Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sexta-feira, 21 de junho de 2013

sobre setúbal 01


de Victor Nogueira (Notas) - Sexta-feira, 21 de Junho de 2013 às 19:08

Está, pois um dia de sol, embora "neblinado". Eis-me de novo em setúbal, no alto da torre no cimo duma encosta, a casa vazia e o silêncio dentro de mim e à minha volta. Setúbal é uma terra tramada, para mim uma terra de solidão, Ao fim de alguns meses de nela passar a morar, vai para trinta e tal anos, desencantei-me de setúbal e dos seus moradores, individualistas, cada um por si e por ninguém !


1. - A vida quotidiana
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dispersos
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Nalgumas ruas (de Torres Vedras)  existem capelas como em Setúbal, os passos da via Sacra da Crucificação de Cristo. No Museu Municipal da vila (Óbidos) , pinturas em madeira - primitivos não tão belos como os de Évora, de Setúbal ou do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, para além duma colecção de armas da Guerra Peninsular.  Passeamos pela vila (Batalha) e paramos junto ao portal manuelino da Igreja Matriz ou da Exaltação de Santa Cruz, no Largo da Misericórdia, cujo portal é de Mestre Boitaca, o mesmo que construiu o Convento de Jesus em Setúbal. Mas, passado o Verão, o Mindelo e a Póvoa de Varzim retomam a calma e pasmaceira que os "turistas" quebram com o seu "cosmopolitismo" e juventude. Já em Vila do Conde, onde ainda se mantém o ar antigo e uma ou duas ruas manuelinas; (com mais janelas e portas do que em Setúbal), o equilíbrio e o sossego mantém-se pelo ano inteiro 
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Palmela é terra de muitos moinhos, alguns funcionando, na crista das serras do Louro e dos Barris, e das vistas deslumbrantes até aos confins do horizonte. No termo do município, confinando com o de Setúbal, na encosta duma serra, dois conventos em ruínas, o menos degradado dedicado a S. Paulo, e o mais recôndito invadido pelo matagal. Por caminhos frondosos e verdejantes passeiam sobretudo os setubalenses, que mais abaixo, na "planície", fazem os seus piqueniques, jogam à bola e convivem
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Numa caldeira, defronte a Setúbal, no meio do areal, as romanas ruínas abandonadas de Tróia. Perto, o complexo turístico da Torralta, conjunto de "arranha‑céus" plantados no areal. A água [em Lagos] é fria como a da Figueirinha [em Setúbal] e não tem ondas nem sabe a sal como a de V.Nova de Milfontes. 
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1970
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6ª feira de manhã seguirei para Lisboa. Talvez permaneça umas horas em Setúbal, para visitar o casal A.G. Ainda não decidi. (NSF 1970.07.28)

