Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Pingos do Mindelo e jogos de palavras

imagens geradas por IA

* Victor Nogueira

Cinzento e tristonho está o tempo; choveu durante a noite pois o pavimento de  cimento no quintal está molhado. Uma leve brisa agita as ramadas do limoeiro e as unípedes couves galega, cada vez mais altaneilras cono o feijoeiro do conto popular, sem que surda um João que anmarinhe por ele acima até nas núvens encontrar o castelo do gigante. No limoeiro os frutos amadurecem, já de amarelo vestidos. De quando em quando, revoaadas de pombos ou gaivotas evolucionam no campo ceifado que avisto para lá do muro, em busca de alimento. Devido a chuva, no quintaleljo brotam verduras, que a vizinha Amélia me diz que são erva ruim e daninha, a carecr de monda. 

Recorri ao chatGPT para que me relembrasse a história do feijoeiro e o nome da criança que no conto é a heroína, ilustrando-a de seguida. Na sequência das sugestões da IA obtive várias versões em prosa e verso, umas longas e outras sintéticas, das  quais escolho as seguintes, bem como a ilustração que encabeça esta publicação.

Resumo da versão em prosa (conto tradicional)

João é um rapaz pobre que vive com a mãe e troca a vaca da família por feijões mágicos. A mãe, furiosa, atira-os pela janela, mas durante a noite nasce um feijoeiro gigantesco que chega até às nuvens. João sobe e encontra o castelo de um gigante. Lá, descobre tesouros maravilhosos — um saco de ouro, uma galinha que põe ovos de ouro e uma harpa mágica. Em três visitas, João rouba esses tesouros; na última, o gigante persegue-o. O rapaz corta o feijoeiro e o gigante cai e morre. João e a mãe ficam ricos e vivem felizes, recompensados pela coragem e astúcia dele.


🌱 Resumo em Verso – “João e o Pé de Feijão”

João trocou sua vaquinha
por feijões de encanto e cor,
nasceu planta tão altinha,
que o levou ao céu maior.

Lá encontrou o gigante,
com tesouros e furor;
roubou ouro, galinha e harpa,
fugiu cheio de valor.

O gigante veio atrás,
mas João, firme e decidido,
cortou o pé de feijão,
e o mal foi destruído.

Hoje vive em alegria,
sem miséria nem temor:
quem tem fé e ousadia,
vence o medo e ganha amor. 🌤️

Apesar de ladrão, teve João sorte, que rima con morte ou forte, este como força ou fortaleza. Tal como amizade rima com felicidade e solidariedade, mas não com infelicidade ou caridade. Ou velhice com azelhice ou chatice, tal como pobreza não rima com riqueza. salvo em parelha. Apesar de João, que, num ápice, feijoeiro acima, acima das núvens encontrou a riqueza, para tristeza do gigante em seu palácio encurralado e saqueado. 


AI Overview

Uma pluviosidade de 0,3 mm corresponde a 0,3 litros de água por metro quadrado. O período de 3 horas não altera a quantidade de água por metro quadrado, mas indica a intensidade da chuva (neste caso, 0,1 mm por hora), que é considerada fraca. Assumindo uma área de 1 m2,  0,3 mm de chuva correspondem a 0,3 L de água.

Adicionalmente esclarece-me a IA Overview

A chuva é considerada forte quando a intensidade é igual ou superior a 10 mm/h e inferior a 50 mm/h. Acima de 50 mm/h, a chuva é classificada como violenta ou muito forte, podendo causar inundações. A classificação da intensidade da chuva pode variar um pouco dependendo da instituição ou da região. 

Classificação da intensidade da chuva     Chuva fraca: Menos de 2,5 mm/h. Chuva moderada: Entre 2,5 mm/h e 10 mm/h. Chuva forte: Entre 10 mm/h e 50 mm/h. Chuva violenta/muito forte: Acima de 50 mm/h.  

Concluo assim que tenho interpretado mal as indições meterológicas do IPMA. Afinal 0,3 mm de água, mesmo que assnailadas graficamente por duas gotas ininterruptas com maior ou menor cadência, não significam que venha aí um temporal que tudo inunde e arrase. Fico mais descansado quanto à fraca possibilidade de sofrer com  uma desagradável molha se sair, desafiando e arrostando as intempéries, os deuses e as deusas!

