Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Deambulando por Lisboa (17) - Vilas Operárias


8 - VILAS OPERÁRIAS DA GRAÇA
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Na mais alta colina de Lisboa surge o Bairro da Graça, um dos mais antigos e belos da capital, edificado em terras onde, por altura da afirmação da nacionalidade portuguesa, proliferava um imenso olival. O sítio da Graça viu aumentar o seu número de habitantes após o terramoto de 1755. Esses novos habitantes constroem residências simples, de um só piso, ou, conforme o seu estatuto social, grandes Palácios.Aquando da extinção das ordens religiosas o Bairro da Graça sofre uma extraordinária mudança:o Convento passa a ser um Quartel e a Igreja do Largo de Santa Marinha é demolida. Grande parte dos terrenos conventuais foram expropriados e vendidos a particulares. Com a industrialização do Beato e Xabregas, a Graça conhece novos habitantes, desta feita operários que ali decidem morar. Passa-se para o período dos pátios, dos bairros operários e, sobretudo, das vilas operárias construídas com sentido estético e critérios urbanísticos.
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Muitos Palácios são adaptados para receber famílias do operariado, como o de Vale de Reis que, incendiado em 1819, viria a ser recuperado para habitação colectiva, em 1889, com o nome de Vila Tomás Costa para, mais tarde, ao mudar de proprietários, se designar Vila Souza.
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A Graça passa, nessa época, a ser uma região de vilas operárias, como a Vila Estrela de Ouro, construída em 1908, ou a Vila Berta, construída entre 1902 e 1908.
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VILAS OPERÁRIAS DE LISBOA (3)
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Com o surgimento da industrialização, a cidade de Lisboa recebe uma franja de população de operários. As acomodações, geralmente fornecidas pelos próprios proprietários fabris, adquirem o nome de “Vilas”, que não são mais do que pátios da era contemporânea, normalmente constituídos por dois ou três andares, separados por uma rua e isolados do exterior por um portão.
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BAIRRO ESTRELA DE OURO
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Localizado entre a Rua da Graça e a Rua da Senhora do Monte, é tipicamente operário, tendo sido mandado construir pelo proprietário da unidade fabril, Agapito da Serra Fernandes, para acomodar os seus trabalhadores, mediante o pagamento de renda. O edifício em si, é constituído por dois pisos, alguns com galeria e escadas de acesso ao exterior, sendo ainda de notar a moradia do proprietário, vivenda com espaço ajardinado, afastada convenientemente do núcleo do bairro ( adaptada agora a um Lar de senhoras idosas). A maioria dos residentes é de avançada idade ali se mantendo desde os primeiros tempos.
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2. O ESPAÇO
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2.1. O meio envolvente
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A Escola Secundária de Gil Vicente, localizada na freguesia de São Vicente de Fora, integra-se num dos bairros mais antigos da cidade de Lisboa, o bairro da Graça que, a par com os da Mouraria, Castelo e Alfama, faz parte de um conjunto mais vasto que constitui o sector oriental de Lisboa, também considerado um dos sectores mais pobres e menos letrados da cidade. Aqui predomina uma população envelhecida, maioritariamente com baixo nível de instrução (raramente superior ao 9º ano), com fracas qualificações profissionais, trabalhando no comércio e no sector terciário inferior e com um peso significativo de reformados.
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Apesar de a Freguesia da Graça ocupar a primeira posição dentro do conjunto das freguesias de origem dos nossos alunos, é dos bairros de Alfama e da Mouraria que a maioria deles provém. Estes bairros são caracterizados pela forte presença de uma cultura popular urbana, com destaque para o fado e para as marchas populares de Santo António, onde a identidade bairrista e as rivalidades inter-bairros são uma marca importante. Estes aspectos podem ser explicados à luz da especificidade da malha urbana e do carácter fisicamente fechado destes bairros (escadinhas, becos e vielas apertadas); da relação entre as habitações e a rua, com a utilização desta última como prolongamento da casa e espaço colectivo da vizinhança, uma vez que as casas são de muito pequenas dimensões; da constituição de subunidades locais de relacionamento intenso, polarizadas por um pátio, largo, esquina, parte de umas escadas, tasca ou leitaria; das densas redes de vizinhos, familiares, conterrâneos, amigos e membros das mesmas associações de vários tipos; das relações de dominação e influência, de poder e dependência, ligadas às diferentes actividades profissionais, às actividades turísticas, às colectividades associativas locais, a um certo modo de marginalidade; da sobreposição significativa entre local de trabalho, residência e lazer; dos códigos vigentes que organizam a conduta, fazem compartilhar estilos de procedimento, delimitam o permitido e o interdito. Este tipo de cultura popular urbana é transportado para a escola, sendo um traço distintivo da nossa população escolar.
