Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sábado, 21 de julho de 2007

Lisboa e a vida quotidiana - Memórias Dispersas


* Victor Nogueira

1962

O movimento nas ruas de Lisboa é enorme. Neste dia andei nas escadas rolantes pela 1ª e comi um cachorro quente, também pela 1ª , tal como vi também televisão pela televisão 1ª vez. Foi um dia em cheio.(1) (1962.12.15 - Diário III)
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Andei de metropolitano pela 1ª vez. (1962.12.17 - Diário III)
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1967
Não conhece Lisboa? Então falemos um pouco desta tão cantada cidade, paraíso dos turistas. Podemos talvez fazer umas comparações com o Porto. Como todas as grandes cidades tem ruas ladeadas de casas, umas velhas, outras novas, automóveis, gente, muita gente, barulho (de prédios em construção, de buzinas, de travagens, pessoas que falam, pessoas de todos os feitios, para todos os gostos). É mais alegre que o Porto: mais luminosa, mais ampla, com muitas ruas modernas, tal como em Luanda. Mas, como no Porto, também possui os seus bairros antigos, de vielas estreitas e tortuosas [como na ribeira], tão estreitas que o vizinho do prédio em frente facilmente nos dá uma "bacalhoada". Esta é a parte que eu conheço pior. As outras são me mais familiares. Gosto de andar por estas ruas, cheias de gente, que anda em todas as direcções, com os mais variados destinos. Gosto... e não gosto. Podemos andar à vontade, sem encontrar alguém conhecido. Mas... nem sempre nos agrada a solidão que transpira por estas ruas. Cada qual preocupa se quase exclusivamente consigo; é o preço das grandes cidades, onde os homens frequentemente se transformam em máquinas, em autómatos. Enganar me ei ao dizer que no Porto respira se um ar mais humano, menos artificial ?!!! De qualquer modo foi esta a impressão que me ficou da visita feita esta Páscoa e confirmada esta semana.
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Mas entre o Porto humano, que me atrai, e esta Lisboa alegre, sem dúvida, cheia de sol, mas por vezes fria, irritante, continuo a preferi la. (MFR - 1967.08.02)
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Que mais contar? Começou o frio, o suplício das quatro ou cinco mangas, do Chamberlain - vulgo guarda-chuva - as caminhadas por ruas escuras alumiadas - aqui e além - por um candeeiro; alguma vez [em Angola] eu sonhei ir para as aulas ainda... de noite ?!!! O Sol agora dá-lhe para isto, abandona cá a malta para vos fazer [no hemisfério sul] umas visitas mais prolongadas. (ADP - 1967.11.21)
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Sábado choveu bastante aqui em Lisboa; isso pouco me afectou se não considerar que cheguei a casa completamente encharcado: calças, sapatos, casaco, enfim, de manhã tomara banho de chuveiro, de tarde banho de chuva! De assinalar um relâmpago enorme que iluminou a noite, cerca das 19 horas, seguido dum enorme estrondo. Deduzo que foi o que caiu sobre o edifício da Rádio Renascença, Às 7 da manhã de domingo um estrondo enorme que me parece ter abalado a casa - soube depois que tinha explodido um paiol nos arredores de Lisboa. E pela leitura dos jornais tomei consciência da extensão e gravidade do temporal: avultados prejuízos materiais e - segundo os jornais, dezenas e dezenas de mortos. Felizmente e porque Campo de Ourique não teve grandes prejuízos, nada sofri. O tempo serenou e arrefeceu. (NSF - 1967.11.27) (...)
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As Associações de Estudantes de Lisboa [e a JUC - Juventude Universitária Católica] resolveram solidarizar se com as populações sinistradas, prestando os estudantes o auxílio que puderem, [desobstrução de casas e caminhos, distribuição de alimentos e vestuário, vacinações, etc.] formando se em cada Escola três subcomissões com actividades específicas: Mobilização, Donativos e Propaganda (JCF - 1967.11.28)
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1968
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No dia 21 de Fevereiro os estudantes de Lisboa pretenderam fazer uma manifestação de protesto contra a guerra no Vietname, não aceitando a pesada responsabilidade que os americanos pretendem dividir com o mundo ocidental. Essa manifestação culminaria com a entrega dum abaixo assinado. (...) A manifestação estava marcada para defronte da Embaixada dos EUA, na Av. Duque de Loulé, para a mesma hora da chegada do Almirante Américo Tomás da sua visita à Guiné. Pelo que me contaram a polícia de choque e os cães polícias (para quê tanto aparato ?!) obrigaram os estudantes a dispersar. Estes foram até à Avenida Almirante Reis e ali, encurralados, foram presa fácil para a Polícia de Inducassão e Defesa dos Estudantes.