Para finalizar estes pingos um exercício ao estilo "descubra as diferenças"




Encontrar-se-ão muitas. Mas aquela em que hoje reparei é ter diminnuído o renque de árvores no horizonte, resultante do facto da Siemens ter adquirido umma faixa de terrenos desde a EN  13 até à linha do metro, para construir uma estrada que, no termo da mesma, permita a construção dum parque de estacionamento automóvel que sirva a sua fábrica, Está encontrado o motivo de á noite terem aumentado as luminárias que no horizonte delimitam o campo agrícola, ocultas que estavam pelo arvoredo agora derrubado.
  

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Pingos do Mindelo, outonais

 * Victor Nogueira

Olho para lá da vidraça e anoiteceu, o ar acinzentado,  misturado com laranja, em colorido pouco atractivo, as luzes cintilando no horizonte, as couves galegas e as ramadas do limoeiro oscilando levemente, depois duma tarde em que por vezes bailaram com alguma violência. No youtube, a leveza das valsas, vienenses, para tentar animar a alma e o espírito. Depois de intermitências, chegou o 1º dia duma sequência que a meteorologia prevê sejam cinzentonhos, pesados e mais ou menos chuviscosos.

Voltei às séries televisivas, duma assntada visionando a 1ª temporada duma policial, italiana, da RTP2: «Flores sobre o Inferno - Os Casos de Teresa Battaglia», baseado num dos livros da escritora Ilaria Tuti. Teresa é uma comissária simultâneamente arisca, rude  e avessa a lamechices e, numa aparente contradição, zelosa dos seus subordinados e afável para com crianças e adolescentes. O enredo desta temporada gira em torno das consequências de maus tratos infligidos a estes e por estes suportados, Ao contrário doutras séries italianas, as cenas surgem justapostas, como quadros separados, e as interpretações sem espessura e profundidade psicológicas. Apesar da tragédia que perpassa no argumento, este é amenizado com momentos de humor ou de ironia entre os "polícias" da investigação criminal. Mas já não tive paciência para visionar a 2ª temporada, «A Ninfa Adormecida»,.

A propósito de escritores  ....Ao bochechos, sem grande entusiasmo, estou lendo de Baptista-Bastos  "O cavalo a tinta da china", num enredo que ainda não consegui distrinçar. Há dois homens pai e filhp, o primeiro, Francisco José, revisor em "A Voz" , jornal católico, conservador e antiliberal, favorável à Ditadura Militar e ao salazarismo nascente. Nas horas vagas escreve livros policiais e tenta redigir uma obra sobre Salazar, cujo filho, Manuel, procurará dar corpo e concluir a partir dos papéis deixados pelo pai. Há duas mulheres, ambas com o nome de Clara, uma delas a madraste e outra a esposa de Manuel, E personagens reais que ajudam a ilustrar os tempos de ascensão de Salazar e da implantação do fascismo: o Cardeal Cerejeira, Horácio de Assis Gomes (secretário particular de Salazar, Ezequiel Campos, Quirino de Jesus, o general Carmona, Paul Claudel, Charles Maurras, Reinaldo Ferreira ... Os quatro personagens centrais, os dois homens e as duas mulheres, surgem-me num emaranhado em que tenho dificuldade em perceber quando Baptista-Bastos se refere a cada um deles.


Antes desta obra de Baptista-Bastos lera um dos livros dos CTT - Filatelia, recebido há dias, comemorativo do 200º aniversário do nascimento de Camilo Castelo Branco, uma  viagem pelos lugares por onde jornadeou em vida, cenários dos seus romances. Nunca fui grande apreciador de Camilo, mas sim de Eça de Queirós  (de que li toda a obra) e da ironia deste, para além dos retraatos sociais, que também, noutro estilo, (pre)enchem a obra do escritor de S. Miguel de Seide. Camilo, um operário das letras, teve uma vida atormentada e desgastantes problemas familiares, agravados pela cegueira no fim da vida a que pôs termo. Pelo contrário Eça era um diletante, nao dependia da escrita e a sua vida foi mais escorreita. Um mergulhava, febril, no magma da vida, o outro observava de longe, com um certo desprendimento.

domingo, 19 de outubro de 2025

A música e o PCP, como bombo da festa

 


