Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

segunda-feira, 9 de julho de 2012

em évoraburgomedieval - alguns professores precedidos dum preâmbulo por Victor Nogueira


 a Domingo, 8 de Julho de 2012 às 20:55 ·



* Victor Nogueira

Preâmbulo - Os professores do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (Universidade Técnica de Lisboa)

Apenas cinco dos vinte e tal alunos da alínea g) do 7º ano [3º ciclo] no Liceu Nacional Salvador Correia em Luanda o fizeram duma assentada e rumaram uns para o ISCEF, em Lisboa, outros para a Faculdade de Economia da Universidade do Porto. A Matemática os "melhores" haviam sido a Teresa Melo e eu, ambos com 12 valores.  Eu entendia que sabia para mais mas em Matemática os resultados dependiam de estar ou não descontraído. Admitido à oral com 9 valores, saí de lá com 12 e quando disse à professora do 6º e 7º anos e examinadora que eu  sabia para 14, ela limitou-se a retorquir que eu era um "lírico". Com efeito e como era hábito naquele tempo, ela limitara-se a fazer a média  aritmética entre as notas da escrita e da oral, apesar de ser evidente para mim que não seria entre a escrita e a oral que eu iria "aprender" Matemática para me conseguir "safar". Isso poderia acontecer em História  ou Geografia e talvez em Filosofia, mas nunca em Matemática.

Em Económicas Matemáticas Gerais era dada por 2 assistentes, o Albuquerque e o Jesus. O 1º era estimado pelos estudantes. Calhou-me na rifa o 2º. Na 1ª aula teórica, as boas vindas aos novos alunos - que se consideravam uns "heróis" - os repetentes já as conheciam: "aquilo que vocês aprenderam no Liceu nada tem a ver com a Matemática, esqueçam-no, agora é que  vão aprender". E nunca efectivamente havíamos ouvido falar em Álgebra Booleana e na Teoria dos Conjuntos. O quadro era constituído por 3  ou 4 placas de ardósia e ele começa a desbobinar escrevendo de costas voltadas para os estudantes, sempre sem parar, sempre a escrever, com muitos "como é evidente" e nós sem vermos as evidências. Desesperados, começámos a copiar do quadro para os cadernos (as Folhas eram editadas com atraso pela Associação dos Estudantes) e ele escrevendo, escrevendo, escrevendo, com muitas "evidências" pelo meio. Ainda íamos a meio de copiar mecanicamente o 1º quadro e já ele terminara o 3º ou 4º  e apagava o 1º. Nas aulas práticas as turmas eram menores, cerca de 30 ou 40 alunos. Logo na 1ª as boas vindas do assistente: "Daqui a 15 dias a última fila já desistiu, daqui a um mês desiste a 2ª, lá pelo Natal só deve haver metade do curso". E assim sucessivamente até à estocada final "Ao fim do ano só devem chegar 2 ou 3, se chegarem". Eu cheguei ao Natal, e na 1ª frequência fui varrido com 2 valores, mas com a coroa de glória duma vez ter dito ao assistente que determinado exercício podia ser resolvido de maneira diferente da dele". "Ah! sim? Então mostre lá" "Ah! sim, tem razão" 

Direito Civil era dado pelo Dias Marques também professor da Faculdade de Direito de Lisboa (A sebenta de Económicas era igual à de Direito, salvo o frontispício - Uma dizia Universidade Clássica de Lisboa, Faculdade de Direito, a outra Universidade Técnica de Lisboa - Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. A mesma sebenta que a Associação dos Estudantes do ISESE comprava à AE de Direito para vender aos associados alunos de Direito Civil). Aqui as turmas também eram imensas e a tourada era serem os alunos varridos" com notas baixas por "não usarem linguagem jurídica como é vossa obrigação", argumentava o professor aos protestos de quem lhe dizia que éramos estudantes de economia e não de direito. Também fui varrido na 1ª frequência, creio que com 5 valores.

Economia I tinha aulas teóricas e práticas e nas teóricas calhou-me o Oehen Gonçalves, assistente, cujas prelecções não se conseguiam seguir pois deixava os assuntos a meio e continuava com outro e assim sucessivamente. O livro base eram as "Lições de Economia", do Pereira de Moura.