Apenas a RTP e um dos jornais diários falaram do incidente. (...) (Ao slogan "Abaixo a Guerra no Vietname" seguiram se "Abaixo o Fascismo" e Abaixo a Guerra Colonial". No fundo estou convencido que o primeiro foi um mero pretexto para os segundos e daí o aparato todo)

Semanas antes, na Universidade do Porto,os estudantes boicotaram a visita do Embaixador dos EUA aquela Universidade. (NSF - 1968.03.21)
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A temporada de ópera começa dentro de dias. Apresentarão "A Sonâmbula", "Os Palhaços", "Rigoletto", "Manon", "As Bodas de Figaro", além de duas outras cujos nomes me não ocorrem. Tenciono assistir a todas. Ah! são no[Teatro da] Trindade. (NSF - 1968.04.30) (2)
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Há umas semanas fui ao Teatro da Trindade ver a ópera "Os Palhaços" e à saída encontrei o Artur Horta. Como de costume, quando nos encontramos à noite, encetámos um dos nossos célebres diálogos, nos quais abordamos os mais variados assuntos, desde os mais transcendentes aos mais corriqueiros, que se prolongam pela noite fora, até de madrugada. A nossa deambulação levou nos, dessa vez, até à veneranda Rua do Quelhas, onde discutíamos a metempsicose e o panteísmo. Eram quatro da matina; andávamos uns passos, parávamos, retomávamos a marcha e assim sucessivamente. Éramos os senhores da rua, onde não passava viva alma ! Às tantas reparámos num guarda nocturno que, atravessando a rua e dirigindo se nos, perguntou onde morávamos: "Eu em Campo de Ourique, o meu colega aqui na Lapa". Fez um comentário acerca do adiantado da hora, que havia muitos malandros, etc., etc. "Malandros?! Que quer dizer com isso ?"  pergunto com certa rudeza, pois o ataque é a melhor defesa. Ah! os senhores sabem, há muitos ladrões de automóveis!". E, mirando nos de alto a baixo: "Bem, vê se que os senhores são bons rapazes, estão bem vestidos! Desculpem. Boa noite." E foi se. E durante algum tempo o pobre do guarda nocturno foi tema da nossa conversa, ele e a sua teoria de que o hábito faz o monge.
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E lembrar me eu que há dias fui ao "Coliseu" ver o "London Royal Balet" de quedes (3), em mangas de camisa e com barba de dois dias, por ter sido convidado à última da hora.
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Há dias um comunicado nos jornais informava que um dos bailarinos da Companhia do Maurice Béjart tinha sido expulso de Portugal por, durante um espectáculo, ter se imiscuído na política do Governo Português e ter incitado a juventude à subversão. Segundo as informações que tenho, de fonte não oficial, ele teria simplesmente comunicado ao público o assassinato de Robert Kennedy vítima dos fascistas, e pedido um minuto de silêncio contra todos os regimes fascistas e ditatoriais existentes no Mundo. (4)
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E isso faz me lembrar que se diz por aí que houve uma greve dos empregados da Carris que pretenderiam aumento de salários; a greve teria sido sufocada, mas os jornais, que eu saiba, nenhuma referência fizeram ao assunto. (NSF - 1968.06.24)
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Hoje todo o mundo, em Lisboa, anda à borla nos autocarros e nos eléctricos da Carris; não é nenhuma graciosa oferta da companhia aos seus utentes. Os seus empregados pretendiam um aumento de salário, que lhes não foi concedido - diga se de passagem que eles ganham muito mal. Assim hoje e não sei por quanto tempo os transportes circulam, cumprindo os horários habituais, mas os condutores não cobram bilhetes, por decisão tomada pelo respectivo Sindicato. A não cobrança dos bilhetes acarretará prejuízos à Carris, pelo que muito provavelmente os seus empregados alcançarão o que pretendem. Mas,... como é tradicional, os grandes accionistas não quererão ver os seus dividendos diminuídos, pelo que o Zé Povinho, um dia destes, verá o preço dois bilhetes aumentar.