 *  Victor Nogueira

De novo e sem novidade, o PCP é o bombo da festa, onde com malícia ou ignorância atrevida plumitivos encartados, desde Pereira a Oliveira, até outros mais terra-a-terra malham. É nas zonas socialmente "deprimidas" que as "esquerdas"  em geral, e o PCP em particular perdem votos para a agremiação de Venturra. Dizem os maliciosos ou intelectualmente menos afortunados que é o castigo por causa do apoio a Putin   à invasão da Ucrânia. É pelo sectarismo ao não ter aceite a generosa oferta de A. Leitão para esta poder correr com o Moedas em Lisboa. É porque está esclerosado e não se adapta aos novos tempos. Uns, choram lagrimas de crocodilo. Outros, babam-se em rios transbordando de lágrimas de alegria.

Para além do ódio e do divisionismo, para além de dizer tudo e o seu contrário, para além de bramar contra a corrupção, e a criminalidade cegos às traves no seu olhar, que medidas propõe o partido de Venturra para melhorar as condições de vida e de trabalho dos cada vez mais deserdados da fortuna? Há no PS quem se tenha adaptado aos ares do tempo, como demonstram folgados sucessos eleitorais como os do Leão de Loures a que se seguirão outros na mesma peugada, normalizados por Carneiro e sua companha?

Mas há uma pergunta que , ardilosamente, não fazem! Que políticas produzem cada vez mais "deserdados da fortuna" que desaguam no Chega de Venturra, contra os ideias de Abril? É o PCP  responsável por tais políticas? Ou tal resulta das opções de classe, da opção por quem mais tem, pode e ordena, de que PS, PSD, CDS, IL e Chega são fiéis executores, com mais ou menos arruaça, com mais ou menos mel, useiros e vezeiro em artimanhas?

Mas o bombo da festa é uma vez mais o PCP, onde em compita os músicos e músicas malham, até dizerem .... Chega! Talvez porque o PCP ainda mexe,   porque está por detrás de não poucas manifestações pela Paz e pelos direitos da Humanidade, mantendo-se fiel e defensor do ideias de Abril atraiçoados em Novembro?  Ideiais baseados na Liberdade, ma Paz entre oss povos, na Igualfade e na Solidariedade, consubstanciados em melhores condições de vida e de trabalho. Mas disso não falam ao maioria dos plumitivos encsrtados e os órgãos de “comunicassão súcial”, escrita e televisionada.

Como diz certas músicas com outras palavras; ode a Liberdade rima com Igualdade, nas vozs de José Afonso e Sérgio Godinho;


Grândola, vila morena, por José Afonso


Liberdade, porSérgio Godinho

 

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

UBERIZE-SE, NO CAMINHO PARA O JARDIM DAS DELÍCIAS (2016)

 * Victor Noguueira

Em todas as profissões podemos encontrar bons ou maus profissionais. Não ando muito de taxi, mas os dedos duma das mãos devem chegar para contar a minoria de taxistas maus profissionais e sem brio. O que me causa perplexidade é apresentar todos os taxistas como merecedores de opróbio. 

Ele há em todas as profissões - mais numas  que noutras - quem mereça justificado reparo. Mas não é por isso que dizemos que todos os médicos, ou alfaiates, ou empregados de balcão ou de caixa, todos os talhantes, são para "abater". 

Toda esta campanha pelas "delícias" da Uber - tão "amiga" do cliente - faz-me lembrar as campanhas pelas privatizações, pelas "excelências" da gestão privada, pelo "paraíso" que resultaria da "concorrência" no mercado. Seriam os preços mais baixos dos bens e serviços. Seria o "pluralismo" resultante da "liberdade" de informação. Seriam serviços mais eficientes, para melhor satisfação do cliente/utente. 

Vê-se que eram tudo balelas. Porque o mercado funciona em regime de monopólo/oligopólio, com preços concertados. E o que conta para a gestão é o lucro para os grandes accionistas e não a verdadeira satisfação das necessidades sociais. Como demonstra a "eficiente" banca - a jóia da coroa à cabeça - salva pelos impostos e sacrifícios e "austeridade" para a maioria. Quem tiver pouco dinheiro, que pague a factura de quem o tem em demasia.

