Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

domingo, 17 de fevereiro de 2008

De Nova Lisboa a Luanda, de autocarro (1962) (1)

* Victor Nogueira
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De Nova Lisboa a Luanda, de autocarro

8:00

Saída de Nova Lisboa (Eu, a mãe e o Zé)

9:00

Vale do Queve. Povoação em franco progresso, situada a 1600 m de altitude.

9:25

Atravessámos o rio Lumbuambua.

Chicala

9:40

Chololo. Atravessamos os rios Chilongo e Culele.

10:15 -10:40

Vila Teixeira da Silva - sede do concelho do bailundo. Altitude 1640 m. Vila airosa e electrificada. Tomamos aqui o pequeno almoço.

11:30

Santa Cruz - Plantações de bananeiras. Região montanhosa, coberta de arvoredo.

11:50

Jambacita

12:25

Cachimbombe. Pouco depois encontramos um cortejo nupcial. As duas noivas iam vestidas de branco, seguidas por numeroso séquito, batendo palmas e cantando.

12:35 - 13:40

Hengue - Possui uma modesta pensão estalagem onde almoçámos. A comida não era nenhuma maravilha: sopa de feijão (que não comi), pasteis albardados (muito aldrabados) com salada, arroz branco (parecia cola) com chouriço e galinha. Conclusão - 50 paus

14:30 - 14:40

Namba

14:45

Entramos no distrito do Cuanza Sul. As regiões que estamos a atravessar são muito montanhosas.

16:10

Avistamos uma das aldeias do colonato europeu da Cela.

16:15

Avistamos outra das aldeias.

16:20 - 17:00

Altitude 1300 m. Possui luz eléctrica. Lanchamos no Bar do Passarinho. Bebi uma laranjada e comi dois ovos cozidos e dois bolos. Sede do colonato europeu da Cela. O seu fim é “transplantar para Angola aldeias da Metrópole, sem pretos”.

Cada família recebe casas, terrenos com culturas, bois e tudo o que é necessário até ao valor de 150 contos, que pagará em 25 anos. Aqui se cultivam, por assim dizer, o mesmo que na Metrópole. Cultiva se milho, batatas e feijão. A primeira aldeia a ser construída foi a do Vimeiro, que é conhecida por aldeia nº 1. Cada aldeia compõe se de 25 a 28 casas, armazém geral, capela, posto de socorros, escola, chafariz com água canalizada. As aldeias encontram se ligadas entre si por boas estradas. Até Maio de 1958 gastaram se 297 mil contos. As culturas principais produziram, em 1957/58, cerca de 7000 toneladas de milho, 2500 de arroz, 3000 de batatas. Além de outros géneros criam se bois, porcos, galinhas, patos e perus. Clima subtropical.

17:03

Santa Isabel - aldeia nº 5

17:10

Carrasqueira

17:15

Avistámos outra aldeia

18:40

Catofe. Há um bom bocado de estrada asfaltada até Catofe. Indústria de lacticínios.

18:45

Quibala - Vila, sede de concelho do mesmo nome. Possui luz eléctrica e campo de aviação. Altitude - 1340 m. Clima subtropical seco. Dormimos numa pensão. O nosso quarto era o nº 4 e era razoável. Comida idem aspas. O jantar foi sopa, que não comi, peixe frito com salada, arroz com bifes e bananas. 150$00

14 de Setembro - 6ª feira

Acordámos às 5:45. Matabichámos. Tome café com leite e pão.

6:40

Partida da Quibala

6:42

Passámos pela missão católica de N.Sra das Dores, a 3 km da Quibala, com oficina de carpintaria e outros ensinamentos aos indígenas.

6:50

Passámos por um cemitério arruinado, que parece muito antigo. Perto havia uma sanzala abandonada.

6:53

Vi mais ruínas, perto da estrada. Árvores de pequeno porte e muito capim.

7:00

A estrada em certos pontos parece se com a de Robert Williams/Nova Lisboa, embora a paisagem seja diferente e a estrada não seja asfaltada.

