Rainha D. Leonor, fundadora das Misericórdias em Portugal. O altar-mor corresponde à capela do Santíssimo Sacramento da antiga Igreja da Misericórdia. Junto da capela-mor pode-se encontrar o quadro dedicado à Nossa Senhora do Restelo, oferecido pelo Infante D. Henrique aos freires.


Vista aérea do Rossio na actualidade

Após o terramoto de 1755 a Igreja de S. Domingos foi reconstruída, mas não o Hospital de Todos os Santos. No local do Teatro Nacional, ao fundo, situava-se o Palácio dos Estaus, sede da Inquisição

Avenida da Liberdade - Quiosque Tivoli

Pintura digital de António Amado (cópia do selo de Maluda)


Praça da Figueira antes da demolição do Mercado
Foto - Eduardo Portugal, Ant 1949, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - B094416

Nasceu em 1755, no terreno das ruínas do Hospital de Todos os Santos, impondo-se como mercado central e destinado à venda de frutas e legumes. Passou entretanto por vários nomes: Horta do Hospital, Praça das Ervas, Praça Nova e Praça da Figueira. De um local de bancadas diárias passou a praça fixa, com barracas arrumadas e um poço próprio.
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Ao longo dos tempos, foi sofrendo algumas alterações consoante as necessidades da população. Assim, em 1835, é arborizada e iluminada, em 1849 foi-lhe colocada uma cerca gradeada, coberta e com 8 portas e em 1882 foi aprovado o projecto da nova praça, que consistia num edifício rectangular, com estrutura metálica e ocupando uma área de quase 8 mil metros quadrados.

Da venda de fruta e legumes, passou-se à transacção de outros produtos alimentícios necessários à população, fazendo da baixa lisboeta um local com um constante fervilhar de vida.

Desde logo, a praça tornou-se um dos emblemas de Lisboa, quer pela sua construção, quer pela sua localização no centro da cidade, quer ainda pela realização de verdadeiros arraiais por altura dos santos populares, transformando-a num verdadeiro teatro.

Em 1947, a vereação da altura decidiu o fim da praça, prevendo o alargamento da rede viária de Lisboa, que incluía a demolição do Socorro e zona baixa da Mouraria como forma de escoamento de trânsito, aproximando a cidade de Lisboa aos padrões europeus. Em 1949 festeja-se o último Sto António, procedendo-se de seguida - a 30 de Junho - à demolição do edifício.
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1968 é o ano da assinatura do contrato para a construção da estátua equestre de D. João I.
Freguesias: Santa Justa; São Nicolau

Do Cinema Éden, resta apenas parte da fachada
(a um cantinho à direita, junto ao Palácio Foz, ficava o pequeno cinema Restauradores)
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Cinema Condes (encerrado)
(Nesta zona situavam-se muitos cinemas e teatros, sobretudo na Rua das Portas de Santo Antão, como mais abaixo enumero)

Convento do Carmo, antes do Terramoto de 1 de Novembro de 1755

Mandado edificar por D. Nuno Álvares Pereira no século XIV, começou por ser um convento carmelita. Na cerca, foram construidas celas minúsculas, destinadas a acolher os frades que vinham de Moura.A cela do Santo Condestável ficou conhecida como "Casa do Século". Por consequência do Terramoto, vários conventos foram destruídos; O fervor religioso regista também um forte abalo, culminando na expulsão e extinção das Ordens Religiosas, ordenada por Joaquim António de Aguiar, em 1834. De traço gótico, foi parcialmente destruído pelo Terramoto de 1755; Nunca tendo sido totalmente reconstruído, resta hoje o Claustro - de planta rectangular - e parte das ogivas da coberta.