As outras 2 cadeiras do 1º ano eram Geografia Económica Portuguesa, com o Simões Lopes, que veio a ser meu professor de Estrutura da Economia Portuguesa no ISESE [e depois Reitor duma das Universidades de Lisboa, já depois do 25 de Abril], e Propedêutica Comercial I (que pretendia dar aos alunos os conhecimentos básicos não constantes do currículo liceal, designadamente Estatística e Contabilidade). Outra lacuna - Demografia - era suprida na referida cadeira de Geografia Económica Portuguesa. No 1º 1º ano a minha monografia foi sobre o concelho de Alenquer e no 2º 1º sobre Arruda dos Vinhos.

No ano lectivo seguinte, em vez de me agarrar aos livros, deixei-me absorver pela Associação dos Estudantes e outros organismos estudantis e foi o descalabro total, acrescido das justas censuras dos meus pais, em Luanda.

Com efeito, em 1967/68, [tinha eu 21 anos] idealizei a linha gráfica e o conteúdo dos cartazes da Semana de Recepção aos Novos Alunos  [que nada tinham a ver com a alarvice de Coimbra até aos anos '60 e que regressou agora  nos Politécnicos e nalgumas Universidades da  privada] (1)  duma forma inovadora  e bem aceite o que me valeu que a Direcção da Associação me propusesse para Director da Secção de Propaganda. Foi um erro meu ter aceite pois não só representava a AE nas RIP's (Reuniões inter-secções de propaganda) da Academia de Lisboa como por inerência era membro da Comissão Local de Apoio ao IV Seminário de Estudos Associativos (promovido pelas Associações de Estudantes)  e da Comissão Local de Apoio às Vítimas das Cheias de 1968 (na Região da Grande Lisboa). Estas cheias haviam causado muitos mortos e  prejuízos nas populações dos bairros clandestinos (muitos construídos em leito de cursos de água), calamidade agravada pelo facto do Governo fascista ter proibido o lançamento dum alerta pelos meios de comunicação social, como pretendiam  fazer os Serviços Meteorológicos.  Apesar do silêncio imposto pela Censura aos órgãos de comunicação social, as Associações de Estudantes das Academias de Lisboa denunciaram a situação através de comunicados mobilizando os estudantes para nos dias subsequentes darem apoio e auxílio às vítimas das cheias, o que se verificou apesar da repressão da PIDE.

(1) - Aliás em Lisboa os estudantes universitários não se distinguiam pelas vestimentas do resto da  população, ao contrário do que sucedia em Coimbra e também n Porto,  com os fatos e a capa preta, nem havia tradição  de "Queima das Fitas" e das praxes marialvas e alarves que até aos anos 60 eram apanágio de Coimbra mas também do Porto.- No ISESE havia alguns poucos alunos que usavam por vezes capa, designadamente os alentejanos, não havia Recepção aos Novos alunos e depois da crise entre a Direcção da AE (apoiada pela maiorias dos colegas) e a Comissão de Festas dos Finalistas em 1970/71, por causa do conteúdo das mesmas,  deixou de haver Festas de Finalistas  no ISESE. Gorou-se também a intenção de alguns estudantes para que à semelhança do Reino Unido os estudantes do ISESE tivessem fatiota e gravata especiais. A única praxe que se manteve, mas não generalizada foi a de estudantes, apanharem monumental bebedeira no 1º de Dezembro, comemorativo da Restauração da Independência face a Espanha, em 1640.

Alguns dos professores do Instituto Superior  Económico e Social de Évora


No ISESE e para Sociologia havia uma cadeira de Matemática da qual fui dispensado por ser equivalente à Matemática do 3º ciclo liceal, e para ambos os Cursos de Economia e de Sociologia as Cadeiras de Contabilidade I e II, correspondentes à Contabilidade Geral que apenas os alunos provenientes dos cursos comerciais haviam frequentado. Também fui dispensado dos Cursos de Inglês e de Francês, essenciais pois naquele tempo muita da bibliografia era em francês, inglês, castelhano ou italiano, sem traduções em português. No ISCEF  eu havia frequentado o curso livre do Gabinete de Italiano mas nunca consegui encontrar o professor para me inscrever no curso livre do Gabinete de Alemão. Do meu currículo liceal constavam 5 anos de Francês (1º e 2º ciclos) e 5 anos de Inglês (2º e 3º ciclos), para além dum curso intensivo de Inglês numa escola particular (Centro Audio-Visual de Línguas) que por minha iniciativa frequentara em Lisboa enquanto aluno do ISCEF.