17 de outubro de 2016

domingo, 12 de outubro de 2025

PALAVRAS DE ONTEM PARA TODOS OS DIAS

 * Victor Nogueira

 

                        Ser amigo é colorido presente
                        Ao darmos nossa mão, sem maldade,
                        Mantendo a vera luminosidade
                        Do silêncio ou do verbo assente.

                        Na tarde calma, serena, luzente,
                        Ou de noite, dia sem claridade,
                        É uma dádiva, felicidade,
                        Esta da vigília ser não dormente.

                        Amigos têm vária feição:
                        Dão-nos sua tristeza ou alegria,
                        Compartilhando bons e maus momentos.

                        Velho, novo, mulher, homem, bem são;
                        Na estrada e no dia-a-dia
                        Nem sempre atentos, prontos, nos tormentos.
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1989.09.03 (3)
[1989.12.22]
Setúbal

                               Ser amigo ou amante

                                                         Terra construída
                                                                            feita                   de
                                                          portas que se não fecham
                                                          janelas que se abrem
                                                                          rasgadas ao sol
                                                                          á   chuva
                                                          ou nas noites do lobisomem
                                                                       plenilúnio da sereia
                                                                       a sombra refrescante
                                                                       brisa     no campo sem       fronteiras

                                Presente
                               a presença
                                                          atenta
                                                         necessária
                                                         livre
                               resguardada
                               sem muros nem barreiras


Abril de 1995

Rien que la verité



Eu sou eu
tu és tu
ele é ele
ela é ela
tudo o resto é ilusão e/ou
ingénua boa vontade




Victor Manuel



Que é a verdade?




1971.JAN.26
Évora




Neste jogo de palavras
e de gestos comedidos
Aqui
neste canto da cidade
preso à roda do leme
em sonhos
que sonho em ti
busco o passado que não fui
no futuro que não serei


suspenso do teu andar


Arde-me o sangue nas veias
neste fogo vento suão
murmúrio do teu sorriso
verde brisa na planura
fresca do teu olhar



Setúbal 1985.07.23


No beiral da minha porta
Veloz mal vieste a poisar
E debicando na horta
Tu partiste sem cuidar.

 1992.03
SETUBAL

CANÇAO DE RODA


Uma semente
Dentro da semente
Uma seara
Para lá da seara
Uma barca


Uma rapariga
Para lá da rapariga
Uma floresta
Em torno da floresta
O sol e o mar


Um homem
Dentro do homem
Uma criança
Para lá da criança
uma aguia


Uma leoa
Dentro da leoa
Uma águia
Para lá da águia
Uma sereia ao luar de Agosto


Uma semente
Para lá da semente
Uma rapariga
Em torno da rapariga
O sol e o mar


Um homem
Dentro do homem
Uma leoa
Para lá da leoa
Uma barca aparelhada


19.11·94
SETUBAL


CALENDÁRIO



Uma cidade
No meio da cidade
Uma rua
No cimo da rua
Uma casa
Dentro da casa
Uma flor
Em torno da flor
Um jardim
Perfeito um amor
girassol
malmequer
muito
pouco
nada
Uma pétala
No meio da pétala
Um sorriso
Em torno do sorriso
Uma lágrima
Dentro da lágrima
Uma saudade
água e
cloreto de sódio
Uma palavra
No meio da palavra
Uma luz
Para lá da luz
Uma sombra
No meio da sombra
Um deserto
Uma cisterna de pedra e
areia
Muitas palavras
No meio das palavras
Uma alvorada alvoreada na planície

Para lá da planície uma árvore
Em torno da árvore
Uma rosa verde papoila.

1989.Novembro.03 - Setúbal

Dizem que os livros são os nossos melhores e maiores amigos.
Mas os livros não se sentam á nossa beira,
nem tem olhos, nem sorriem
nem nos abraçam,
nem connosco passeiam pela rua, pelo campo.
Nada podemos dar aos livros
senão as letras dos nossos pensamento ou
um pouco de nós
 para que chegue aos outros.

Os livros têm os olhos que nós temos.
E os seus lábios são os nossos lábios.
Porque se os livros tivessem olhos
e lábios e mãos e dedos
seriam talvez pessoas
mas nunca livros.