A Baixa pombalina, o Passeio Público e as Avenidas Novas

* Victor Nogueira

Ficámos no Hotel Americano, na Rua 1º de Dezembro. Ao entardecer vim dar uma volta, para ver as montras nos Restauradores e Avenida da Liberdade. Vi os cinemas Éden, que parece luxuoso, e Restauradores (que dá sessões contínuas). Subi a avenida e cheguei ao Parque Mayer. Dei por lá uma volta, tendo feito o gosto ao dedo na barraca de tiro ao alvo. Parte do [filme] "O Parque das Ilusões" passa se aqui. Quando cheguei ao S. Jorge [um pouco mais acima] voltei para o hotel. Passei pelo Tivoli e pelo Condes. As montras das lojas são variadas. Utilizei a passagem subterrânea. Depois do jantar fomos comer uns camarões e beber umas cervejas. A casa onde comemos tem as paredes forradas de conchas. (1963.09.09 - Diário III)

São 12 h 00.m. Estou a escrever sentado numa das mesas dum dos cafés do Rossio, que tem resistido às investidas dos bancos (por quanto tempo, ainda?) mais precisamente o "Nicola", que foi o poiso dum dos nossos maiores colegas: Bocage. Escrevo e simultaneamente vou comendo um "croissant", sorvendo aos poucos um escaldante "garoto" claro (ou "pingo", como se diz lá para o Norte). Nas mesas homens que já não são jovens - pelo menos cronologicamente como eu - encafuados em pesados sobretudos, alguns de chapéu a cabeça, cavaqueiam (sobre quê?), lêem o jornal ou limitam se a seguir com os olhos, absortos em pensamentos, o fumo dos cigarros.
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Também estão algumas mulheres (talvez senhoras, mas isso não interessa, somos só homens e mulheres). Aquela ali à minha esquerda escreve, não cartas mas, numa agenda ou bloco, notas. Ali a porta gira, gira, gira. Na fonte que se entrevê pela montra, a água jorra, jorra, jorra. Os automóveis passam, passam, passam. E o murmúrio das vozes, o tilintar das louças, a gaveta da caixa, constituem um pano de fundo. Évora morta, chata, entediante, onde estás tu!? (...)
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[Depois da monotonia de Évora, todo este bulício é reconfortante]. São 14:50. Fui corrido do café pois um "garoto" e um bolo não dão direito a mesa "per omnia saecula, saecolorum"! Especialmente à hora do almoço. (NSF - 1968.12.23)

Da Alfama medieval para a Baixa pombalina, eis a rota do nosso passeio. Também gosto desta "vista". Repara que enquanto Alfama é residencial, a Baixa é essencialmente comercial. Uma única semelhança: os candeeiros das iluminação pública [1972]. Anúncios luminosos, automóveis, e ruas mais largas são o contraste (Quando andava na 4ª classe [em Luanda] e ouvia falar nas ruas do Marquês, imaginava-as em largura à medida das de Luanda... que têm o dobro ou o triplo destas!). Ao fundo fica o elevador de Sta. Justa, que separa o Largo do Carmo da Igreja do mesmo nome, cujas ruínas se avistam do lado direito - os dois arcos em ogiva. Esta é uma das igrejas da expressão "Cair o Carmo e a Trindade" (após o terramoto de 1755). (MCG - 1972.09.15)

Estou agora a lanchar numa pastelaria aqui no Chiado, que tem penduradas na parede - um armorial, uma couraça, um capacete e duas espadas do século XVI. Desgraçados dos soldados que usavam tal ferraria em climas tórridas. (1973.01.04)

Ao entardecer de ontem as ruas da Baixa tinham um cheiro a chuva - um cheiro bom - enquanto as montras ao longo das ruas eram um apelo pelos saldos, principalmente vestuário. (...) Está hoje um calor abafado, sem nada da leveza das semanas anteriores. Prevê se, segundo os jornais, o racionamento de água em Lisboa. Água que já falta há muito nos concelhos limítrofes de Oeiras, Sintra e Cascais, onde pessoas há que não se podem lavar senão com águas de garrafão, tipo Luso e similares. Isto se não quiserem cheirar a sovaquinho e plantarem uma hortazita na sujidade do corpo. Entretanto a cólera alastra pela Itália e a Companhia das Águas de Lisboa vai informando que lançará mais desinfectante nas águas e, à cautela, a Direcção Geral de Saúde faz as recomendaçõezinhas da praxe, sem qualquer interesse dada... a falta de água. (MCG - 1973.09.05)