O professor de Economia I, inseguro como sempre

No estrado, o professor, inseguro como sempre, tenta explicar as "funções de custo a longo prazo" para uma assembleia algo desinteressada; dá a nítida sensação de não ter decorado bem a lição. [Porque o puseram como professsor?]  No princípio tinha pena dele, desculpava-lo supondo ser aquilo falta de à-vontade. E é! Mas não só! Tornou-se-me profundamente antipático, pois tenta disfarçar a sua insegurança e/ ou a sua ignorância atrás duma atitude cinicamente zombeteira, sarcástica, duma ironia pretensamente superior, tudo isto à custa dos alunos. E tenho de aturá-lo ainda cinco vezes por semana, até ao fim de Maio! (NSM - 1969.04.09) (A nota final foram 14 valores). 


 O Pe. Vaz sj, vulgo "Ginjas"

Tive hoje exame de Geografia Económica com ... quinze valores. (...) Comecei a rever a Géographie Économique do Froment mas 560 páginas pareceram-me excessivas pelo que resolvi passar para as 200 intragáveis do Pierre George, que achei indigestas, e vai daí resolvi contentar-me com as resumidas e chatíssimas oitenta páginas do "book" do 6º ano [liceal].

Cada vez mais perdido na imensidão da matéria resolvi mandar tudo passear, incluindo a minha pessoa e à noite fui ver o Zip-Zip, um programa do Raúl Solnado na TV. Bem, hoje de manhã, contrariado, lá vesti o fato das cerimónias, pus a coleira ao pescoço [isto é, agarrei em mim apesar da contrariedade], ouvi um disquito e ala para o Instituto que se faz tarde.

Comecei a estudar a técnica do professor, a ver que me safaria nuns assuntos e me enterraria valentemente noutros. Bem, "Allea jacta est" como dizia o Júlio César, e lá fui para a carteira da verdade (que ás vezes o não é!!). Cumprimentei o ilustre Ginjas (de seu nome José Vaz sj, mas muito apreciador de vinhos e de ginja) mais o ilustre Director [do ISESE - Pe. Lúcio Craveiro sj] e aguardei. Diz o Ginjas, enquanto eu ia pensando: "Bem, então pode falar sobre aspectos demográficos (óptimo óptimo), metais não ferrosos ('tá quieto, pá) ou a pesca. Vai daí, como quem não quer a coisa, eu escolho o primeiro assunto, que me agrada francamente, e desato a falar, levanto-me, vou ao quadro fazer uns gráficos, sento-me de novo e ainda ia a meio do sermão e ele manda-me parar, que estava satisfeito, que se via que eu estudara o assunto com profundidade e diz-me para escolher um tema e desenvolvê-lo.

Que vamos nós escolher? "Pode ser a cultura cerealífera - quase toda a malta falou nisto, tenho de escolher outro assunto, talvez a pecuária - bolas, também já está muito batido ... ou os transportes. O tipo saltou na cadeira, o seu sorriso feliz aumentou e eu vi que marcara um tento a meu favor. Desta vez foi ele a escolher (os transportes) e eu a desbobinar de novo. Lá me calei. Todo sorridente deu o meu exame por terminado. ... E eu que estive para não pôr lá os pés !!! (1) (NSF - 1969.10.07)  

Na aula de História das Teorias Políticas e Sociais preleccionada pelo ilustre Pe. Vaz [sj], um poço de erudição e sabedoria, que não consegue transmitir aos seus alunos. (NID - 1970.11.03)

1 - Este professor leccionava e examinava do mesmo modo outras disciplinas como História da Sociologia e História das Teorias Políticas. Era uma boa pessoa, mas era difícil seguir as suas prelecções, pois deixava as frases a meio e mudava de assunto como quem bebe um copo de água. De repente parava, sorria timidamente para o curso e começava a falar doutro assunto sem completar o anterior.

Os exames eram uma lotaria. A um colega nosso, duro de ouvido, em Teorias Políticas propôs-lhe três temas para desenvolver um oralmente, ao que o examinando retorquiu: Ah! pois, escolho a Revolução Francesa. Retorquia o Ginjas: Não, não foi esse tema que propus. E repetia a proposta inicial. Respondia o aluno: Pois, é esse mesmo que escolho: a Revolução Francesa! E a história repetiu-se até que o professor concordou com o aluno, que falou com brilhantismo e teve uma nota elevada. No fim perguntámos-lhe: Então não ouviste o que ele te perguntava? Retorquiu: Lá ouvir, ouvi, mas não me convinha pois o que  sabia com profundidade era a Revolução Francesa! E pronto, lá se safou à conta da surdez!