 Um novo postal para a colecção do Zecas, este de Setúbal, onde vim passar uns dias em casa do Dr. A.G.  Marquei  passagem []Luanda] para 5, 4 ou 6 AGO. (NSF 1970.07.29)
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Sairei em Setúbal, onde chegarei cerca das 11 horas. Almoçarei com o casal A.G., partindo para Lisboa, onde chegarei à noitinha. Estou a deitar os bofes pela boca; a mala só pesa 25 kg! Decididamenet, pesos e halteres  não são a minha vocação! (NSF 1970.07.31)
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 Almocei em casa do casal A.G, que foi decorada com muito bom gosto pela sra D Maria José. O Carlos é um miúdo encantador. Estou a escrever-vos num dos intervalos do cinema, onde vim ver “Fúria de Viver”, com o James Dean e a Nathalie Wood, que é parecida com a Daniel. Com as suas cores garridas, as miúdas que estão aqui no cinema são um encanto para a vista. Depois da ironia do postal anterior, o embevecimento deste (NSF 1970.07.31)
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A igreja da foto tem um aspecto vagamente hispânico, mexicano [Igreja de Santa Maria]. Dei hoje uma volta pelo centro da cidade, sem ficar a conhecê-la. Tenciono ir a Lisboa 2ª de manhã, para tratar de alguns assuntos e à noite regressarei, de comboio, ao burgo alentejano. Chega prevista lá para a meia noite, como é costume. Estou a escrever-vos de casa duma amiga minha, a mesma em casa de eu passei , em Sousel, parte das férias da Páscoa há dois anos 
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Dentro de dias – 3ª feira – inicia-se mais um ano lectivo; espero seja o penúltimo do meu desterro na cidade museu. (NSF  1970.10.24)
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A igreja da foto está na praça principal da cidade [Igreja de S. Julião]. Penso que deve ser do século XVIII. Tem uma série de azulejos referentes à vida e martírio  de S. Julião. Dei hoje uma volta mais demorada pelo centro da cidade. Algumas das suas ruas assemelham-se às de Badajoz. Ultimamente a cidade tem sofrido um grande desenvolvimento, graças à industrialização, sendo actualmente talvez a 3ª cidade do país, aquela que foi um pequeno porto de pesca. Assim, pouco há para ver, pela inexistência de passado histórico. Mas os arredores são maravilhosos. Estou a escrever-vos em casa do Dr. A.G. enquanto a TV trabalha. Enviam-vos cumprimentos e a sra D. Maria José escreverá em breve  (NSF 1970.10.25)
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[1] - A igreja de Santa Maria é a Sé, com aspecto imponente; a de S. Julião, destruida pelo terramoto de 1755, tem um aspecto desgracioso, mas  conserva dois portais manuelinos.
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É um domingo maravilhoso. Ontem estive em Setúbal. Falei com o dr. A.G. Jantei com a Noémia. Amanhã ou depois encomboio para o Porto, onde ficarei até 1 ou 2 de Janeiro. Bom Natal. (...) Gostei das últimas cartas da Mãe. (NSF 1970.12.20)
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1972
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Uma breve paragem em Setúbalx, para reabastecer a máquina e desentorpecer as pernas. (...) Escrevo enquanto espero o prego, o Compal de ananás e o iogurte de morango, aqui na esplanada dum café duma rua azafamada. O céu escureceu e à minha frente está cinzento. Daqui a pouco deve desabar um dilúvio. Gosto de Setúbal. Não sei bem porquê. É muito diferente de Évora  É mesmo o seu contrário: movimento e vida, azáfama e montes de pessoas, ruas largas e árvores. Reparo mais nas pessoas que em Évora. (MCG - 1972.12.28)
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Demos hoje uma voltas por Setúbal e  Serra da Arrábida. Os arredores da cidade são muito arborizados e algumas estradas correm junto ao mar (ou rio ?). Mas, contrariamente ao de ontem, o dia de hoje esteve enevoado e chuvoso...
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Tal como em Badajoz, existem ruas por onde só passam pessoas, cheias de lojas. Fui visitar o  Museu [Convento de Jesus] que não tive tempo de ver totalmente. Fiquei apaixonado pelos   primitivos portugueses (pinturas do século XVI), dum realismo e beleza impressionantes: as expressões, as lágrimas, as ilusões de óptica... Tenho de lá voltar. Agora é que não posso deixar de ir visitar - desta vez - o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Também apreciei muito uma escultura chinesa e, sobretudo, um S. Pedro de madeira, cor de camarão, com as veias e as rugas tão reais, tão reais, que se fossem em tamanho natural enganar me ia.
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Terminei a minha digressão turística com uma visita às Igrejas de Santa Maria e de S. Julião. (1) Depois dum lanche frugal  apanhei a camioneta para Cacilhas, depois o ferry-boat para o Cais do Sodré e o comboio para Paço de Arcos. Só me faltou andar de avião. Em Setúbal reconheci o  Zeca Afonso. Refreei o impulso de perguntar lhe "Você é que é o Zeca Afonso ?" e deixei o seguir para um café da Praça do Bocage. (MCG - 1972.12.29)
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1973
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Às 14:30 apanharei [em Évora] boleia do Pintassilgo (e da miúda) rumo a Setúbal, onde apanharei a camioneta para Cacilhas, aqui o ferry-boat para o Cais do Sodré e lá o comboio para Paço de Arcos. Em lá chegando à estação, olhos para as malfadadas escadas [escadaria], atravesso a linha, subo‑as e ala pela Rua Conde de Alcáçovas abaixo, por entre as árvores que a ladeiam até ao fundo, onde viro à esquerda dando de caras com o nº 1 da Rua de Macau [onde mora(va) a minha tia-avó Esperança]. (1973.08.03)
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Daqui da esplanada do café, olhando á minha direita, a paisagem é esta. Olha lá, e se a gente viesse viver para Setúbal? É mais sossegada que Lisboa e é uma hora de camioneta! A tarde está chuvosa, o café está cheio de gente, rapazes e raparigas, e a passarada faz uma chilreada enorme por entre as árvores. A minha Mãe trouxe‑me até aqui , onde ás 18 horas apanharei a camioneta para Évora. Conheci hoje uma senhora com 65 anos mas toda cheia de genica e desassombro, como não há muitas mulheres em Portugal. (que eu conheça!). Olarilas. Antão, que tal esse Dia de Todos os Santos? A minha Mãe manda‑te muitos beijinhos. (MCG - 1973.11.01)
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[1] - Árvores frondosas e trânsito automóvel, que já não existem em 1996,  a estátua do Bocage e, ao fundo, o edifício da Câmara, onde vim a trabalhar de 1984 a 1986, além da casa, na altura azulada, por cima duma tabacaria, cheia de sol, onde gostaria de viver e que compraria se tivesse dinheiro.. O café referido no postal deveria ser o Central.