Desta vez escrevo do café Gelo, aqui no Rossio, avistando ali uma nesga da Rua 1º de Dezembro e da Estação [do Rossio]. Defronte a mim o [Emídio] Guerreiro acabou de lanchar e lê agora o jornal. Mais adiante, o empregado da tabacaria, calças aos quadrados., camisola preta e longos cabelos louros, vai lanchando e arrumando a loja. Esperamos que o Carlos [Nunes da Ponte] saia do emprego. O Guerreiro chegou ontem e temos percorrido Lisboa em busca dum emprego que não aparece, apesar do coração de Portugal estar doente e ser uma chatice se deixar de trabalhar (Pelo menos é o que diz o anúncio da RTP). Assim, temos deixado impressos devidamente preenchidos... aguardando. As minhas tias, especialmente Esperança, andam inquietas, pois dizem que eu sou bolchevista (ai, credo!) e assustam se quando digo que vou começar a assaltar bancos. (...) (MCG - 1974.10.22)

Antes deambulara pela Feira do Livro, ao longo da Avenida da Liberdade, onde comprei uns livritos, muito poucos. (...) Havia muitas barracas de livros mas poucas novidades ou livros de interesse para mim. Os partidos também tinham os seus pavilhões, ao longo do relvado: o maior pertencia ao MRPP. Uma rapariga e alguns rapazes falavam de Angola, do MPLA e dos maoístas e fiquei emocionado por encontrar gente da minha terra a falar de assuntos que me respeitam. (...) (1975.06.29)

(...) À tarde o Rui queria ir ao cinema ver o Pimentinha, baseado num miúdo endiabrado personagem da banda desenhada; mas a Susana preferia ver as lojas da Baixa pombalina, para arejar o dinheiro. Prevaleceu a proposta da Susana, que comprou adereços de artesanato em pele e missangas, tendo oferecido ao maninho uma fina pulseira em cabedal.

Com a Rua Augusta fechada ao trânsito automóvel, os passeantes passeiam-se à vontade no longo passeio público, onde personagens variados expõem as suas habilidades. Aqui um presumível grupo de índios da América Latina, todos de igual vestidos, interpretam canções do seu folclore, perante uma pequena multidão à sua volta, fotografando ou embasbacando-se. Menos assistência tinha um deficiente físico pintando um quadro com a boca. Mais além outra pequena multidão rodeava um velhote com periquitos numa caixa e um plano inclinado, sem que se percebesse que habilidades saíriam dali (talvez estivessem intimidados com a assistência ou ainda em fase de aprendizagem). E como não podia deixar de ser, um homem estátua, de palhaço vestido, embora de vez em quando fizesse momices com os olhos para divertir a numerosa assistência. Não deixo de admirar a capacidade destes indivíduos para estarem completamente imóveis, tanto mais quanto eu sou um mosquito eléctrico! Ao fundo, junto ao Arco da Rua Augusta, vendia-se artesanato, por pessoal mais limpo e aspecto mais comum do que aquele de ar sujo e maltrapilho que outrora abancava naquele sítio, ao jeito pretensamente hippie.

Hoje não choveu, apesar do tempo trovoadoresco, pelo que acabámos na Praça da Figueira (1) cheia de gente, na Esplanada dos Irmãos Unidos vizinha da Suiça, mas com pouca variedade de comes e bebes. Por lá apareceu um indivíduo, poeta popular, vendendo meia dúzia de poemas em livro de sua autoria, a quem comprámos um exemplar que dedicou à Susana, depois dele e a minha mãe se terem recitado mutuamente poemas das respectivas autorias. De qualquer modo os dele, em conteúdo, não chegam nem de perto nem de longe aos calcanhares do António Aleixo, algarvio, ou do Calafate, setubalense, pois quanto ao estilo são diferentes. (MMA - 1993.08.19)