Évora
1969.Março.19


SEM A VENTURA

Tu foste a esperança
em que mergulharam meus dias sequiosos
Esperança feita de pequenos nadas
Um sorriso
Uma palavra amiga
Um gesto de alegria!
Mil pássaros nasceram nos teus lábios!
Mas hoje
hoje
escuto nas tuas mãos
o silêncio dos campos destruídos
enquanto um navio sulca
lento
um deserto de flores esmaecidas!

1988.01.04
Setúbal


Sorriste e
na tua voz
os pássaros vieram de longe
pensando que era madrugada!

1992.03.10
Setúbal


Rio canto e choro
    e todos os dias respiro o ar que me rodeia
    com a limitação dos grandes sonhos
    imaginações feitas de nada
    Sustenho os gestos e as palavras
    ou deixo que elas nasçam
    rodeados de mil cautelas
    sem o desassombro da aventura e do risco plenos
    Resguardo os gestos e
    lanço as palavras ao vento
    para que um novo dia surja
    no horizonte
    mas na orla das ondas vem a ressaca
    de estar aqui
    de olhos secos
    silencioso
    como a esfinge no deserto
    Rasgo o peito e as palavras
    e nem uma gota de sangue cai
    dentro de mim
    Abro o riso e as mãos
    as aves passam de longe e
    os rios correm
    silenciosamente para o mar
    As vozes dos marinheiros passam no horizonte
    enquanto sonho e luto e te procuro
    mergulhado na multidão que está e permanece
    para além de mim
    .
    .
    FIM 1989


 

7. E João Bimbelo caminhava pelos caminhos da vida em busca de coisa nenhuma. Pensava nela por vezes com uma grande ternura e acordava no silêncio da madrugada com um desejo sufocante do ouvir o seu sorriso, ver a sua voz, sentir a carícia do seu corpo de mulher apetecida. Mas os seus dedos e os seus lábios não a encontravam e a madrugada era um poço sem fundo e o tempo cada vez mais curto. .

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Nas suas longas caminhadas João por vezes entrevia uma janela aberta, uma porta mal fechada, uma luz para além da curva da estrada. E o coração de João vestia-se com os melhores fatos e o seu andar tornava-se leve e fresco e as palavras eram um rio a cantar. Mas era tudo uma ilusão, porque a imaginação dos homens não tem limites e os gestos e as palavras ora são límpidos como cristal translúcido, ora um cristal multifacetado, ora um espelho baço de mil imagens e sons, mesmo se adornado com as cores do arco íris.

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E João procurava Aquela Cujo Nome Se Não Desvenda, volúvel como o vento, contrastante como o dia é da noite sem luar, e perante o seu silêncio e as suas fugas em redondel, ficava João sem norte como navio no mar alto em dia de tempestade, como frágil pardal de asas cortadas sem nada de águia altaneira, como cana agitada pela mais leve brisa sem a solidez do roble centenário. Estados de alma que se não perdoam a guerreiros vestidos com suas armaduras que nunca devem despir, mesmo se cansados da guerra, mesmo quando perdidos ou cavalgando no meio das quentes areias do deserto (porque os cavaleiros não andam pelos gelados desertos polares).

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E João procurava de novo pôr a máscara, erguer as muralhas, tapar as fendas e os interstícios nela abertos por onde entravam em golfadas crescentes a fragilidade, o desamparo e a tristeza que afogam o coração mesmo dos mais fortes se não mudarem de rumo em busca de portos e marés onde os dias sejam tudo menos uma noite cinzenta, fria, triste e sem esperança.

 

E DE REPENTE É COMO SE TODAS AS ESTRELAS SE APAGASSEM

 

     De repente é como se todas as estrelas se apagassem ficando o cansaço e a velha vontade, por vezes renascida, de partir para longe, de apagar tudo, como se fosse possível recomeçar tudo de novo, rasgando o que escrevera, lixo para lançar aos quatro ventos, porque não ria, nem chorava, nem tinha uma pedra no lugar do sentir pelo qual se deixara envolver.

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         Estava assim porque o tinha considerado seu igual e confiara nele e com ele procurara falar sem reservas. Parecia contudo evidente que ele jogava à  defesa e que as palavras seriam para ele fogo de artificio e manobra de diversão por detrás das quais se escondia e protegia. Assim o julgava, apesar de poder considerar-se má leitora dos factos e dos gestos, como outrora o fora de outras pessoas, nuns casos porque se ficara pelas palavras, noutros, como no presente, por ter procurado "ler” para além delas.