1974
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Estava eu já todo porreiro da vida, de saco aviado, prestes a partir para Lisboa, quando telefonei ao [Aníbal] Queiroga, como combinado. Assim, tive de adiar a viagem e estou aqui na Escola Industrial de Évora há quase 2 horas, primeiro aguardando que chegasse o Presidente da Comissão de Gestão e agora que S.Exa se digne terminar o despacho com o Chefe de Secretaria. Venho falar‑lhe para saber da hipótese de leccionar "Introdução à Política". Acho que são 31 horas semanais (sendo 10 extraordinárias) o que daria cerca de nove mil escudos mensais. Como é uma hora semanal por turma seria ... 31 turmas por semana, o que daria qualquer coisa como ... mil alunos.
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Safa! Se não houver que fazer e corrigir exercícios, mal não iria a coisa. Claro que um tipo tem de gramar o mesmo paleio horas seguidas por semana, já que é o mesmo programa para todas as turmas, o que poderá tornar‑se chato. Por outro lado, como é a mesma matéria teria menos trabalho a prepará‑la. A ver vamos (embora ficar em Setúbal me seduza mais). (...)
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3 horas! 3 horas foi o tempo que estive aguardando que o dr. Pimentel me recebesse. 2ª feira dar‑me‑à a resposta. Embora eu não diga nem que sim nem que não, o Queiroga diz que eu sou é pessimista. A ver vamos. (MCG - 1974.11.27)
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Évora é uma cidade estúpida. 6 meses de ausência (e se calhar a saturação de 6 anos) fazem‑me ressaltar toda esta falta de dinamismo, de interesse, de imaginação. É um encolher de ombros, um arrastar‑se pelos cafés, um encostar‑se pelas paredes, um nada ter que fazer ou para onde ir. Uma perfeita estagnação. Talvez que um tipo tendo casa e emprego, a coisa se torne menos monótona. Mesmo assim, acho que preferia mil vezes Setúbal. Tem mais movimento e não parece uma ilha como este burgo medieval. (...) Soou agora o apito do comboio da meia‑noite. (MCG - 1974.11.28)
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Não sei bem se isto que está em mim é "nervoso" ou ... gripe. Os dados estão lançados e vou para Évora dar aulas na Escola Industrial. O Dr.Pimentel queria que me apresentasse ao serviço já na 3ª feira, a mim convinha‑me na 4ª e acabou por ficar para 5ª! Vamos lá ver como isto corre. Hoje e amanhã tenho de preparar a lição. Ah!Ah!Ah! (isto é para disfarçar a morte que me vai na alma). Francamente, não me seduz ser professor de meninos! Mas ... podia ser pior! (MCG - 1974.12.02) 
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1978
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Cá arranjei um quarto (só quarto  em Setúbal, para os lados do Hospital.(3) Fica um pouco longe da Escola, mas há transportes regulares e relativamente frequentes, que passam mesmo ao pé da EICS [Escola Industrial e Comercial de Setúbal]. Praticamente ainda não tive uma única aula, umas porque são nuns pavilhões, que não estão construídos, outras, ou não apareceram os alunos ou só um ou dois.(4) Aborrece-me o ofício de professor e ainda mais nestas condições, andando por aí o dia inteiro ou enfiado no quarto, sabendo que em Julho levo um pontapé e recomeça tudo. (NSF - 1978.01.11)
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[1] - Tratava‑se da vivenda Ruxa, situada aos Quatro Caminhos, já demolida em 2013
[1]  - Estes 4 pavilhões pré-fabricados, portanto provisórios, ainda funcionavam e estavam para durar 18 anos depois, isto é, no final de ... 1996 !
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A Susana está para ali amuada, pois quer ir para casa da Isabel, nossa vizinha. Daqui a pouco vou até Setúbal. O mecânico não se comprometeu com a entrega do carro [Renault 4] esta semana, pelo que não valerá a pena vires buscá‑lo. Esqueceste‑te de deixar os documentos do carro. Já está a pagamento o imposto de circulação. (MCG 1978.06.27)
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1980
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Como vão essa saúde e esses passeios? Nós por cá vamos indo. Recebemos hoje um postal da Mãe. A Caixa já concedeu o empréstimo; qualquer dia devemos assinar o contrato-promessa de compra e venda. Este fim de semana vamos a Évora. Ainda não decidimos se iremos na 6ª feira 16, ou no dia seguinte. Não querem lá ir? Regressaremos na 2ª feira seguinte. (NSF 1980.05.14)
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Já temos quase tudo emalado;falta fazer a mudança e acabar a instalação eléctrica, que ficou em meio e só pode ser feita ao fim de semana, quando o nosso amigo Moreira vem trabalhar.
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Neste fim de semana vamos até Évora, mas a Celeste, a Susana  e eu devemos voltar para  mais uns dias de praia. Nessa altura ficaremos na casa nova. Em Setembro voltaremos a Évora. (NSF 1980.08.15)
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Amanhã vamos até Setúbal, para envernizar o chão da casa, arrumar umas coisas, receber os ordenados e concluir os inquéritos do corrente mês. Devemos lá ficar até cerca de 6 de Setembro (A D. Maria e o Rui Pedro ficam em Évora). Depois regressaremos para acabar os preparativos para a mudança, em meados do próximo mês (salvo erro a 17 tenho serviço de exames). Vamos ver se nessa altura já funcionam os elevadores. (NSF - 1980.08.28)
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1982
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(...)
Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei
(...)
No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Susana.
 ,
Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho
 .
Perdidos os amigos,
perdida a infância
Estrangeiro ......sem raízes ......sou em Portugal.
 .
Victor Nogueira1982

