* Victor Nogueira
A mesa do café não é propriamente um local de recolhimento e, em sentando -e o primeiro, logo chegam os outros. Resultado: muitas vezes os trabalhos têm de ser interrompidos. (MCG - 1973.11.12)
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Ali ao lado o [Luís] Carmelo submete o Carlos a testes de inteligência. Pelas mesas vizinhas malta conversa ou estuda; as vozes do Camilo e do João Luís sobressaem aqui na mesa atrás de mim. (MCG - 1973.11.16)
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Na pequena salinha do café do senhor Gonçalves (1) (é outro que não o da Raymond Street) alguns clientes assistem à televisão ali por cima do balcão: o Jorge Alves apresenta o programa da próxima semana. O [Emídio] Guerreiro queixa se que a sopa está quente (...).
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Comecei hoje a comer aqui neste café, junto ao jardim infantil, entre a Praça de Touros e o Rossio [de S. Brás]. O almoço estava saboroso. Esperemos que assim continue. Ali numa mesa ao lado um grupo de jovens vê uma colecção de fotografias pornográficas, que de vez em quando mostram a outros noutra mesa, cruzando o meu campo de visão. Entretanto a TV transmite um documentário sobre a guerra israelo-árabe, prendendo a atenção dos clientes. (...) Na televisão sereias soam numa cidade síria, sobrevoada por aviões israelitas que a bombardeiam. Escombros e feridos enchem o ecrã.
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Nas obras que se fazem no novo edifício do Instituto, ao deitar-se uma parede abaixo, descobriu-se uma capela quinhentista. Fomos lá hoje para visitá-la mas já estava novamente emparedada. O edifício deve ter sido reconstruído sobre as ruínas de outro (fenómeno normal em Évora) e a capela fica abaixo do solo, na rua que passa nas traseiras do Instituto (Travessa das Casas Pintadas) (MCG - 1973.11.21)
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Levanto os olhos e vejo muitos magalas, na sua farda verde oliva. Andam também pelas ruas, aos grupos, espalhafatosos, como quem já tem o seu grão na asa. "Cheira-me" que haverá dentro em breve mais um contingente para a guerra em África. Alguns escrevem, curvados sobre o papel, a caneta firme na mão, como quem não está habituado a frequentes escrituras. Parecem rapazes muito novinhos; uns conversam, irrequietamente, outros têm um ar absorto, ausente.
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O barulho invade-me e cansa-me. Há pouco, dei de repente com um silêncio gradual, profundo. Levantei os olhos do papel e era um magote de gente à volta duma mesa, em pé. Um silêncio em crescendo gradual. Gente levantando-se, esticando o pescoço. Continuo a escrever. Alguém se deve ter sentido mal, mas o meu curso de primeiros socorros já tem oito anos. Um homem sai do meio do magote, os seus lábios mexem-se e leio "Desculpe-me" a mão passada pela testa como quem tem suores ou tonturas. Sai pela porta giratória (há pouco atrás de mim) e perde-se na noite das arcadas. (MCG - 1973.11.26)
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O chão do café está um autêntico chiqueiro. Juncado de papéis, beatas e fósforos. E terra. (MCG - 1973.11.27 A)
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Os magalas ainda não embarcaram, continuando a encher ruas e cafés. Cheguei há instantes da tabacaria, onde confirmei um anti-slogan: "Não telefone, vá!" Uma hora, foi o tempo que levei para conseguir uma chamada para Lisboa. (...) A gasolina é quase como agulha em palheiro para encontrá-la. Está praticamente esgotada em Évora ou Lisboa. P'rá semana há mais! Domingo passado, segundo o Carlos, às 4 da tarde já havia 3 ou 4 carros parados numa bomba aguardando pela meia noite para poderem seguir rumo a Lisboa. No regresso de Portalegre tiveram de juntar se lhes. (...)