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    Talvez a considerassem presumida porque em determinada altura do seu  relacionamento não acreditara em tudo o que ele lhe dizia, relativamente a ela  própria e aos sentimentos que afirmava nutrir por ela: seria uma presunção diferente da que ele tinha, porque ela perante ele se descobrira, talvez cedo e desajeitadamente demais, talvez porque tivesse lido nele aquilo que desejara ler. E assim, conhecendo-lhe os sentimentos dela, seria levado a pensar que lhe bastaria dizer quem era para que ela largasse o trabalho ou interrompesse a reunião para atendê-lo ao telefone, fosse do emprego, fosse da casa onde morava.   Era simultaneamente verdade e mentira afirmar que pouco ou nada lhe  interessava saber se ele estivera, estava ou algum dia poderia vir a estar "enamorado” por ela. Era de presumir que fosse adulto, crescido, responsável; então porque não haveria de acreditar no que ele lhe dizia e deixar-se de "poesias" e de imaginações!?

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     Recordava-o por vezes com uma grande ternura mesclada de inquietação e  desassossego. Lembrava-se das primeiras vezes em que o vira, quando procurava  conhecê-lo, e de como se encantara por ele. Recordava-se das vezes em que pretendera envolvê-lo numa longa e doce caricia ou o desejara como um homem pode ser desejado por uma mulher. Como esquecer a rede em que se deixara enlear, que ele muitas vezes parecera também tecer e outras rompera? Recordava o seu jeito gaiato, sorridente e brincalhão, sem esquecer os desencontros e as vezes em que ele disparatara ou faltara sem dizer água vai, apesar da importância que ela, parvamente, dera à sua presença e companhia.

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     Ele dizia-se amante da liberdade e no entanto não poucas vezes desrespeitara a dela, deixando-a a falar sozinha, com a refeição fria ou o fim de semana “estragado". Ele dissera preocupar-se com o efeito que os seus actos e as suas palavras poderiam provocar nos outros, por recear e não querer magoá‑los, mas não poucas vezes a magoara, sem que ela soubesse verdadeiramente distinguir quando falava a sério ou na brincadeira ou se estava apenas desatento por feitio ou preocupação. Não podia esquecer-se das vezes em que ele lhe entrara pela casa dentro, enchendo o ar de poalha dourada e refrescante, libertando a sua fragilidade, como ave inquieta na brisa que ela era.

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    Recordava-se disso e de muitas coisas e palavras, que gostaria tivessem (o)corrido ou acontecido de outro modo. E lembrava-se de algumas cartas, poucas, duas ou três, que lhe escrevera, arrumadas no fundo duma qualquer gaveta, porque resolvera deixar sedimentar as palavras, que deste modo, com o decorrer do tempo, haviam perdido o sentido e a oportunidade. Pensava ser natural que os homens e as mulheres procurassem uns nos outros amizade, ternura e carinho, considerava natural que os homens e as mulheres se sentissem mutuamente atraídos por serem de sexos diferentes ou que, se fosse caso disso, pudessem ir para a cama um com o outro, dum modo saudável, sem táximetro e tabela de preços consoante o serviço.

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    Mas nem sempre acontecia o que deveria ser natural, não poucas vezes porque muitas e variadas razões levam a renegar, condicionar, proibir e "regulamentar" a sexualidade e as suas manifestações duma forma que nada tinha a ver com a expressão saudável da vida.

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      E fora como uma expressão de vida e um cântico de alegria que ela o considerara, de forma aberta. No entanto e talvez demasiado cedo partira, quando em vão por ele esperara, para logo de seguida considerar o amor um bem que suaviza, quando alguém afaga a nossa vida, o que lhe dissera inopinadamente. 

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      Há na vida um tempo e uma ocasião para tudo e para cada coisa, segundo expressava um belo poema judaico, e por isso talvez as palavras e os sentimentos dela tivessem sido expressos demasiado cedo.

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      Entendia ser natural que o desejasse como natural seria que outros homens a desejassem, mas não ele, que até era um homem que sabia "provocar" as mulheres, que a "provocara" não poucas vezes, embora dum modo que na altura lhe parecera "natural", sem maldade.

