Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Uma viagem de avião - Lisboa - Luanda e não só

* Victor Nogueira
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O avião, o Super Constelation Infante D. Henrique, descolou [de Lisboa] à meia noite, com um atraso duns 15 minutos. (1) Foi neste avião que em Dezembro último vim para a Metrópole. Até Bissau, onde desembarcaram grande número de passageiros, o avião ia cheio. Não dormi mais dumas três horas. O barulho dos motores era ensurdecedor, mas depressa me habituei.

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Deram um pequeno almoço antes da aterrisagem em Bissau. O aeroporto é simples, mas pelo que sei um dos melhores de África. Vi lá dois aparelhos de radar do exército. Estava calor.

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Como já íamos atrasados não parámos em S. Tomé. Tive bastante pena de não ver o tio Jorge. A partir do meio dia a viagem tornou se deveras monótona. Conversava com o meu companheiro de viagem, um funcionário de Luanda, via a paisagem (só núvens ou mar) ou lia ("O Céu Não tem Favoritos", de Maria Remarque) É um pouco filosófico, mas não desgosto. Assisti ao nascer do sol, visto de 3 000 metros de altitude. É um espectáculo deslumbrante. Começa com um pequeno foco vermelho, que se alastra, como um grande incêndio (as minhas notas foram tomadas às 6 h 15 m de Lisboa). O céu até há pouco estrelado, mantém se escuro, talvez azul ou preto. Por fim todo o horizonte está vermelho e começam a distinguir se as núvens, num contra luz soberbo.

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Chegámos a Luanda às 19 h 35 m (hora de Luanda). A cidade vista de cima é pouco iluminada. Mas de lado, parece um cintilar de pedras preciosas. Será um aspecto maravilhoso de Luanda que conservarei muito tempo. Um pôr do sol visto de avião também é um espectáculo agradável. (1963.11.24/26 - Diário III)

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1 - A primeira vez que andei de avião - avioneta - foi de Luanda para o Uíge, talvez em 1949. Dessa viagem recordo apenas um painel cheio de mostradores, o da cabine do piloto, com quem fiz toda a viagem, segundo a minha mãe. Gosto de viajar de avião, embora uma das viagens tivesse sido muito aborrecida, por alturas da guerra em Angola, quando os países africanos proibiram o sobrevoo dos respectivos territórios pelos aviões portugueses. Estes tinham de bordejar a costa africana. Salvo erro fizemos escala em Cabo Verde, de cujo aeroporto não podemos sair, fortemente guardado pelas forças militares. 19 horas de avião, sempre sentado, sem poder mexer, salvo nas idas ao WC, é obra! Nos Super Constelation a hélice a viagem durava cerca de doze horas, com o suplício das «quedas» bruscas do avião nos poços de ar, enquanto que com a introdução dos Boeing pela TAP ela se tornou mais agradável e menos demorada: 8 horas.

Outra vez, já nos anos 70 do século passado andei com um colega meu que pilotava a avioneta sobrevoando Évora e arrredores durante meia hora, de que recolhi algumas fotos. Só tive um certo receio na aterragem, apesar da confiança no piloto, quando vi o chão a aproximar-se e a correr logo ali até a teco-teco aterrar e parar na pista.
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Mas outro grande deslumbramento foi uma vez que o avião chegou a Lisboa já de noite e a cidade era um enorme luzeiro de mil candeias cintilantes.
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Uma viagem de avião - Luanda - Lisboa

A viagem correu optimamente, excepto quando sobrevoámos Lisboa. Devemos ter apanhado alguns poços de ar e parecia que o estômago me saía pela boca. Em Kano [Nigéria] apanhei um bocado de frio. (...) Atravessámos montanhas, ou melhor, sobrevoámos montanhas cobertas de neve e o Deserto do Saara. (...) A comida a bordo era para um pássaro. E paga um sujeito uns poucos de contos para isto.

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No aeroporto estavam à minha espera a Bita, a Maria Luísa e a minha madrinha [Cristina Santos] (NSF - 1962.12.28)

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Kano (Nigéria)

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---------Em Kano, onde chegámos de madrugada, (de Luanda para Lisboa) tive ocasião de ver que o pouco inglês que sei não servia nem para pedir uma chávena de café com leite. O que me salvou foi a hospedeira do ar, pois eu e o criado não nos entendíamos.

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Gostei bastante da viagem. Para mim é um prazer andar de avião. Em Kano apanhei um bocado de frio. (Diário III - pag. 56 - 1962.12.15)

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