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Hoje à tarde o dono do Zé do Casarão estava furioso, telefonando quando por lá passei a comprar o "Comércio do Funchal" (agora gastando páginas numa inútil polémica com a "República"; uma guerra de alecrim e manjerona!). E o senhor desabafou comigo. Estava furioso com o chefe da PIDE. Que mandou lá buscar o último fascículo da "Enciclopédia do Vilhena", que foi devolvido meia hora depois, por um contínuo, que disse: "O senhor chefe diz que pode vender!" Ah! Ah! Ah! Porque, dizia o Zé, isto é um abuso. Se queria ler, pedia-mo emprestado. Porque ele não tem competência para decidir ou não da apreensão de revistas e livros, sem autorização do Ministro do Interior." Ah! Ah! Ah! E acrescento-lhe eu [com a minha habitual ironia]: "E de qualquer modo não podia levá-lo sem levantar um auto de apreensão" E lá deixei o Zé, furioso, telefonando não sei para quem." (MCG - 1973.11.27)
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Chegados a Évora a 1ª bomba de gasolina ostentava ainda (?) o fatídico "Esgotado"; na 2ª uma longa fila de automóveis estendia-se desde a Porta do Raimundo à Porta de Alconchel. Mais uns metros adiante um auto-tanque da SACOR enfiava pela estação de serviço (à saída para Lisboa) e num ápice 6 automóveis iniciaram uma bicha. Azar, que o empregado logo disse que só amanhã, às 8 da matina. E assim saímos do 5º lugar. É o que eu digo: a continuar assim a gasolina esgota-se ainda mesmo antes de haver. (MCG - 1973.12.03)
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Há gasolina à farta nas bombas de Évora e acabaram as bichas. (MCG - 1973.12.04)
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Ao entardecer a Rua do Raimundo é um espectáculo ao descê-la. Não gosto de Évora, porque não se vê o mar, nem a relva, nem as árvores, mas só pedras. Évora é um círculo que nos esmaga e constrange.
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Mas o espectáculo da Rua do Raimundo, quando a descemos ao entardecer!... O sol põe-se mas o céu ainda é azul, com dois luzeiros brancos cintilando. Um arco vaporoso tingido de encarnado - rasto dum avião - cruza o céu da rua, de casa a casa. O horizonte é um encarnado pálido e as ruas são brancas e as pessoas, passando, quase fantasmagóricas.
(... )
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E então, que me dizes ao aumento do preço do petróleo e seus derivados? (Lá para Abril deve haver mais. Olarilas!). A velhota dos jornais ali às portas do Arcada já desabafou comigo esta manhã: não haver um raio que os partisse! Há 10 dias encomendara uma garrafa de gás; está cozinhando a lenha. Que só na 3ª feira. "Os patifes, os espertalhões, já sabiam disto e obrigam-me a pagar o gás mais caro!" Como dizia o Carmelo, muito solene e sisudo na sua pose à mesa do café: "Isto está cada vez pior!" (MCG - 1974.01.03)
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(...) A fotografia é antiga! Não parece! Mas... a cerca da fonte já não é assim e o táxi (1º) já não existe. Também as motorizadas já não param no topo do tabuleiro. A indumentária das pessoas e a esplanada defronte do "Diana" indicam que é Verão! Eis aqui a célebre Praça do Giraldo, o local que os meus pés mais têm calcorreado. É sábado e estou jantando. Este fim-de-semana foi um pouco "chocho". A semana passada houve uma boa peça de teatro (O Amigo do Povo) e um filme a ver (O Espantalho). Esta semana, nada. Enfim. Por mero acaso integrámo-nos numa das visitas guiadas do Túlio Espanca. Mais duas igrejas visitadas. (MCG - 1974.01.18)
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(...) Por cá também, o nevoeiro (e o frio) dão aos dias características verdadeiramente invernais. Ontem à noite o frio era tal que ao entrar no Arcada fiquei subitamente sem visão. Mas não haja cuidado, pois foram as lentes que se embaciaram [repentinamente]. (MCG - 1974.01.23)
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(...) O soalho está molhado. Lá fora chove, um homem, eufórico, está com uma conversa parva ali ao telefone (deve ser com uma rapariga). O Luís entra e cumprimenta-me. Escrevo nos joelhos, aqui na tabacaria da esquina, pois a escrivaninha está ocupada. Acabei de jantar no Arcada com o João Luís e a Filomena. Detesto comer naquela cave abominável, sem janelas. Também estou farto de gabardinas e casacos, que prendem os movimentos. (MCG - 1974.01.28)
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O sol tenta romper o cinzento carregado de chuva, mas em vão. Acordei hoje ao som de catadupas de água [à tarde o sol descobriu e o céu azulou]. Quase um dilúvio que encherá ali a barragem do Divor, livrando-nos da água sabendo a peixe. Já não era sem tempo. Chegámos pouco antes das 22 horas.