1986
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A vida flui e cada instante é diferente do anterior; nada  na vida se repete. Ambos somos hoje diferentes, porque noutra situação. Amanhã, mudando-se as circunstâncias, mudaremos, bem como aquilo que cada um de nós espera do outro. (...) Encontrámo-nos a uma esquina da vida, por acaso e com naturalidade, porque somos pessoas que se reconheceram nalguma coisa e que, por isso, se tornaram amigas. Mas não nos conhecemos o suficiente para que possamos hoje dizer se seremos algo mais que isso.
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(...)Há um, dois anos atrás, teria aproveitado a ida a Lisboa para passear por essa cidade que amo, apesar da alegria de voltar a casa onde tinha companhia. Hoje voltei para Setúbal e nem à manifestação da Função Pública fui, apesar de desafiado para isso.
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(...) A reunião em Lisboa decorreu. Encontrei alguns amigos doutras Câmaras. No regresso ainda passei pela de Setúbal,  para assinar o despacho, que a minha secretária me deixara preparado. (...)
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É quase uma da manhã e o silêncio invade a casa, quebrado apenas pelo matraquear da máquina, terminado que foi o disco das marchas militares. (MMA, 1986.02.06)
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Acabei finalmente o manuscrito do relatório de actividades do Departamento de Pessoal, relativo a 1985; vou entregá-lo e quem quiser que o decifre! Com isto cinco dos meus atrasados vinte dias de férias do ano passado foram para o galheiro, como é costume dizer-se. Mas, dado o meu "emprateleiramento", estou pessoalmente interessado em ter escrito o relatório o qual, em condições normais, seria sempre da  minha responsabilidade. Junte-se a isto uma valente constipação e uma grande rouquidão e é de calcular como têm sido os dias que se passaram, bonitos e cheios de sol.
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Do tempo de férias que me resta passarei algum possívelmente em Lisboa e no Porto. (MMA 1986.03.21)
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Hoje está uma brisa fresca, agitando as árvores além na rua e a roupa desfraldada nos estendais do prédio em fronteiro. A.  come iogurte, enquanto lê um livro sobre legislação que encomendei e chegou hoje. Está sempre a comer e não sei se é da gravidez adiantada, se sempre foi assim, embora antigamente, quando ia  ao Departamento de Pessoal, fosse magrinha.
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No estirador a V. desenha fichas para os inquéritos que ela e outros jovens do OTJ irão fazer -levantamentos dos edifícios com interesse municipal e dos estabelecimentos de ensino escolar e pré-escolar. A V. tem 18 anos e tivemos de pô-la aqui no (meu)  Gabinete, pois com o seu ar ingénuo e a vestimenta à punk já trazia os desenhadores ali na sala ao lado muito alvoreados. Enfim ...
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Quarta feira vou à Câmara do Barreiro falar com o meu colega Rui Banha, do Planeamento Urbanístico, para "cultivar-me". (MMA  1986, Junho)
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(...)  Olho pela janela e um rebanho de ovelhas vai ali pela placa central da avenida [Bento Caraça], por entre a lataria dos automóveis, vestígio do tempo em que esta era uma zona rural, como testemunham o olival além atrás e os nomes das  ruas do Bairro da Belavista. De repente aumenta o movimento automóvel e apercebo-me que é meio dia e trinta e que vão sendo horas de abalada, pois vou almoçar à Baixa, para debater algumas questões político-partidárias.(....) (1986.12.03)
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 Olho pela janela da sala e o campo florestado estende se até ao horizonte, aqui além cortado por aglomerados populacionais como o Faralhão, Praias do Sado ou Manteigadas, para além dum e outro casal. (MMA - s/data [1986.12])
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O Rádio Clube de Setúbal  transmite música antigota: há pouco, por exemplo, "El Reloje", do António Prieto, agora "Et Pourtant", do Charles Aznavour.