A mim, também num exame de Teorias Políticas, deu-me um filósofo à escolha e respondi-lhe com o Marx. Em 5 minutos disse-lhe o que me parecia essencial e calei-me. E o Ginjas, impenetrável, nem uma nem duas. Como faltavam dez minutos e o silêncio se tornava incomodativo, recomecei a lenga-lenga, incomodado porque me estava a repetir. Calei-me e o Ginjas continuou calado, impenetrável, como normalmente acontecia nos seus exames. Eu olhava para o Ginjas, o Ginjas olhava para mim, de negro vestido. Eu olhava para o Ginjas, e este, moita-carrasco. Num repente, disse-lhe: Vou-me embora, volto em Outubro. Com licença e bom dia! Tentou reter-me mas eu já tinha desarvorado. Na 2ª época lá estava caído e passei com onze, embora soubesse para muito mais. Contingências de determinados métodos de examinação.

 O Mesquita, ilustre  deputado à Assembleia Nacional e Senhor Todo-Poderoso

Quatro paredes, uma manhã gélida, um aquecedor praticamente inútil. Lá ao fundo, o Mesquita vai falando sem nada dizer, ou não fosse mui digno deputado à Assembleia Nacional. À medida que vai falando repega as últimas palavras pronunciadas. (...) Faltam uns dois minutos para o toque, o abençoado toque de saída. Dez minutos de tréguas antes de aturar mais cinquenta com o professor de Doutrinas Sociais, essa metralhadora ou carro de assalto. Quando começa a falar martela-nos impiedosamente os ouvidos. (NID - 1971.01.04)

A malta no café hoje está indignada porque o Mesquita reprovou o Alpendre em Direito Corporativo. O Alpendre perdeu assim o ano e vai para a tropa [com guia de marcha para a guerra colonial]. Mas eu já estou calejado demais para trovejar como o Camilo ou ficar comovido como o Carlos. O Mesquita (1) é um incompetente, não prepara as lições e mete água. Mas é o Mestre, Senhor todo poderoso enquanto os estudantes continuarem a falar pelos cafés, cada qual metido no seu individualismo, no seu morno egoísmo, na sua indiferença quotidiana! (MCG - 1972.10.18)

Perguntou-me um dia destes uma colega minha se não me recordava duma cena numa das aulas dele, em que um dos alunos lhe disse que o melhor era distribuir a matéria pelos estudantes e cada um destes daria a aula por ele, o que o teria enchido de contentamento pois ficaria liberto do frete de preparar - mal - as lições. Mas esta ideia não deve ter tido seguimento por falta de adesão do maralhal.

Alô! Daqui Évora, aqui numa aula do Mesquita, que fala sobre Legislação do Trabalho. Os vidros estão cheios de água condensada. Lá fora está sol, mas um sol que não aquece o vento gélido. (...) Ainda só são 9h 30m. Quase tudo chateado, minha gente. É a mesma fita todas as semanas. (...)

Ainda só são 9h 34m (suspiro fundo!) Estou a escrever lentamente por dois motivos, o principal dos quais é o facto desta nova carga da esferográfica ser extra-fina, e portanto pouco deslizante pelo papel. A outra é a conveniência de olhar para o professor de quando em quando com ar interessado e reflexivo, para mostrar o meu enorme interesse pelo seu desinteressante discurso. Daqui a pouco tenho de fazer uma intervençãozita.

Aquilo é que é falar bem, como o sr. Padre do púlpito. Ora ouçam: "mens legislatoris" (em vez do corriqueiro "espírito do legislador") Enfim ...

Já são 9h 46m. Daqui a quatro minutos, se o contínuo não estiver a dormir, será o toque de saída. Mas esperem, como o meu cebola se atrasa ... Olhem, ainda se atrasa mais do que supunha. Acabou de tocar. Ciao. (MCG - 1973.01.23)