7:05

Saímos das estrada principal, devido a trabalhos nesta.

7:15

Voltámos à estrada principal. A paisagem é triste e o céu está cor de chumbo, dando a impressão que vai chover.

7:20

Tornamos a sair da estrada principal.

7:25

O Sol rompeu as núvens, mas foi logo encoberto. Parece que a natureza se associa ao meu estado de espírito. Está frio e vou gelado. Que diferença entre esta paisagem e a de ontem, com sol, eucaliptos e cedros!

7:30

Voltamos à estrada principal. O céu continua triste e a paisagem desoladora.

7:40

Passamos entre pequenos montes, cujos cumes estão cobertos de nevoeiro, dando a impressão de um gigantesco incêndio.

Paisagem triste, com pouca vegetação e montes pedregosos.

7:55

Está tudo coberto de nevoeiro. Não se vê quase nada.

8:10

Atravessámos o rio Longa. Floresta de eucaliptos. Há muitos quilómetros que os não via. Estrada está pronta a ser alcatroada.

8:15

Lussulo - Recebemos correio

8:25

Andámos mais ou menos um km de estrada asfaltada.

8:30

Continua tudo coberto de nevoeiro e a paisagem não é nada encantadora.

8:35

Pequeno troço de estrada asfaltada.

8:40

O nevoeiro está cada vez mais cerrado.

8:42

Saímos da estrada principal.

8:44

Subida íngreme. O autocarro vai a 10 km/hora.

8:50

Entramos na estrada principal. Num desvio estava voltado um camião carregado com sacos de cimento. (APC - 06 - 58)

8:52

Saímos da estrada principal. Subidas e descidas muito íngremes. Região montanhosa, quase sem vegetação.

8:55

Retomámos à estrada principal. O nevoeiro quase que passou. Palmeiras. Estrada pronta a ser asfaltada.

9:05

Estrada asfaltada. Atravessamos um rio.

9:15 - 9:50

Atravessamos o rio Mucongo. Tomamos o pequeno almoço no Munenga. Acabou o pão de ló que a sra. D. Maria Delfina nos oferecera. Bebi uma laranjada e comi pão com manteiga.

Plantações de palmeiras, bananeiras e sisal. Altitude 434 m. Clima tropical muito quente e húmido.

10:00

Palmeiras. Finalmente vi capim verdejante. Já estava farto de capim seco. Começam a aparecer imbondeiros Vegetação cerrada, mas ressequida. Montes cobertos de verdura.

10:15

Montanhas com o cume coberto de nevoeiro. Tal como há horas, tenho a ilusão que as montanhas são presa dum incêndio.

10:20

Atravessamos um rio. No rádio transmitiram uma música dos “Conchas”. É pelo menos a sexta gravação deles que ouço hoje, sendo três de enfiada.

10:35

Seguimos por um desvio devido a obras na estrada principal.

10:50

Voltamos à estrada principal. Aparecem imbondeiros com mais frequência. Atravessámos um rio.

10:55

Rio Cuanza - O seu caudal esta muito reduzido e o leito em grande parte está seco. Ao pé da ponte há diversos rápidos. O Cuanza nasce no planalto do Bié, desaguando ao sul de Luanda. Tem um percurso de 1000 km, 258 dos quais navegáveis, incluindo o seu afluente Lucala.

O Rio Cuanza tem um grande valor económico. No Cuanza médio encontra se a barragem de Cambambe. No rio Lucala encontram se as célebres Quedas do Duque de Bragança (100 m de altura) Avistamos ao longe Cambambe.

11:10

Passámos perto de Cambambe, onde se encontram as ruínas da povoação do século XVI, e a barragem. Entrámos na EN nº 5.

11:25

Tornámos a avistar Cambambe. Seguimos na EN nº 3, que segue até Luanda. As ruínas de Cambambe são constituídas pela antiga Igreja de N.Sra do Rosário, resto das muralhas e fosso da fortaleza, e ruínas de outros edifícios. Está bastante calor.