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Já no ano passado, quando uniformizaram para um escudo o preço dos bilhetes dos eléctricos - acabando com os de $70 e aumentando os dos elevadores de $20 para $50 - já não me ocorre a que pretexto, pretenderam "actualizar o dos autocarros. Eu creio que os transportes colectivos alfacinhas são mais acessíveis que os tripeiros ou os de Luanda. (...) Ultimamente a Companhia adquiriu novos autocarros onde, para aumentar a lotação, quase não existem bancos, amontoando se os passageiros em pé, à retaguarda e no centro. Neles deixamos de ser humanos para sermos gado, amontoados em equilíbrio instável. Há semanas os eléctricos começaram a sofrer idênticas transformações, suprimindo se os bancos para aumentar a lotação. (NSF - 1968.07.01)
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Os transportes na Carris continuam a ser gratuitos. Os jornais vespertinos não aludem ao assunto enquanto que os matutinos de hoje se limitam a publicar uma nota do Ministério das Corporações e Previdência Social. À noite já gozavam com a situação e desde então muitas são as pessoas que aproveitam as circunstâncias para passearem e andarem o menos possível a pé. Os autocarros e os eléctricos vão pejados de gente. (...) Em média os funcionários da Carris ganham 60$00 por dia e pretendem um aumento de cerca de 25$00 diários. (NSF - 1968.07.02)
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Os empregados da Carris retomaram, há três dias, o serviço normal As negociações entre o Sindicato e a Companhia continuam, mas um intervenção do Ministério das Corporações e Previdência Social deu àqueles, para já, um aumento de 20$00 diários e 520$00 mensais, respectivamente aos assalariados e aos empregados. (NSF - 1968.07.06)
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Uma nota por mim ontem lida no diário vespertino "A Capital" informava que a Carris contactara com a Câmara Municipal de Lisboa com vista a um aumento de preço dos bilhetes dos eléctricos. Comentários!? (NSF - 1968.08.04)
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Quinta-feira fui "pragueado" por uma cigana. Fui ao Zoo com o Zé, o filho mais velho da Maureen. A cigana seguiu me durante muito tempo para ler a sina e não havia meio de largar me. Tanto me aborreceu para mostrar lhe a mão que assim o fiz, avisando a de que lhe não daria um tostão. Blá, blá, blá e eu placidamente a comer um baleizão (5). "Agora deixe me ver a sua mão esquerda" E eu deixei, com o meu sorriso céptico e trocista, enquanto mordiscava o sorvete. Blá, blá. "Ó Victor, deixa também ler a minha sina", diz o Zé. "Mas olhe que o menino paga", avisa a cigana. "Hein! isto é a pagar?". Responde a cigana: "Sim são vinte escudos, dez por cada mão!" (Se lhe pedisse uns cinco escudos, dava lhe, agora vinte!?) "Não lhe dou. Eu disse lhe ao princípio que não pagava" "Ah! mas o senhor deixou continuar e até deu a outra mão!" A discussão continuou, se é que discussão se podia chamar, até que ela descobriu: "Ah! o senhor não quer mesmo pagar!" "Pois não" "Olhe que eu rogo lhe uma praga!" Não faz mal, eu sou céptico e aguento todas as pragas. " "Vai ficar ainda mais aleijado... " "Não se preocupe" "... e morrer atropelado!", disse ela. "Ninguém fica cá para semente", respondi lhe. E lá se foi a resmonear. Ainda cá estou. (NSF - 1968.08.05)
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Os empregados da Carris foram todos agradecer ao Presidente do Conselho a intervenção do Governo. Discursos, ramos de flores, palmas, beijinhos às criancinhas!...