Na aula [de Direito do Trabalho] apenas 12 alunos, i.e, metade do curso. Como sempre, os subservientes [1 rapaz e 4 raparigas] ali na 1ª fila, bem á vista dos professores, registam para a posteridade as suas palavras. Quanto ao resto? O Emídio Guerreiro (2) põe os apontamentos em ordem. O Ferro boceja. O Paulo lê a Constituição. O Camilo, o Queiroga e o Mello Breyner devem estar muito longe daqui, embora aparentemente estejam atentos. Falto eu. Mas está-se mesmo a ver que ocupo o tempo mais proveitosamente [pondo a correspondência em dia] (Não consiga eu uma sebenta ou um programa detalhado da matéria e logo verei onde irei parar!) (MCG - 1973.03.20)(Direito Corporativo - 15 valores  -  Legislação do Trabalho - 11 valores - aqui já eu e professor havíamos entrado em rota de colisão)

(1 ) - Este Mesquita era deputado à Assembleia Nacional e ignorante relativamente a matérias que , tendo a sua brilhante carreira política sido interrompida com o 25 de Abril. Dava aulas de "Direito Corporativo" e de "Legislação do Trabalho" e fazia parte do lote de professores afectos à situação política de então que davam aulas no ISESE, como o Cabral (delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência - "Legislação Internacional do Trabalho" e "Relações e Organismos Internacionais"), o Silva Leal (do Ministério das Corporações e um tipo fixe -  "Previdência Social") ou o Mira da Silva, latifundiário (Direito Civil e Obrigações). 

Do outro lado, especialmente depois do 2º ano, havia o Armando Nogueira (Economia II e Sociologia do Desenvolvimento e que dava economia marxista chamando delta à mais valia!), a Manuela Silva (ligada ao Graal e à SEDES,  Planeamento Social) ou um padre basco jesuíta que começava as aulas de Sociologia Urbana dizendo: Não sou marxista mas vou fazer uma exposição objectiva do que o marxismo diz acerca desta matéria, táctica que também usava no País Basco para despistar os ouvidos dos esbirros do generalíssimo Franco.

Nos dois primeiros anos dos cursos o ensino era essencialmente magistral e havia professores conservadores. Nos três últimos anos já havia outros professores, alguns dos quais davam aulas numa perspectiva progressista e nestas os alunos participavam com interesse. Noutras a assistência era um frete, especialmente naquelas que eram dadas por professores comprometidos com o regime.

Esta ideia de equilíbrio foi-nos transmitida uma vez pelo Director do ISESE, Pe. Lúcio Craveiro da Silva, sj, quando perante o placard da Associação de Estudantes cheio de artigos e propaganda contra ou crítica do regime, nos dizia: Acho muito bem que vocês afixem estes papéis, mas deveriam também afixar os da outra parte, por uma questão de equilíbrio, ao que lhe retorqui que a outra parte já tinha placards e jornais que chegassem para transmitir as suas perspectivas e nós só temos este placard  e ele não insistiu. Aliás dizia-nos que as Associações de Estudantes eram boas escolas de formação de quadros.

Também havia os professores tecnocratas, como o Sertório Barahona (Direito Comercial), o Prates Canelas (Direcção de Empresas Agrícolas), o Abílio Fernandes (Análise de Balanços e Contabilidade Industrial), para além de outros como os de Contabilidade Geral, Informática, Psicologia do Trabalho ou Direcção de Pessoal, cujos nomes não recordo.

2 - Este chegou a Presidente da Câmara de Estremoz e creio que está agora na de Évora como vereador, cujo Presidente, o Abílio Fernandes, foi meu professor de Análise de Balanços no Instituto. Este é indiano e como resultado das primeiras eleições post 25 de Abril ficou presidente da Câmara de Évora, mas as funcionárias do Município é que não queriam estar pelos ajustes e iniciaram um movimento para tentar correr com ele, que aliás ainda continua sucessivamente reeleito: "Um presidente preto, era o que nos faltava!" Na altura ainda não se tinham apercebido que os tempos já eram outros! (1998)

 Um exame ... exemplar

(...) De tarde requisitei a sala de jantar [na casa da D. Vitória], mais fresca, e lá fiz o estendal de livros e códigos e leis e decretos leis, para tentar fazer um esquema da matéria para ver se amanhã me conseguia safar [no exame de Direito do Trabalho] (MCG - 1973.06.28 B).