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Está um fim de dia cinzento e frio, embora a cozinha esteja cheia de luz, como se fosse dia; estou encantado com os girassóis colhidos na berma da auto-estrada, depois de deixar a Maria do Mar, e que alegram a nudez e o ascetismo desta casa, agora apenas entregue a mim.
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Tenho os pés gelados para além de sono. Deu-me a espertina de madrugada e mal adormecera de manhã quando o malfadado telefone me acordou às oito da matina. A uma hora destas, só podia ser o AM mais as suas convocatórias para reuniões de trabalho partidário, das muitas que tenho para além do serviço. Não me apetecia mesmo nada sair depois do jantar!
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Voltei a acordar eram quase onze horas e nada fiz de manhã relativamente ao que programara. O mesmo sucedeu após o almoço, pois passei pela Câmara, para esclarecer uns assuntos com a L.  e acabei por ficar lá a opinar e redigir propostas para a resolução de questões que se arrastam sem que a Vereação delibere. Felizmente parece-me que o peixe que tinha no carro se não estragou com o calor; para o jantar vou grelhar um xixarro enorme. (..) 
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Este sábado é a Festa de Natal da Câmara, com teatro, desenhos animados  e fantoches, para além dos brinquedos.
Ainda não decidi se irei a Lisboa: aborrece-me ficar por Setúbal e depois impaciento-me com as criancinhas, que não têm culpa, mas em Lisboa desassossega-me não estar com a Maria do Mar. ( 1986.12.11)
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Aproveitando a lassidão deste dia, fui dormir depois de almoço, para pôr os sonos em dia e para ganhar alento para logo ver na TV o filme da meia noite. 0 Rui foi brincar para casa do Chico e a Susana foi com a Cinda e demais amigas à festa de Natal da Junta de Freguesia de S. Sebastião. E eu, como não  me apetece sair, por causa do frio mas também por causa desta chuva miudinha que todo o dia tem caído, pus-me a ouvir música no leitor de cassetes que a Susana "ganhou" na Festa de Natal da Câmara; primeiro o UHF e agora o Paulo de Carvalho e a seguir a Gal Costa. É daqueles leitores que tem uns auscultadores e que a malta jovem traz pendurados nas orelhas, na rua ou nalguns empregos. O Rui também ficou encantado com a prenda que Ihe coube, um robot que deita luz por todos os lados e muda de direcção quando choca com os obstáculos
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De modo que me sentei aqui à mesa, desta feita a do "escritório", para fazer-lhe como que uma visitinha, a visitinha que se não proporciona. Estou com uma certa curiosidade, não isenta de alguma apreensão, pela carta que a Maria do Mar  prometeu escrever-me este fim-de-semana.
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(...) É já domingo e o tempo continua frio e cinzento. Interrompi  ontem para ir ao Pão de Açúcar abastecer-me de leite, peixe, carne, enlatados e batatas; quando regressámos eram já horas de fazer o rancho do pessoal - tenho de aperfeiçoar-me na fritura de batatas e resolver-me a fazer sopa, arranjadas que estão as panelas de pressão.
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Vi o final do "Faz  de Conta'' (desta feita o Solnado não foi tão irritante nas suas conversas com o júri) e, quando me preparava para continuar a nossa conversa de surdo-mudos, alguém  tocou à porta;  eram a Isabel e o Ricardo, nossos velhos amigas e vizinhos de Évora, do casarão de que atrás falei. Estivemos na conversa até às tantas -acabei por não ver o filme da meia noite - dormiram cá e há -pouco abalaram, com um desenho para encontrarem a casa da Celeste.
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O Rui e a Susana brincam pegados um com o outro, com a exclamação "pai" nos lábios, até que se magoem e gritem a sério, obrigando-me a intervir com bonomia ou zangado, conforme a minha disposição na altura.
(...) ( 1986.12.14)