Para quê? Agradecer o quê? O Governo só tem razão de ser para servir a Nação. É a sua obrigação. Para isso é que lá está! (NSF - 1968.08.20)
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Uff! que calor! Estou todo pegajoso!... E eu que durante quatro ou cinco dias não posso tomar banho de chuveiro ou de praia por causa dum raio duma vacina anti variólica que fiz hoje. Vede o paradoxo: uns serviços medico sociais a fomentarem a falta de higiene. Só neste jardim! (ELF - 1968.08.24)
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Nesta última semana os Patiño e os Schum... (qualquer coisa)(6) deram cada um a sua festa de arromba, que reuniram celebridades de todo o mundo. Gastaram se rios de dinheiro, que não aproveitaram ao povo nem trouxeram, a meu ver, qualquer benefício à Nação. Festas deste género são um insulto aos milhares, se não milhões de portugueses que vivem miseravelmente. De modo algum uma creche dada às gentes de Alcoitão modifica a minha opinião. Enquanto os convidados circulavam, sorridentemente, pelos salões, de taças com espumantes capitosos na mão cheia de anéis, elas exibindo luxuosas e dispendiosas jóias, garotos andrajosos, nas escadas do cinema Império, assediam os espectadores que saem da sessão da noite, pedindo uma esmola, por necessidade ou por "profissão". (7) (...) Os jornais dedicaram páginas àquelas festividades, mas não falam em determinados e graves problemas nacionais. (NSF - 1968.09.08)
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Em meados de Agosto e em princípios de Setembro a CMLxa apreciou e rejeitou os pedidos a ela dirigidos pela Carris. Esta, alegando os encargos sobrevindos com o aumento dos salários e ordenados dos seus empregados, pretende aumentar em 50 % as tarifas dos carros eléctricos (da tarifa única, urbana, de 1$00 para 1$50); posteriormente , com o estabelecimento de zonas, criando novas tarifas. Os vereadores fizeram uns discursos muito lindos, que são os defensores dos interesses dos munícipes e um tal aumento é incomportável para os modestos orçamentos dos lisboetas, daqueles que utilizam tais transportes frequente e normalmente. (...) A Carris, descontente como é lógico, recorreu para uma Comissão Arbitral, formado por representantes seus, do Governo e daquela Câmara, que terá de apresentar as conclusões das suas deliberações até 9 Outubro, p.f.
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Não sei quando termina a concessão da exploração dos transportes urbanos àquela Companhia; creio que ela não tem muitas esperanças de ver renovada tal concessão ou, tendo as, procede como se as não tivesse. A rede de transportes não é modernizada - até quando se manterão os ronceiros eléctricos, que empatam o já demasiado confuso e caótico trânsito automóvel?. O aumento do volume de passageiros não é acompanhado do correspondente aumento de eléctricos e de autocarros; assim, nas horas de ponta, é ver os passageiros que aguardam, nas paragens de autocarros, tempos infindos - a lotação é limitada - que se apinham nos eléctricos - onde cabe sempre mais um. Voltando à lotação limitada nos autocarros, já tem acontecido não entrarem passageiros, por estar a lotação esgotada, e entrarem empregados da Carris e da PSP ou GNR, os quais, ao contrário daqueles, não pagam bilhete. Estarão protegidos contra todos os riscos ?! Muitas vezes ocupam os bancos, contribuindo para a completa lotação do autocarro. Com que direito ? O motorista raramente abre as portas, mas tal preceito não se aplica aos empregados daqueles três organismos que, frequentemente, entram e saem onde querem!