Entretanto crescia em mim o nervoso miudinho, daquele que faz picadas no estômago e amarga a boca; o amigo Diogo  entretanto regressou e como não estava para estudar mais matemática resolveu ligar a televisão e fez-se desentendido mesmo às mais directas. Enfim, agarrei na trouxa e fui para o Arcada (aquilo, quando me for embora de Évora - ai que alívio! - até colocam lá uma lápide rezando: "Só lhe faltou trazer para cá a cama e o bacio")

Resumindo e concluindo, não fiz esquema nenhum, não estou com cabeça para fazê lo e amanhã devo fazer uma linda figura. (MCG - 1973.07.01)

O professor chegou com meia hora de atraso e quanto a desculpas a mim ou à Rita, tá quieto! Chegasse eu atrasado cinco minutos que fossem, a ver se me não "trasladavam" para Outubro. Pois é, de manhã e à tarde sublinhei as "leis" que vinham - as partes mais importantes - fiquei a saber onde estava o paleio e depois de muitos "vou", "não vou", "eh! pá, mas que vou lá eu fazer, não sei nada disto, enquanto ia sublinhando e falando com o [Emídio] Guerreiro (ás voltas com a Sociologia do Desenvolvimento), com a Rita (aguardando o professor, como eu) e a Domingas (a dar-nos conforto moral) e o Veladas (o empregado), a ver se me descosia com os meus passados amores - soube depois correspondidos - pela Zé [P.]), enfim, o tempo ia passando e entretanto a Rita saiu da sala de exame e entrei eu.

Este exame seria a minha coroa de glória se estivesse mais reflectido. Claro, que a minha memória e sabedoria não pescavam nada daquilo, de modo que ia estudando enquanto folheava a legislação, metendo água aqui, emendando ali e às tantas eu e o professor falávamos grosso um com o outro, sim, que ele sabia tanto como eu - isto é, pouco - e ele dizia-me que não e eu dizia-lhe que sim e ele dizia-me que sim e eu respondia-lhe que não "porque o artigo não sei quantos" - que eu tinha acabado de ver pela primeira vez de relance - dizia (e lia-lhe o artigo), às vezes eu via que ele tinha razão e que eu estava a meter água,  outras vezes topava que o profe não sabia nada daquilo, enfim ... um pratinho! Passei com onze. Também não posso ser mais exigente. Sim, que o amigo Ginjas, o  Pe. José Vaz sj diz que o onze é a nota dos inteligentes, mas cábulas, o que será verdade. (MCG - 1973.07.02)


 O fabuloso Simões Lopes  

Houve uma reunião do 4º ano com o professor de Estruturas da Economia Portuguesa - a seu pedido - para uma troca de impressões sobre este curso, que se iniciará no 2º semestre, portanto, após o Carnaval. Já tinha sido meu professor de Geografia Económica Portuguesa nos meus recuados tempos de universitário em Lisboa, no actualmente extinto Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeira (agora [rebaptizado como] Instituto Superior de Economia e Gestão). Continua o mesmo: uma grande verborreia e facilidade de expressão, exibicionista. E se me não lembro dele como pessoa sorridente (que não é), continua o mesmo tipo amável e de salão.  (1) (MCG - 1973.01.29)

1 - Em Económicas as aulas de Geografia Económica Portuguesa estavam sobrelotadas, como aliás sucedia em todas as teóricas, ao menos nos primeiros anos, pelo que muitos alunos e alunas assistiam às mesmas de pé. Numa das aulas do Simões Lopes, apinhada, [o salão dava para os jardins]  com alunos sentados e outros em pé, chegou uma aluna que mandava estalo e que se foi chegando para a frente. Vendo isto, cavalheiresco, o Simões pega na sua cadeira e oferece-lha para que se sentasse. Azar dele, que esta retorquiu-lhe agradecendo e acrescentando que havia colegas (rapazes, frisou) que tinham chegado primeiro e estavam em pé, devendo por isso oferecer a cadeira a um deles!

 Uma Mulher de armas

Tivemos hoje à tarde a 1ª aula de Planeamento Social, com a Manuela Silva, já minha conhecida do ano passado, quando frequentei voluntariamente as suas aulas. Sua Excelência - que tem um sorriso e olhos bonitos e cerca de 40 anos - é também uma mulher de armas. O curso quase todo apaixonou-se pela sua simpatia e frescura. Mas Sua Excelência deixou-me algo intimidado, com as suas deferências para comigo, quer durante as aulas, quer no intervalo (a aula dura 4 horas).  (1) (MCG - 1972.10.31)

1 - Esta economista fazia parte dum movimento católico laico: o Graal. Os seus exames eram com consulta livre, o que escandalizava os jesuítas eborenses. Tendo deixado o meu para a 2ª chamada, fui o único numa sala vigiada pelo secretário, Pe. Augusto da Silva, que pretendeu impedir-me a consulta dos elementos de estudo. Lá o consegui convencer que não era essa a posição da professora que vigorava nos seus exames e que para quem não soubesse a matéria, não havia consulta que lhe valesse. Pelo que voltou atrás e passei com 14 valores.