Chove agora a cântaros e tenho saudades do casarão de Évora [na rua Serpa Pinto], quando ouvia a chuva bater no telhado, encanto que me está vedado neste prédio de betão armado, onde muitas vezes só dou por ela quando chego lá abaixo à rua [largo] e ela cai em rajadas ou deixou a marca no asfalto molhado. (MMA - 1986.12.14)
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1987
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Aqui em Setúbal está uma bela tarde, soalheira, embora este sol de inverno não aqueça e o pessoal diga que o meu gabinete está gelado, consequência de alguém me ter "fanado" (5) o "meu" aquecedor a óleo e não ter descoberto o autor da gracinha; com a celeridade com que trabalha a secção de Compras devo ter o aquecedor lá para o pino do Verão! Enfim, azares que servem para enrijar os ossos e a musculatura. (XXX - 1987.01.19)
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[1] - Termo da gíria, que significa - roubado
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 Olho pela janela e apercebo me desta tarde cinzenta e chuvosa, as pessoas correndo enquanto outras passam mais ou menos vagarosas, lutando contra o vento agreste debaixo de guarda chuvas mais ou menos coloridos. À falta de parques de estacionamento próximos, a placa central da avenida [Bento Caraça] está coberta de automóveis arrumados "a la balde", enquanto o trânsito pára em pequenas bichas cada vez que um autocarro estaciona para largar ou meter passageiros. (CTT - 1987.03.24)
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Está uma tarde linda, cheia de sol, com os campos verdes cobertos aqui e além com manchas amarelas de flores.   no gravador canta o Zeca Afonso, que tinha uma voz muito bonita. E ao mesmo tempo fico triste com elas (canções), porque me fazem lembrar o tempo do fascismo, quando havia esperança de lutar e conseguir um mundo melhor, sem guerra,. nem miséria, nem fome, mas onde houvesse alegria, liberdade e paz. (SNS - 1987.04.26)
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1988
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Morando e trabalhando em Setúbal, que me encantou outrora, quando jovem e estudante em transito de Évora para Lisboa, Porto ou Luanda. (CTT - 1988.03.0
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1990
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 A mudança da paragem do autocarro tornou o café mais frequentado e menos remansoso em determinadas horas, quando se amontoa pessoal aparecido sabe-se lá de onde. Contudo, em certas horas, ainda continua a ser um local agradável, acolhedor, como simpáticas são normalmente as proprietárias, entre a malta conhecidas como as "manas gordas". Há um outro café, o das escadinhas, também simpático embora mais calmo por não estar em sítio de passagem ou junto a paragem de autocarro.
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 Aqui nesta zona residencial ficam parte dos serviços municipais [Uranismo], em área que era para ser um centro comercial, e talvez isso explique o hábito que se criou nos cafés das redondezas dos clientes levarem os comes e bebes para a mesa e, muitas vezes, de retorno para o balcão.
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(...) E foi assim que tudo começou: escolhida a mesa, uns sentaram-se e outros ficaram a fazer o avio e por isso só depois reparámos que a mesa escolhida estava suja, pelo que pedimos às manas que a limpassem, o que lhes caíu mal, enervou e fez com que uma delas derramasse a cafeteira do chá a ferver sobre as minhas calças o que, diga-se de passagem, não foi pêra doce. Por isso, uma hora depois, estava "caído" no Centro de Enfermagem, porque me doía cada vez mais o local da queimadura.
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Às dezoito horas a sala de espera encontra-se habitualmente repleta de pacientes quase sempre "pacientes" enquanto aguardam o médico ou o enfermeiro, pelo que resolvi matar o tempo com aquelas revistas e jornais antigos que jazem nas salas de espera de consultórios. E foi assim que peguei na "Nova Gente" e procurei o ponto de encontro onde encontrei a Maria Helena, arquitecta, que mora em Lisboa, cidade que outrora amei mais do que actualmente, pois entretanto habituei-me ao relativo sossego de Évora   e de Setúbal, onde quase tudo está ali ao alcance da mão, pese embora e por vezes a pasmaceira das terras pequenas, entremeada embora pelo individualismo e falta de calor e solidariedade das terras grandes..