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O bairro da Graça, embora de cariz popular, não é um bairro tão fechado como os anteriormente referidos. Caracteriza-se por um predomínio da função residencial onde a tipologia das habitações é heterogénea, em que são preponderantes prédios antigos de habitação popular, muitas vezes degradados, com cómodos pouco espaçosos e fracamente iluminados. Pátios e vilas operárias marcam forte presença no bairro, sendo de destacar a Vila Berta, a Vila Sousa, o Bairro Estrela d'Ouro ou a Vila Maria, testemunhos de um passado industrial. Esta tipologia urbana de finais do século XIX / princípios do século XX, mandada construir, na sua maioria, por empresários industriais para albergarem a antiga população operária da área, contribui, actualmente, para o interesse cultural e turístico do bairro.
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Nas actividades económicas, predomina o pequeno comércio tradicional, bastante diversificado, que assegura a subsistência diária dos habitantes: mercearias, padarias, talhos, peixarias, drogarias, lojas de vestuário e de artigos para o lar, farmácias, cafés, restaurantes e uma ou outra loja que oferece artigos mais especializados. No que toca a unidades comerciais com alguma dimensão, apenas se encontra uma loja de venda de mobiliário e um supermercado. Ao nível dos serviços, encontram-se dependências bancárias, consultórios médicos, centro de saúde, veterinário, lar de idosos, centro de dia, clubes recreativos e desportivos, jardins de infância e escolas que oferecem diferentes níveis de ensino, desde o pré-escolar ao secundário. Das poucas indústrias presentes no bairro são de referir algumas tipografias, serrações de madeira, serralharias e pequenas oficinas de automóveis. Em termos patrimoniais e culturais é um bairro com interesse, sendo de destacar o Convento de S. Vicente, o Panteão Nacional, a Igreja da Graça, a Ermida de S. Gens, o Miradouro da Senhora do Monte e o Miradouro da Graça.
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São estes aspectos económicos, sociais e culturais que fazem com que este bairro funcione como centro secundário dentro da cidade de Lisboa, polarizando económica e socialmente os bairros limítrofes.
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Tal como todos os bairros das freguesias centrais da cidade de Lisboa, também os bairros pertencentes à área de influência da escola têm assistido à saída de uma parte considerável da sua população para a periferia da cidade, onde o preço da habitação é menor, levando ao progressivo envelhecimento da sua população residente. No entanto, a atracção pelas áreas antigas que se tem verificado nos últimos anos permitiu a reabilitação de alguns dos edifícios degradados e a renovação de outros, o que desencadeou um fenómeno de gentrificação ou seja, a recente substituição dos anteriores moradores, pertencentes a classes populares, por residentes com outro perfil social, detentores de níveis bem mais elevados do ponto de vista económico e cultural.
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A par desta nova dinâmica social, é de referir o número crescente de população imigrante das mais diversas origens a residir nestes bairros, contribuindo para uma maior heterogeneidade social, cultural e linguística, que é um reflexo do crescente multiculturalismo da cidade de Lisboa e da nossa escola.
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É deste quadro socioeconómico que provém a esmagadora maioria dos alunos da Escola Secundária de Gil Vicente, o que ajuda a compreender as baixas expectativas relativamente à escola, as significativas taxas de insucesso e de abandono escolar e as escolhas dos percursos profissionais em detrimento da continuação dos estudos.
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