Em tempos fui contactado pela autora para dar o meu
testemunho para um livro de memórias sobre Luanda in illo tempore, o que
declinei. Acidentalmente soube que o livro sempre veio à luz do dia, com
imprecisões, deturpações e visões
parcelares, pois tive ocasião de ler extractos que valorizam anos e olhares
“dourados” duma pretensa nostalgia que não vê a fuligem do carvão que
impregnava as praias e o pôr-do-sol.
Creio que havia várias Luandas como havia
várias Angolas. Havia racismo em Luanda como o do apartheid ? Onde em Luanda
acabava a discriminação social e começava o racismo ? E em Angola ? Havia
preconceito e, sobretudo, desconhecimento do outro. Só quando estudei
Antropologia Cultural “percebi” por exemplo que os conceitos de “família” eram
diferentes para os “brancos” e para os chamados “indígenas”. Mas o início da
Guerra Colonial terá levado não poucos
de nós a questionar a veracidade do “multirracialismo” e da “grandeza” da “Pátria”, lá muito para cima e que pouco ou nada nos
dizia. Falo nisso no meu poema Raízes:
“(…) Em Luanda nasci / Em Luanda vivi / Em Luanda estudei // Não Angola
mas Portugal / Todos os rios e afluentes / Todas as linhas férreas e apeadeiros
/ Todas as cidades e vilas / Todos os reis e algumas batalhas / as plantas e
animais / que não eram do meu país. // De Angola / pouco sabíamos / até ao 4 de
Fevereiro, / até ao 15 de Março / Veio a guerra e / a mentira / que alimenta / a
Guerra, / Veio a guerra e a violência / veio a guerra e a liberdade (…)”
Não me recordo de ver "meninas" a passearem" com tigres pela trela em Luanda. Mas se
me não revejo nas “memórias” e nas “visões” coligidas por Rita Garcia (1), também
não tenho as “visões” de Lobo Antunes, que “diaboliza”, compreensivelmente,
Luanda, e ”dulcifica” Lisboa, a Lisboa de Salazar, dos bairros de lata e
das Avenidas Novas, da miséria, da
pobreza, do trabalho infantil (dos ardinas, dos marçanos, das criadas de servir
…), da exposição da velhice desamparada
(dos cauteleiros, dos vigilantes dos WC, dos engraxadores, [dos pedintes] …) das chagas
purulentas e da[s pernas com paralisia infantil], expostas às esquinas [e nos adros das igrejas] para recolher uma
“esmolinha, por amor de Deus”, num Portugal que era um sufoco, como o senti,
triste, cinzento, mesquinho, pequenino, [de vistas curtas], em que as mulheres eram submissas e
havia uma rigorosa segregação sexual. Mas isto não veria Lobo Antunes nas suas
cartas coloniais (2).
Comentário em
UM BLOG ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
(2) Cartas da Guerra de António Lobo Antunes
“Escrevo-te num domingo insuportável de calor, numa esplanada diante da baía...Que cidade horrível. É como passar um domingo em Benfica na esplanada Estrela Brilhante, com o chão cheio de tremoços e de detritos. Uns negros aleijados, arrastam-se a pedir esmolas, outros oferecem-me cinzeiros de madeira, objectos esculpidos, jornais, farrapos e miséria. Nunca pensei vir encontrar tanta pobreza, tanta porcaria, tanto calor. Uns sujeitos sebentos, de pasta, trocam escudos por angolares, com 12% a mais. Mas é tudo caro, tórrido e feio.
...Ontem um amigo daquele outro médico afinal conhecido, levou-nos a visitar a ilha, uma espécie de promontório com praias de um e outro lado, casas, um clube de golfe. Uma espécie de Rodésia vista por um mestre-de-obras de Tomar.
...Luanda está longe de ser uma cidade vivível: toda ela é uma espécie de Areeiro de província, com o mesmo pretensioso gosto suburbano, e os brancos daqui têm todo o mesmo indefinível aspecto dos vendedores de automóveis daí, de patilhas sem classificação social, camisas transparentes, e mulheres tipo locutoras de rádio, demasiado bem vestidas para serem inteiramente honestas. Os musseques são uma espécie de bairro da Boavista ampliado, em que os moradores fossem todos jogadores do Benfica. Só a terra é que é vermelha, como a areia dos estádios, e as noites cheias de murmúrios de insectos e de folhas, mergulhadas num mormanço de suor.