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       Contudo, o passar dos dias e os "desentendimentos” pelo que talvez fosse ou tivesse sido por ambos desejado fazia com que ela pensasse já não ser natural que ele "provocasse" e amesquinhasse (consciente e deliberadamente ou não) quem "provocara" (por ela não o entender), apenas porque teria tido com a mulher com quem vivera experiências, isto é, vivências, humilhantes ou perversas, gerando situações que ambos não haviam conseguido ultrapassar (supondo que ele desejaria ultrapassá-las), por preconceito ou falta de simplicidade ou por utilizarem gestos e códigos diferentes. Situações que não haviam logrado superar em busca da amizade, do amor, da ternura, do prazer, da paz ...

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         É um facto que fora por ele seduzida e que, ao considerá-lo seu igual, procurara sobretudo a sua amizade. Mas tendo ambos códigos e chaves de leitura diferentes, só veramente poderiam saber quem eram através da convivência, para descobrir o que estava para lá das categorias redutoras que (des)ajudavam ao entendimento das pessoas. Porque ele falava nas mulheres dum modo simplista, cómodo, mas irreal (são todas iguais, logo são todas tratadas da mesma maneira); outros falariam nos homens (são todos iguais, andam todos ao mesmo, logo devem ser todos tratados da mesma maneira).

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    E no entanto, por temperamento, vivência e "leitura", ela sabia que há  homens e mulheres, com características comuns, é certo, mas que para além disso cada pessoa tem as suas características próprias, especificas, da sua cultura e  classe social; para lá das "cómodas” categorias e definições redutoras ela procurava o que existe de próprio, de pessoal, fosse no Zacarias ou na Carlota, fosse na Maria ou no Manel, independentemente de se não empenhar em "convencer”  as pessoas, o que por vezes em nada facilitava a sua relação com outrem.

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     Falava com as gentes, é certo, mas não como apóstolo; buscava aquelas com as quais se identificava, afastava-se das que nada tinham em comum com ela naquilo que reputava essencial, aceitava e tolerava as outras.

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      Sendo assim, é natural que tenha pensado e lhe tenha dito "gosto deste  homem, gosto dos filhos dele, postaria de com ele viver e compartilhar o dia-a-dia". É natural que ele lhe respondesse ter outros objectivos prioritários na vida e que ela estava à margem deles, apesar dela o considerar seu igual e procurar respeitar a sua liberdade. Admitia contudo que algumas vezes os seus gestos e atitudes para com ele pudessem parecer desmenti-la, apesar de serem também condicionados pelos gestos e atitudes dele. Admitia pois que ele quisesse provar que sozinho poderia triunfar, sem a solidariedade dos outros, e que ela o desejava "controlar", a ele que estava farto de prisões, pressões e bofetões; por isso talvez tivesse sido erradamente levado a pensar para consigo mesmo que o paleio é sempre igual e que no princípio são tudo rosas e arco-íris, para lá dos quais surgem os espinhos e as tempestades e os ventos ciclónicos.

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    Tudo bem, continuaria ela a pensar, ninguém a mandara ser apressada, sem  dar tempo ao tempo, embora depois os erros se possam a vir a pagar raro, face à brevidade da vida e à impaciência dos mortais. É natural que os sonhos" não sejam os mesmos para todos, é "natural" que para algumas pessoas fique a nostalgia dos sonhos que se sonharam mas não viveram ou falharam. Afinal os sonhos nem sempre são pesadelos e por isso podem também  ser a expressão dos anseios com vista à concretização, talvez por vezes dum modo errado e desajustado, dos desejos de uma vida diferente, melhor, mais cheia e saborosa.

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    Como a que ela pensara encontrar nele e retribuir-lhe!

 

Setúbal 1990.03.19/20          

 

(Victor Nogueira, sobre uma epístola de S. Sebastião aos gentios, em 4 de Outubro de 1989, a D.)

 

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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Pingos do Mindelo - visões dos trabalhos agrícolas

 * Victor Nogueira

Nas campos que daqui avisto para lá da janela, num ápice o milheiral desapareeu, com a colheita e debulha mecânicas. Resolvi pois "instruir" o chatGPT para gerar imagens da colheita do milho, em várias épocas e diversos estilos. Eis o resultado:


Naïf


Magritte


Courbet


Livro de horas (iluminura)


José Malhoa, gótico


Vitral gótico


(Genérica)


Edward Hopper


José Malhoa