11:30 - 12:55

Dondo - Chegámos ao Dondo, o “Ouro Preto” de Angola. Está muito calor, que me incomoda bastante. Na Praça da República há um jardim com um coreto. Naquele, escrito com relva, lê se ”Aqui é Portugal”.

Vila, sede de concelho de Cambambe, é uma povoação muito antiga. Possui energia eléctrica. Clima tropical quente. O Dondo foi uma importante povoação nas duas últimas décadas do século passado e princípios deste. Já naquele tempo possuía hospital, bons prédios, ruas alinhadas, etc. Com a construção do CFL (Caminho de Ferro de Luanda) as casas comerciais distribuíram se ao longo da linha férrea e a vila perdeu muita da sua importância comercial.

Actualmente, com a construção da grandiosa barragem de Cambambe, a vila desenvolver se à imenso. Possui ruas arborizadas e asfaltadas. Prédios antigos e modernos. Culturas de palmeira e sisal.

Almoçamos no Bar Passarinho: um prego e uma laranjada. Foi a 3ª vez que estive no Dondo. O ajudante de motorista, o Sebastião, desapareceu, mas por fim lá apareceu todo esbaforido. Meteram gasoil no autocarro.

13:00

Passamos o rio Menoza, cujo leito estava completamente seco.

13:20

Passamos o rio Lucala. Estamos a 160 km de Luanda. Plantações de palmeiras e bananeiras.

13:25

A estrada ora é de pedra britada, ora asfaltada.

14:10

Zenza (do Itombe) - Possui energia eléctrica. Sede do Posto do mesmo nome. Alt. 87 m.

14:12

Atravessamos o rio Dala Gola.

14:30

Entramos no Distrito de Luanda. Maria Teresa - 117 km de Luanda. Culturas de algodão.

14:50

Começam a aparecer os primeiros cactos candelabros.

Barraca - 99 km de Luanda - Plantações de algodão.

15:05

Calomboloca - Alt. 100 m. Povoação com. de 4ª. Aquartelamento militar, com escola ao ar livre, à sombra duma árvore. Carregamentos de algodão. Sanzalas.

A 110 km de Luanda há uma floresta de eucaliptos, ao longo da estrada.

Paragem para os soldados revistarem o autocarro (99 km de Luanda)

15:15

Botomona - O céu está coberto de núvens, que parecem flocos de algodão.

15:30

Catete - 60 km de Luanda. Vila sede do Concelho de Icolo e Bengo. Luz eléctrica. Alt. 70 m. Clima tropical regular. Passámos a 3 km da vila. Zona algodoeira, com uma produção média anual de 4000 toneladas.

Povoação indígena à entrada da vila, de quem vem de Luanda.

15:50 - 16:00

Km 44 - Merendámos - 1 laranjada. Fica no cruzamento da Estrada de Catete com a do Bom Jesus. Possui uma casa comercial. Não é povoação.

16:08

Desvio da EN nº 3, devido a reparações nesta. Neste sítio, quando fomos a Cambambe (em 17 de Julho) estava um automóvel virado, devido à má sinalização do desvio.

16:10

Regressámos à Estrada Nacional. (37 km de Luanda)

16:20

26 km de Luanda. Vegetação rasteira.

16:35

Viana - 16 km de Luanda. Povoação com. de 4ª. Apeadeiro.

16:40

Estalagem do Leão - Pousada a 17 km de Luanda, transformada em aquartelamento militar.

16:45

Grafanil - 7 km - Fábrica de explosivos e aquartelamento.

16:50

Entrámos em Luanda. Paragem no posto de controle militar, perto da F.T.U. (Fábrica de Tabacos Ultramarina)

Paragem ao pé da Esquadra da Polícia Móvel, onde desceram alguns passageiros

17:05

Chegada ao Largo das Ingombotas. Fim da viagem. O pai estava à nossa espera.

NOTAS

Além de nós, vinham no autocarro duas senhoras, soldados, três brancos e diversos pretos. Eu vim sempre na cadeira do Fiscal [á frente, para ver melhor a paisagem ].

1962 – 13/14 Setembro

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