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Para fazer face ao aumento de passageiros a Carris tem aumentado a lotação nos eléctricos e autocarros suprimindo os lugares sentados; deste modo os passageiros apinham se incómoda e desesperadamente naquilo que tem mais de transporte de gado do que maximbombo (8) ou eléctrico! (NSF - 1968.09.24)
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O dr. Salazar continua gravemente enfermo. Creio que não poderá voltar a ocupar o cargo [de Presidente do Conselho de Ministros] nem tal seria aconselhável. Subordinado ao título "Le probléme de la sucession au Portugal", o semanário francês "Le Monde" publica um artigo numa das suas edições. (...) O Presidente da República exonerou o das suas funções. "Le Roi est mort! Vive le Roi!" Vi pela primeira vez o Dr.Marcelo Caetano, desempenado, sorridente, com um longo palmarés. (NSF - 1968.09.25)
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1969
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Lisboa está cheia de movimento e colorido. (NSF - 1969.12.19)
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1972
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Não é uma paisagem tropical, mas sim um recanto da aprazível estufa fria de Lisboa. (...) (MCG - 1972.11.23)
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1973
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Mudei hoje de poiso [nos Olivais]; trouxe a máquina da sala de jantar para a saleta onde durmo. São já 15 horas e pela persiana entreaberta entram os gritos e o chapinhar das pessoas nas águas da piscina, juntamente com o ronronar dos automóveis ali na Avenida de Berlim. Setembro chegou e com ele se foi o calor e veio esta temperatura amena que prenuncia o Outono. É agora tempo bom para os passeios e os jovens casais que passam pelas ruas, pelos jardins e pelos corredores do metropolitano, enlaçados, joviais ou simplesmente de mãos dadas aumentam, por vezes, a minha solidão e o desejo duma outra vida. Que nada tem a ver com esta esterilidade e desengano em que me encontro. (MCG - 1973.09.10)
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Os jornais de ontem noticiaram o suicídio do Presidente Allende da República do Chile, marxista eleito há três anos. Pretendia instaurar no Chile uma sociedade socialista, num processo evolutivo de transformação das actuais estruturas sociais. A sua experiência pretendia instaurar uma nova ordem social respeitando o ordenamento jurídico legal da ordem social que pretendia transformar. (MCG - 1973.09.13)
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As visitas que hoje fizemos a várias pensões foram muito instrutivas. Algumas não tinham condições, especialmente nos prédios antigos, onde os quartos são na maioria interiores, dando para saguões, tristes, soturnos e deprimentes.. Isto já sem falar nas cores horríveis de alguns. Mas não se arranja quarto por menos de 2 000 $ mensais [1973]
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1974
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Já passa da meia noite. Ao regressar hoje do jantar topei com montes de pinheiros às portas das casas, junto ao lixo. As "Festas" foram se. (MCG - 1974.01.08)
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O nome do café não sei. O tempo é de aguaceiros e o ar é cheio de ruídos. Lisboa é um desencanto e as raparigas são muito magras. Nas mesas lado a lados as pessoas sentam se mas não falam, desconhecidas que são umas das outras. A minha mãe acabou de ler o jornal e diz que esta casa não serve mal. Diz me para chamar o empregado mas sugiro lhe que espere pois ainda tenho um guardanapo para escrever. (9) (...) Não gostaria de viver em Lisboa. Perde se muito tempo pelos caminhos. (...) Esta rua é muito barulhenta, passam muitas ambulâncias. (...) (MCG - 1974.04.02)
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Um breve regresso a Económicas ~ Está um dia de calor abafado. Desconhecendo ainda o que a casa gasta, saí de manhã com o guarda-chuva na mão e o casaco debaixo do braço. O que vale é que Lisboa é grande e a minha parvoíce passa desapercebida. Estive em Económicas com a Manuela Silva, sobre a possibilidade de participação no corpo docente do ISESE. Para além disso S.Exa perguntou me o que fazia eu, e como lhe dissesse que estava no "exército industrial de reserva", perguntou-me o que me interessaria (talvez haja possibilidade no MEC) e ficou de contactar comigo. Os contínuos (o sr. Pinto e o sr.Cascais), seis anos depois - vê lá! - ainda se lembram de mim e perguntaram me se eu voltava para Económicas. Ah!Ah!Ah! (9 a) (MCG - 1974.09.12)

Hoje foi um domingo de trabalho: um dia de salário (1974)! A resposta ao apelo do [1º Ministro] Vasco Gonçalves por causa do Spínola. Havia movimento, talvez não tanto quanto aos dias de semana. No Marquês (10) grupos de voluntários limpavam as inscrições na pedra do monumento enquanto nos prédios circunvizinhos se arrancavam os variadíssimos cartazes colados post-25 de Abril. Tal como na estação do Rossio, onde 3 raparigas varriam o passeio enquanto uma mulher, casaco de malha castanho e ramo de cravos vermelhos na mão esquerda, limpava os cartazes da frontaria com a mão direita. (MCG - 1974.10.06)
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Ontem fui pela 1ª vez ao teatro de revista Pides na Grelha ali num barracão ao Martim Moniz [Teatro Ádoque] (...) Uma chuva miúdinha caia à saída e no percurso que fiz a pé até ao Cais do Sodré fui vendo "os homens da noite" ou seja, os coladores de cartazes. Bem... o primeiro "homem da noite" era uma velhota que colava cartazes manuscritos nas traseiras da Igreja de S. Domingos. Na Praça da Figueira, um grupo colava cartazes do PS enquanto que na Rua do Carmo os MRPP anunciavam o comício - que pretendem homenagem nacional - em memória de Ribeiro dos Santos, estudante [de Economia] assassinado pela PIDE há dois ou três anos.(...)