O que irrita é ver as revistas angolanas, de Luanda, cheias de fotografias de bailes e de festas e de eleições de misses, enquanto nós, que nada temos com eles, que pertencemos ao puto, como eles dizem com desprezo, estamos aqui a pôr os testículos no lume por eles. Não pormenorizo muito isto porque, mas os brancos locais, sobretudo os das cidades, são de um tipo de novo-riquismo saloio e soberbo, verdadeiramente insuportável. Luanda é horrível de mau gosto, uma terra onde eu nunca quereria viver, feia pretensiosa, sem categoria de espécie alguma. Sente-se o dinheiro por todo o lado, principalmente nos automóveis americanos, porque a maneira de vestir destes tipos é absolutamente execrável. Não merecem a terra extraordinária em que vivem, e, julgo, não a sabem, sequer, apreciar. Não há em Luanda absolutamente nada que preste: as poucas estátuas que tem, ultrapassam em mau gosto tudo o que se possa suportar, os edifícios são todos no género daquele em que mora o Souto, e que para mim representa o paradigma da fealdade. É uma excrecência absurda e estúpida. E estes tipos aqui acham Luanda um paraíso, uma espécie de Rodésia em melhor. Não nos agradecem o nosso sacrifício por eles, e, no fundo, tratam-nos com uma condescendência desdenhosa de brasileiros ricos. Que diferença de Lisboa. Não se pode viver numa cidade )sem passado. Estes tipos são bem os descendentes dos degredados e está tudo dito.” (citado in http://recordacoescasamarela.blogspot.pt/2016/10/requiem-agora-novo-jornal-luanda-7-10.html)
* Victor Nogueira ´- Luuanda - Escritores Angolanos lá em casa e não só
(...) onde cabiam os livrinhos da Colecção Imbondeiro, do Lubango (então Sá da Bandeira), recebidos por assinatura, para além de poesia (...) de Alda Lara e Geraldo Bessa Victor ou da
«Antologia de Poetas Angolanos», mimeografada, publicada em Lisboa pela Casa dos Estudantes do Império, em 1962. É claro que não posso deixar de referir os livros etnográficos de Óscar Ribas e também os dum defensor da gesta imperial lusitana que era Reis Ventura, previamente publicados em folhetim, para além de Cochat Osório.
.
Lembro-me então da enorme celeuma que foi a atribuição a Luandino Vieira do Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965, que levou à sua extinção pela
«provocação» de premiar um livro de três contos intitulado
Luuanda, baseados na oralidade dos musseques e no entrosamento do português com o quimbundo. Li nessa altura o livro, do qual gostei, apesar do ineditismo da linguagem escrita a que não estava habituado, embora na altura se desencadeasse uma grande ofensiva contra a obra, logo proibida pela PIDE, afirmando-se alto e em bom som que o autor nem português sabia escrever. (...)
in Luuanda - Escritores Angolanos lá em casa e não só http://kantoximpi.blogspot.pt/2007/02/luuanda-sempre-foi-de-famlia-haver_08.html
OBRAS DE LUANDINO VIEIRA, em pdf, PARA DOWNLOAD, inhttp://kantoximpi.blogspot.pt/2007/02/luuanda-sempre-foi-de-famlia-haver_08.html
Um artigo em tempos publicado sobre os Cinemas em Angola fazem-se afirmações que mereceram o meu seguinte comentário:
Os cinemas tropicais de Angola
* Victor Nogueira
“Era uma coisa pomposa. As pessoas aperaltavam-se, iam de luvas e até de casacos de peles.” ? Não tenho qualquer ideia disto ser assim em Luanda nos anos 60/70- De peles ? De luvas ? Talvez às "estreias" no início do Cinema Restauração não se fosse em mangas de camisa, mas o ir ao cinema era um acto de convivialidade, não poucas vezes um pretexto para as pessoas se encontrarem.[Mas a generalidade ds pessoas não usavam nem casaco nem gravata e as mulheres vestiam-se com muito mais à vontade que em Portugal] De luvas ? De casacos de peles ? Lugares separados nos cinemas, brancos para um lado, pessoas de cor para outro ? Em Luanda ? Em Angola ? Huuuuuuuuummmmm]
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