Mas não é hoje que vou falar sobre  Évora, essa ilha sem mar no meio da planície alentejana ou sobre Setúbal, vagamente parecida com Luanda onde nasci e vivi durante vinte anos. E também não é sobre Lisboa que falarei desta feita,   Lisboa por onde ainda gosto de deambular aos fins de semana ou no Verão, quando não há corridas, nem engarrafamentos, nem esperas de fazer perder a paciência e a boa disposição.
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 Nas horas vagas leio, procuro conhecer novas terras e novas gentes, ouço música e vou ao cinema ou ao teatro. E também escrevo. E foi num desses que surgiu o  Auto-retrato em Passatempo, "inspirado" num poema duma das glórias de Setúbal, de seu nome Bocage, embora se fiquem por aqui as semelhanças e parentescos!
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Com nariz grande, olhar estrelado,
Baixo, cabelo negro, ondulado,
Magro, moreno, mui desajeitado,
Nada ou p'la vida sempre perdoado.
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Buscando amizade, mau achado,
Agindo calma ou mui despeitado,
O êxito logrou, mal torneado,
Com persistência e pouco alegrado.
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Tolerante, mas não libertário,
Conduzindo, longe da multidão,
Na vida procurando liberdade.
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Em tudo mal, buscando seu contrário,
Com ar sério ou risonha feição,
Mal sente, co'a razão, felicidade. (CTT - 1990.03.12)
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Cheguei há pouco da Feira [de Santiago], onde fui dar uma volta e dois dedos de conversa com o pessoal conhecido após o jantar lá em baixo no Centro, única maneira de variar o cardápio, pois ao almoço não tenho tempo para grandes variações e aprendizagens. Tal como as mulheres, os homens, desde pequeninos, deviam ser ensinados a cozinhar coisas variadas e saborosas, embora simples. Felizmente que em tempos descobri um livrito acessível que posso consultar e seguir sem necessidade de ter ao lado, para consulta permanente, um dicionário da especialidade, para decifrar os termos técnicos como "refogado" ou "esturgido" e quejandos.(XXX - data ?) ([1])
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[1] - Passe a publicidade, trata‑se do Guia Prático de Cozinha, da autoria de Léone Bérard, editado pela Livraria Bertrand em 1977.
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(...) Eis-me, pois, regressado a Setúbal, onde amanhã começa mais um Festival de Teatro,  este homenageando o Mário de Sá Carneiro, mas que não me seduz muito pelo programa apresentado. Outrora sempre vinham cá companhias de todo o país, das consagradas, que nos permitiam ver ou rever as peças durante o ano representadas em Lisboa, Porto e arredores. E assim se vai perdendo o teatro. Mas não só o  Agora foi a vez do Casino Setubalense, ultimamente especializado em pornografia, após a fase do kung-fu e dos lacrimejantes filmes indianos, onde uma vez consegui ver "Por Favor Não Me Mordam o Pescoço", do Polanski, por uma daquelas insólitas surpresas proporcionadas pelo exibidor. Segue-se este encerramento ao do Luísa Todi (agora Forum Municipal), ao do Bocage, ao do Grande Salão Recreio do Povo (agora Banco, preservada a fachada) ou ao do Salão da Sociedade Recreativa Perpétua Azeitonense. Consequências do vídeo, embora nada se compare ao envolvimento duma ecrã maior ou menor ou do cavaquear no intervalo, ritual também já ultrapassado nas salas de bolso que proliferam nos centros comerciais, desaguando os espectadores directamente para os corredores "montrados" e feéricamente coloridos. (MBC - 1990.09.19) 
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Já o sol e a lua se puseram (...) o que significa que é um novo dia, oscilando entre o sol quente e o cinzento nublado ameaçador de chuva. Estou partido, pois andei a mudar estantes para ver se consigo arrumar em novas prateleiras os livros que proliferam como coelhos. (MBC - 1990.09.19)
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Foto Victor Nogueira - Setúbal - Estuário do rio sado e serra da arrábida
Foto Victor Nogueira - Setúbal - Estuário do rio sado e serra da arrábida
Foto Victor Nogueira - Setúbal - esrtuário do rio sado e serra da arrábida