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No Arcada o João [Garcia], a Filomena, o Camilo, o Zé Pinto, o Ribeiro, o "Chinês" e o irmão cantavam em coro desde as cantiguinhas da primária ("Ó Rosa, arredonda a saia", "Tia Anica de Loulé"...) às excursionistas ("Santa Catarina", "Rapsódia Portuguesa"...) passando por cânticos gregorianos e pelos coros alentejanos e canções da Beira Baixa. Enfim, uma grande audição, no café cheio e entretido com outros assuntos. (MCG - 1974.02.11)
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Ontem fui à ópera com o Carlos [Nunes da Ponte] e duas das suas amigas. Uma borracheira: cantaram trechos de árias dos dois primeiros actos da Traviata, sem cenários. O 3º acto foi representado integralmente, com cenários improvisados. Orquestra não havia - o acompanhamento era ao piano. O espectáculo foi promovido pela FNAT. No camarote ao lado do meu ficou o dr. Cabral, delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, que num intervalo me pediu a opinião. Coitado, está com azar, porque não me coibi de dizer-lhe o que pensava da "história". (MCG - 1974.02.16)
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Hoje foi o Dia da Polícia e está explicado porquê toda a semana têm desfilado pelas ruas da cidade: preparação do grande acontecimento, em que estrearam os capacetes cinzentos com viseira protectora, espingarda de baioneta calada ao ombro, deixando, na esquadra, o escudo protector das pedradas dos manifestantes. 50 000 mil contos teria sido a quantia gasta nos últimos tempos pelo Governo para equipar a polícia. Ah! Ah! Os tempos vão desassossegados! (1974.03.12)
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O dia hoje está soalheiro. Regressei há pouco a casa; os jornais esgotaram. A RTP noticiou que na madrugada de ontem houve um levantamento militar nas Caldas da Rainha, após uma semana de grande confusão. (...) Segundo a BBC o Movimento das Caldas [16 de MARÇO] pretendia exigir a demissão do Presidente da República [Almirante Américo Tomás](1974.03.17)
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Dizia a BBC ontem que prosseguia o "julgamento" das 3 (Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa) autoras dum livro chamado "Novas Cartas Portuguesas” sobre problemas da mulher portuguesa, que a acusação pública considera pornográfico e ofensivo da moral e dos bons costumes.
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Mas uma das testemunhas de defesa, Maria Emília... , afirmou que ofensivo da moral e dos bons costumes era o facto duma mulher não poder andar na rua e transportes públicos em Lisboa (e em Évora ?) sem ouvir piropos indecorosos e ser apalpada. Referiu também as vantagens que os homens da classe alta tiram impunemente da sua posição sobre as jovens das classes inferiores. (MCG - 1974.03.21)
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Vim até aqui ao Arcada, muito barulhento. Está um dia bonito, cheio de sol. Évora está cheia de miúdas, aos bandos. (MCG - 1974.03.31)
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1 - Café do Parque?
PIDE/DGS
Guerra Colonial
Programa Zip Zip, uma pedrada no Charco (Carlos Cruz, Raúl Solnado e Fialho Gouveia)
Grande Enciclopédia do Vilhena
Derrota do Golpe das Caldas - 16 de Março de 1974
Marcel Caetano numa das televisivas "conversas em Família"
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