Registaram‑se massacres no Norte de Angola, praticados por terroristas. Os europeus e os indígenas que não quiseram aderir aos terroristas foram martirizados e mortos. Muitos dos mortos foram cortados às postas pelos terroristas. Grande número de fazendas ([1]) e pontes foram destruídas. Em Luanda os civis têm‑se exaltado. Anteontem foram falar com o cônsul americano, o qual lhes perguntou o que desejavam. Após ouvir as alegações dos civis, teria respondido: “Vão‑se embora que isto é dos pretos.” Aqueles, ouvindo isto, arvoraram a bandeira portuguesa no mastro do consulado e atiraram o automóvel do cônsul ao mar. Ontem outro grupo de civis atacou a Missão Evangélica, mas foi disperso com bombas lacrimogéneas. ([2])
Têm‑se formado Milícias de Defesa Civil do Território, nos bairros da cidade. Na Praia do Bispo ainda se ofereceram 15 homens, que têm feito a ronda nocturna. No entanto ontem eu e outro rapaz andámos a distribuir os papéis de inscrição pelo bairro. Houve uma casa em que me responderam: “Nós somos velhos, não precisamos disso. Vai‑te embora.” Essa é uma casa de mulatos. Se eles aceitassem menores de 18 anos para fazer a ronda eu oferecia‑me. Assim só precisam dos menores para fazer os serviços dum contínuo quase.
A semana passada aprendi a carregar e descarregar uma espingarda, quando fui com o meu pai ver os funcionários das O.P. [Obras Públicas] que ficam de velada à noite. O meu pai [que era o engenheiro Chefe dos Armazéns da Direcção Provincial de Obras Públicas] é quem abre as portas dos armazéns onde dormem. (JLF - 1961.03.24)
Registaram‑se no Norte de Angola, nas regiões de Maquela do Zombo e S. Salvador insurreições de indígenas. Há a lamentar numerosas vítimas, quer entre os europeus, quer entre os indígenas (principalmente os bailundos) que defenderam as fazendas. Segundo os relatos dos refugiados os insurrectos após martirizarem os europeus e indígenas cortaram‑nos às postas! Para evitarem a fuga dos europeus os revoltosos abriram valas nas estradas e derrubaram as pontes. Felizmente que a calma já se encontra restabelecida! ([3])
Em Luanda os civis têm‑se exaltado e já por diversas vezes atacaram pretos pela simples razão de serem pretos. Anteontem um grupo de civis foi falar com o cônsul americano, mas estes ter‑lhes‑ia dito: “Vão‑se embora que isto (Angola) é dos pretos”. Claro que os civis indignaram‑se e, após espatifarem o carro do consulado, atiraram‑no à baía, cantando “A Portuguesa” e dando vivas a Salazar. Ontem outro grupo de civis queria fazer uma manifestação em frente do consulado americano, mas a polícia dispersou‑os com bombas lacrimogéneas. No entanto mudaram de rumo e depredaram a Missão Evangélica. (NID - 1961.03.24)
Registaram‑se no Norte da Província, nas regiões de Maquela do Zombo, S. Salvador e outras, insurreições dos indígenas. Estes praticaram atrocidades. Além de assassinarem os colonos europeus mataram os pretos que a eles não quiseram aderir. Sanzalas inteiras e fazendas foram arrasadas. Graças à rápida intervenção das forças armadas as insurreições acham‑se quase dominadas. Têm‑se efectuado numerosas prisões. A grande maioria dos europeus até aqui presos são pequenos funcionários, a quem tinham prometido os cargos de ministros dos governos do Negage e de Camabatela, que se haviam de formar. As zonas assaltadas pelos terroristas estavam cheias de colonos barbaramente mutilados, estando muitos vexados, principalmente as senhoras e raparigas.
Em Luanda os civis têm‑se exaltado. No dia 22 um grupo de civis foi falar com o cônsul americano. Este ter‑lhes‑ia dito: “Vão‑se embora que isto é dos pretos.” Aqueles exaltaram‑se, arvoraram a bandeira Portuguesa no consulado e atiraram com o carro do cônsul à baía. No dia seguinte tentaram fazer outra manifestação no consulado americano, mas a polícia dispersou‑os com bombas lacrimogéneas. Nesse mesmo dia assaltaram a Missão Evangélica partindo todos os vidros. (...) A Missão situa‑se perto do Colégio das Irmãs e o Consulado na Av. Marginal, mas foi disperso com bombas lacrimogéneas.
Não sei se conhecias o Cónego Manuel das Neves, aquele padre velhote que celebrava a missa na Sé, geralmente às 9 horas. Pois bem, foi preso. Com ele foram encontrados planos para diversas insurreições, uma delas em Luanda. Esse cónego seria um dos ministros do novo estado!!! (JG - 1961.03.27) ([4])
Isto cá por Angola não vai muito melhor. No entanto os nossos mortos podem contar‑se pelos dedos, comparados com as pesadas baixas que temos infligido aos terroristas. (JG - 1961.06.19)
[2] - Neste processo os maus da fita eram os EUA e as igrejas protestantes, acusados de apoiarem a UPA (União dos Povos de Angola) de Holden Roberto, apresentado como um preto estrangeiro que nem português sabia falar!
[4] - O Cónego Manuel das Neves era um velhote simpático, mestiço, com quem gostava de falar, que me baptizou, crismou e deu a 1ª comunhão. Apesar de todas as histórias que se passaram a contar, nunca o vi como um terrorista sedento de sangue. Aliás, nunca consegui embarcar nas teses maniqueístas dos brancos bons vítimas da maldade dos negros a soldo do estrangeiro. Foram criados negros que andaram comigo ao colo, me embalaram e contaram histórias para adormecer; foram negros os criados com quem brinquei; eram negros a lavadeira e os criados com quem conversava, que gostavam do menino Vitó porque os tratava sem arrogância, os considerava seus iguais e procurava que tivessem os mesmos direitos que os brancos! Lembro‑me da Maria, lavadeira, velhota, que fumava os cigarros com o morrão para dentro. Lembro‑me dos criados, como o Sebastião, o Laurindo, o Ambrósio ou o Fernando, este que se dizia filho dum soba e sucessor do pai lá na sua aldeia no sul de Angola.
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