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Pois ontem fomos almoçar à cantina da Associação de Estudantes de Economia e a páginas tantas uma voz forte silenciou o vozear das conversas e um MRPP começou a denúncia da "traição dos sociais fascistas" (PCP mais a pró UNEP) e da provocação que foi o arranque das placas que assinalavam o Largo Ribeiro dos Santos. (11) Ao fim de algum tempo a malta ligou à terra e continuou a conversar, mas o "MR" prosseguiu o seu arengar às massas e... pôs à votação uma moção de protesto e um comunicado (perante o desinteresse notório e ostensivo da maioria dos presentes na cantina). Entretanto MR's vendiam pelas mesas o "Luta Popular" e UNITÁRIOS (PCP) o "Avante". Quem vota contra? Quem se abstém? Quem vota a favor? (Sentado a um canto da cantina observo, mas não vejo qualquer braço levantar se. De resto, a partir de certa altura, mal consigo perceber o que o MR lê ou comenta). Assim, muito surpreendido, ouço o tipo proclamar a aprovação com 4 abstenções e nenhum voto contra! Ah! Ah! Ah! Esta táctica é que eu não conhecia. Enfim... (Foi mais ou menos assim que se aprovou a Constituição de 1933) (MCG - 1974.10.11)
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A Câmara Municipal de Lisboa mandou arrancar as placas "Largo Ribeiro Santos" que o MRPP e o povo do bairro tinham colocado em substituição das antigas (Largo de Santos), em homenagem ao estudante Ribeiro Santos, assassinado pela PIDE. MCG - (1974.10.21/22).
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Hoje não me apetece ir a Lisboa! Lisboa é o andar dum lado para o outro, a azáfama sem sentido. Outrora era a Associação de Estudantes [de Económicas] e o cinema. Depois, já em Évora, era a Emília  e os nossos almoços e as conversas sobre o momento político e o movimento estudantil. A ela se juntou o Luís Filipe, que andou comigo no 1º ano de Sociologia  Mas... a Emília passou e a sua presença amiga e gentil é a lembrança da mulher e do afecto que não consigo ter. O Luís Filipe é a divergência dos caminhos - a minha radicalização (ao menos teórica e intelectual) - e a sua aceitação desta sociedade, revelado no curso [que acabou por tirar], no emprego que arranjou, na vida que levará, que a colecção completa dos Livros RTP/Verbo e de Bolso Europa América e do Círculo de Leitores prenunciam, conjuntamente com um passatempo caro - a fotografia. Os outros amigos? O tempo nos separou. Lisboa seria então, na semana passada, a procura de emprego. (1974. Outono)
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1993
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O regresso a Paço de Arcos, pela auto-estrada, foi uma limpeza em rapidez, pois Agosto é um bom mês para férias, porque o pessoal sai da cidade, para as suas vacances, havendo pouco trânsito e muitos locais para estacionar. (MMA - 1993.08.19)
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1 - Espécie de saloio em terra de gente (1964.06.01)
2 - Estas temporadas de ópera a preços populares eram organizadas pela FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), que após 1974 deu origem ao INATEL (Instituto Nacional para os Tempos Livres dos trabalhadores). Os bilhetes eram-me arranjados pela minha tia Esperança, farmacêutica no Chiado. (1998.Maio).