Foto Victor Nogueira - Setúbal - doca da pesca

Foto Victor Nogueira - Setúbal - igreja de santa maria (sé)
Foto Victor Nogueira - Setúbal - igreja de santa maria (sé)

Foto Victor Nogueira - Setúbal - convento de jesus
Foto Victor Nogueira - Setúbal - convento de jesus
Foto Victor Nogueira - Setúbal - convento de jesus
Foto Victor Nogueira - Setúbal - convento de jesus
Foto Victor Nogueira - Setúbal - praça do bocage, estátua de bocage e igreja de s. julião
Foto Victor Nogueira - Setúbal - igreja de s. julião
Foto Victor Nogueira - Setúbal - centro histórico
Foto Victor Nogueira - Setúbal - jardim do quebedo
Foto Victor Nogueira - Setúbal - portal da igreja do convento de s. joão
Foto Victor Nogueira - Setúbal - centro histórico
Foto Victor Nogueira - Setúbal - primavea na 5 de outubro
Foto Victor Nogueira - Setúbal - av. luisa todi - antigo salão recreio do povo
Foto Victor Nogueira - Setúbal - forum luisa todi
Foto Victor Nogueira - Setúbal - memorial a luísa todi
Foto Victor Nogueira - Setúbal

Foto Victor Nogueira - Setúbal - parque da lanchoa, no antigamente (pote de água)
Foto Victor Nogueira - Setúbal - forte de s. filipe, estuário do sado e península de tróia
Foto Victor Nogueira - Setúbal - convento na mata de s. paulo
Foto Victor Nogueira - Setúbal - mata de s. paulo

castelo de palmela visto de setúbal

Foto Victor Nogueira - Setúbal - central termo-electrica


Foto Victor Nogueira - Setúbal - praia da figueirinha
Foto Victor Nogueira - Setúbal

Foto Vctor Nogueira - portinho da arrábida - pedra da anixa

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