 Personalidades

O professor de testes (Psicologia do Trabalho) [José Marques, na altura trabalhando na NORMA], num gesto generoso e raro, cedeu-nos um dos testes com que trabalhamos nas aulas. Este é "caracterológico" e toda a minha gente agora faz testes no café. Já estou farto.

Descobrimos que o João Luís é sanguíneo para-colérico, o Camilo apaixonado, o Pedro fleumático para-sanguíneo. O Carlos estava todo contente - descobriu que era um sentimental - que feliz que ele estava - só visto! Eu digo que ele é sanguíneo ou fleumático, mas ele não se convence! E eu? Ora, que haveria de ser. Está-se mesmo a ver que eu sou eu. Todos os [meus] testes deram o mesmo! Mas como já disse ando farto daquela febre de testes. Felizmente hoje ninguém falou nisso. (MCG -- 1973.01.22) (classificação final - 14 valores)


Naturalmente nas minhas cartas e na minha memória ficaram registados sobretudo as anomalias "negativas" porque da "felicidade" não reza a história. Mas poderei referir o professor das cadeiras de "Legislação Internacional do Trabalho" e de "Relações e Organismos Internacionais", o tal que era delegado em Évora do Instituto do Trabalho e Previdência Social e se limitava a ler a sebenta ou os apontamentos na aula. Numa das aulas em que seria ajustado com os alunos o calendário dos exames, eu passara a noite da véspera com espertina a ler a "Pedagogia do Oprimido" de Paulo Freire. Com uma noite em branco e um speed enorme, mal o professor começou a propor as datas eu como delegado do curso retorqui-lhe que lhe não reconhecíamos competência para nos examinar pois ignorava os assuntos e se limitava a ler os apontamentos e enquanto lavrava o nosso protesto tinha pena dele. Enfim ... Mas ao contrário do deputado o homem não era rancoroso e tive 14 a Legislação Internacional do Trabalho e 15 a Relações e Organismos Internacionais. Se a memória me não falha creio que nos últimos anos e nas cadeiras problemáticas o Director do Instituto fazia parte dos júris orais.

Houve outra cena com o Pe. Augusto da Silva, salvo erro em Sociologia I. Antes de começar a responder eu lia sempre o enunciado do princípio ao fim, pelo que resolvi entrar numa de humorismo. A 1ª pergunta era "Faça uma apreciação da 1ª parte do curso"  e eu iniciei a resposta  com "Se a minha memória não falha ... "  e desenvolvi a seguir. Quando cheguei à 2ª  escrevi "Afinal a minha memória falhou e esta questão já foi respondida atrás".  Fui admitido à oral e depois do professor dar o exame por terminado e antes de zarpar diz-me ele que ainda tinha algo para me dizer qualquer coisa como: "Não lhe disse antes de terminar o exame porque senão o Victor [poderia encrespar-se e ] saía daqui desarvorado, sem completá-lo. Não apreciei a sua piada acerca das duas primeiras questões. " Enfim ...

Sobre professores do ISESE ver  

em évoraburgomedieval - Direito Natural e Doutrinas Sociais - duas aberrações 

 http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2012/07/em-evoraburgomedieval-direito-natural-e.html

    • Nandinha Monteiro Xiiiiiiiiii logo hoje que não estou com pachorra para ler??? Ó Victor desculpa lá amigo depois leio ok? deve ser interessante ,mas hoje não dá mesmo...beijinhos
      8/7 às 20:59 ·  · 1


    • Victor Nogueira oh! Nandinha Monteiro ninguém é obrigado a ler LOL 



      E numa quadra breve
      P'ra doce Nandinha
      Um beijo ao de leve,
      "boa", llivre andorinha !
      9/7 às 15:58 · Editado ·  · 2

    • Nandinha Monteiro Obrigada Victor pela quadra,ainda bem que comentei que nao podia ler,até tive direito a quadra.Beijinhos gostei.
      8/7 às 21:28 ·  · 3