3 - Sapatos de lona. Do Coliseu, ali à rua das Portas de Santo Antão, nada me recordava. Pensava no entanto que teria um aspecto grandioso ou ao menos imponente, pelo que há uns anos fiquei desiludido quando lá voltei, para assistir a um plenário sindical. Nesta zona situavam-se muitas casas de espectáculos, como os cinemas Politeama, Arco-Íris, Odeon, Condes e, no outro lado da Avenida ou nas cercanias, o Éden, S. Jorge , Tivoli, para além doutros mais modestos, como o Olímpia, o Restauradores e o Arco do Bandeira, este com uma inconfundível fachada arte nova. A maioria deles já encerrou, após agonia de alguns como salas de filmes pornográficos, e outros foram reconvertidos, ou em salas mais pequenas, ou em hotéis para lá da fachada, como o Éden. Dos teatros de revista do Parque Mayer apenas persiste o ABC, estando os restantes encerrados, o espaço transformado em parque de estacionamento pago, subsistindo alguns restaurantes e dois modestos alfarrabistas. Dois edifícios, no Rossio, foram devorados pelas chamas e reconstruídos. Um foi o Teatro Nacional D. Maria II, em 1965, e outro a Igreja de S. Domingos, em 1959, embora nesta tenham deixados as marcas do fogo e derrocadas marcadas nas colunas, altares e paredes. Ao fogo estiveram outrora estes edifícios ou anteriores ligados. O primeiro, porque dele partiam as procissões e autos de fé de quem seria queimado por heresia,a mando e sentença dos dominicanos e da Santa Inquisição,cujo palácio, entretanto reconstruído pelo Marquês de Pombal após o terramoto de 1755 e no século seguinte destruído também por um incêndio, se situava no local onde Almeida Garrett mandou erguer o Teatro Nacional que já teve o seu nome. Também a Igreja de S. Domingos, destruída pelo mesmo terramoto tal como sucedeu com o vizinho Hospital de Todos os Santos, esteve em 1506 ligada à intolerância, por nela se ter iniciado a matança de 2 000 judeus e cristãos-novos. (1998.Maio)
4 - Comunicado do SNI (Secretariado Nacional da Informação), publicado nos jornais vespertinos de 9 Junho 1968: "Durante o espectáculo duma companhia estrangeira, realizado em Lisboa, na noite de 6 do corrente, foram dirigidas à juventude exortações derrotistas e tomadas posições de especulação política inteiramente estranhas ao próprio espectáculo.
Perante a luta que temos de manter em defesa da integridade nacional, não pode consentir se que uma companhia estrangeira aproveite, abusivamente, um palco português para contrariar objectivos nacionais.
As autoridades foram assim forçadas a impedir a permanência em território português do súbdito estrangeiro responsável por aquele espectáculo" (NSF - 1968.07.02)
5 - Termo de Luanda, que significa sorvete, do nome do proprietário das casa que os fabricava, cujos carrinhos de mão percorriam a cidade.
6 - Schlumberger.
7 - Depois de Abril de 1974 os pedintes desapareceram das ruas de Lisboa e doutras cidades, não por qualquer medida repressiva, mas porque as condições de vida melhoraram. Vinte anos depois regressaram, tal como os encontrei na Madeira, embora muitos sejam jovens que agressivamente exigem dinheiro pela arrumação de carros em lugares que indicam, muitas vezes para aquisição de droga. Contudo não se amontoam às portas das igrejas, como outrora.
8 - Termo de Luanda, que significa autocarro.
9 - Esta carta foi escrita num guardanapo.
9 a) Em Luanda as entradas e saídas nos Liceus eram controladas. Pelo que em Portugal, na 1ª vez que entrei em Económicas, no antigo Convento do Quelhas, em 1966, dirigi‑me ao porteiro, creio que era o Cascais, dizendo que era aluno e se podia entrar. Enfim, caloirices ingénuas, como depois verifiquei, pois a entrada nas faculdades era franca e ninguém controlava as movimentações.
10 - Praça Marquês de Pombal. Para Norte fica o Parque Eduardo VII, com o Pavilhão dos Desportos e a Estufa Fria. Trata-se dum lugar aprazível, para onde transitou a Feira do Livro após permanência na Avenida da Liberdade e uma breve passagem pelo Terreiro do Paço. (1998.Maio)
11 - Houve na altura uma grande controvérsia pois a Câmara de Lisboa de então não concordava com o baptismo do Largo, ali para Santos e perto de Económicas, como se dará notícia mais adiante. (1998.Maio)
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Quadro - Salvador Dali - Persistência da Memória

1 comentário:

Victor Nogueira disse...

Maria Lúcia Borrões
Viva, amigo sempre activo! Gostei, como sempre! Até os relógios do Dali estão completamente integrados na temática («A persistência da memória»). Admiro-me que, com a tua criatividade, não tenhas enveredado por uma carreira noutras áreas... Foi pena, porque se calhar, todos os portugueses poderiam ter usufruído dela... Assim só umas dezenas de eleitos a desfrutam... Bjinho