Do Coliseu, ali à rua das Portas de Santo Antão, nada me recordava. Pensava no entanto que teria um aspecto grandioso ou ao menos imponente, pelo que há uns anos fiquei desiludido quando lá voltei, para assistir a um plenário sindical. Nesta zona situavam-se muitas casas de espectáculos, como os cinemas Politeama, Arco-Íris, Odeon, Condes e, no outro lado da Avenida ou nas cercanias, o Éden, S. Jorge, Tivoli, para além doutros mais modestos, como o Olímpia, o Restauradores e o Arco do Bandeira, este com uma inconfundível fachada arte nova, mandado construir por um capitalista que lhe deu o nome. A maioria deles já encerrou, após agonia de alguns como salas de filmes pornográficos, e outros foram reconvertidos, ou em salas mais pequenas, ou em hotéis para lá da fachada, como o Éden. Dos teatros de revista do Parque Mayer apenas persiste o ABC, estando os restantes encerrados, o espaço transformado em parque de estacionamento pago, subsistindo alguns restaurantes e dois modestos alfarrabistas.
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Dois edifícios, no Rossio, foram devorados pelas chamas e reconstruídos. Um foi o Teatro Nacional D. Maria II, em 1965, e outro a Igreja de S. Domingos, em 1959, embora nesta tenham deixado as marcas do fogo e derrocadas marcadas nas colunas, altares e paredes. Ao fogo estiveram outrora estes edifícios ou anteriores ligados. O primeiro, porque dele partiam as procissões e autos de fé de quem seria queimado por heresia, a mando e sentença dos dominicanos e da Santa Inquisição, cujo palácio, entretanto reconstruído pelo Marquês de Pombal após o terramoto de 1755 e no século seguinte destruído também por um incêndio, se situava no local onde Almeida Garrett mandou erguer o Teatro Nacional que já teve o seu nome.
Também a Igreja de S. Domingos, destruída pelo mesmo terramoto tal como sucedeu com o vizinho Hospital de Todos os Santos, esteve em 1506 ligada à intolerância, por nela se ter iniciado a matança de 2 000 judeus e cristãos-novos. (Notas de Viagem, 1998.Maio)
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Após o terramoto de 1755 o Terreiro do Paço ficou mais agradável, com a nova Praça do Comércio ladeada por edifícios de arcadas, que do exterior não parecem tão grandes, com os seus claustros e corredores, estes com tal largura que muitas ruas medievais a não têm.

Nada que se compare ao antigo terreiro onde o rei tinha o seu desgracioso palácio, com vista para o rio e para o barulho, bulício e azáfama dos estaleiros navais na Ribeira das Naus ou dos comerciantes do outro lado, nos baixos dos edifícios e no meio do lamaçal. Entretanto roubada aos transeuntes para se transformar em parque de estacionamento automóvel, atravessado por muitas e desvairadas gentes que vão para o emprego ou regressam a casa, para isso tendo de sulcar o rio, a Praça foi agora devolvida aos peões.

Perto, a caminho do Campo das Cebolas, pela rua da Alfândega, é notável o pórtico manuelino da Igreja de N. Sra. da Conceição Velha, (2) do qual mal nos apercebemos quando por ela passamos. Neste local existiu uma sinagoga judaica, mandada destruir por D. Manuel I, o Venturoso. Da sua ventura, contudo, não beneficiaram os judeus, convertidos à força para não serem expulsos de Portugal por exigência dos piedosos ... reis católicos de Castela.

Para norte dos Restauradores situa-se a Avenida da Liberdade, cuja abertura destruiu o Passeio Público, arborizada, mas onde os prédios do princípio do século vão sendo substituídos por outros, com diferente traça. Termina a avenida no Parque Eduardo VII, ladeado de arvoredo, destinado a substituir o referido Passeio Público, e onde se situam a Estufa Fria, um lago e o Pavilhão dos Desportos, onde por vezes ocorrem comícios. Na sua parte central passou a realizar-se a Feira do Livro, depois duma longa permanência na Avenida da Liberdade e uma breve passagem pelo Terreiro do Paço. (Notas de Viagem, 1998.Maio)
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1 - A esta praça vinha dar um esteiro do rio Tejo, no tempo da ocupação romana. Vestígios de cetáreas encontram-se na Rua dos Correeiros e na Casa dos Bicos.

2 - Este portal é proveniente da Igreja da Misericórdia, destruída pelo terramoto de 1755.

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