    • Aristides Silva 
      Há coisas de que tu falas que eu já não me lembro. Tu fizeste o 5º ano eu só fiz o 4º ano. É engraçado que o Ginja no exame de Geografia Económica mandou-me falar sobre os Açores, como eu sabia a matéria sem estudar falei um pedaço mas como
      para mim aquilo era demasiado simples a determinada altura calei-me e ele vira-se pra mim e diz «então voç~e não sabe mais»? e eu disse-lhe sei muito mais.- Quer que eu fale mais sobre os Açores? Retorqui! E lá continuei. Deu-me 13 acho eu.
      8/7 às 22:05 ·  · 1

    • João Gonçalves Acabei de ler e gostei muito. Quanto ao padre Vaz só fiz com ele a cadeira de Geografia Económica no último ano por causa de um despertador que usámos numa aula em que estava eu o Mendes e o Nuno Pinheiro de Almeida (já falecido). Mais uma vez obrigado amigo.
      8/7 às 22:29 ·  · 2

    • Yolanda Botelho Esse professor de matemática,vou-te contar......devia ser horrível,sempre detestei essa maldita coisa que dá pelo nome de matemática..cheguei a fazer testes de uma ponta à outra todos inventados por mim....sem perceber um chavo, mas como já era um pouco criativa....inventava.Tive várias reprimendas porque a professora tentava ver se percebia e conseguia dar-me alguns valores.....enfim passei á rasquinha e tive várias negas.Bj
      8/7 às 22:35 ·  · 3

    • João Gonçalves A Yolanda nunca teve um professor para a sua dimensão do saber pois a matemática é fácil. Tudo depende da interacção aluno-professor. Felicidades.
      8/7 às 22:39 ·  · 2


    • Victor Nogueira 
      Ah! Yolanda Botelho eu gostava de matemática, o jesus é que não estava interessado em ensiná-la pois olhava para a cátedra que queria alcançar e os alunos eram meros degraus. Eu só não gostava da aritmética racional mas gostei da que o Jesu
      s ensinava, de álgebra e de trigonometria e de geometria analítica, E depois a matemática é uma sequência, ou se sabe desde o princípio ou anda-se a navegar. Não é como história ou política ou geografia económica, em que se pode saber bem uns capítulos e ignorar outros LOL
      8/7 às 22:45 · Editado ·  · 3

    • Yolanda Botelho Ok,se calhar foi por causa de uma professora da primária que nos marcava contas enormes e depois ainda tinha em casa o meu pai a corrigi-las,o meu pai é e era amoroso só que se enervava quando me via as contas percebes? e ralhava e eu não gostava de matemática,bloqueei...
      8/7 às 22:54 ·  · 2


    • Victor Nogueira a matemática está em toda a vida, até nos teus quadros, Yolanda Botelho Bjos curvilínios, sem arestas :-)
      8/7 às 22:57 ·  · 1

    • Yolanda Botelho Lol, achas?nunca me apercebi disso,bjs meu esquerdista preferido.
      8/7 às 22:58 ·  · 2


    • Victor Nogueira Oh João Gonçalves Conta-nos aqui essa do despertador LOL
      8/7 às 22:59 ·  · 1

    • João Gonçalves 
      Apenas me lembro que numa daquelas aulas que faziam dormir o padre Vaz ia falando e de repente tocou o despertador que estava dentro do bolso do blusão verde militar que o Mendes tinha. Ele e o Nuno eram militares nessa altura. estávamos se
      ntados quatro á volta daquelas mesas rectangulares. Eu, o Mendes, o Nuno, e o Casimiro e o padre assim que ouviu perguntou quem o fez e nós solidários não dissemos e os quatro fomos expulsos da sala.Já tinhamos combinado antes levar esse despertador. Por esse motivo assim que me apanhou no exame deu-me três temas á escolha daqueles que não estudavamos e pronto chumbo... Por isso a deixei para o fim. Eu pensava que sabias Victor.
      8/7 às 23:07 ·  · 3


    • Victor Nogueira Oh! pa ! João Gonçalves muitas coisas de que me lembro resultam da correspondência para os meus pais, em Luanda, para amigas minhas ou para a Celeste, com quem vim a casar. E muitas outras não constantes das cartas teria esquecido se em 1998 as não tivesse registado então.
      8/7 às 23:19 · Editado ·  · 2

    • 9/7 às 14:39 ·  · 1

    • Belaminda Silva Belas memorias amigo, obrigada pela partilha.

      Beijinhos:))
      9/7 às 23:58 ·  · 1  

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