 DOIS  MOMENTOS, DOIS RETRATOS
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 DOIS  MOMENTOS, DOIS RETRATOS
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Uma "manife" em Évora, num verão  quente, nos idos  de 1974 
Ontem,  no comício do PC, ali no Rossio de S.Brás, o Álvaro Cunhal falou  na  independência dos povos das colónias. (...) Ainda antes do Álvaro  Cunhal  falar o palco foi abaixo por duas vezes. Uma multidão imensa   concentrava se em redor do palco, junto ao Monte Alentejano, agitando se   inúmeras bandeiras vermelhas do PC. Em uníssono, a multidão repetia as   palavras de ordem, de punho erguido.
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Detecto,  junto a mim, um grupo que vai  comentando ao sabor das intervenções.  Quando se falam nas torturas  sofridas pelo Cunhal e outro comunista, uma  mulher ao meu lado diz me:  "Coitadinho! Bandidos!" E a multidão grita:  "Morte à PIDE!". Dois  delegados dos Sindicatos Agrícolas (Évora e Beja)  enumeram as quebras  dos contratos colectivos de trabalho e o nome dos  latifundiários. A  multidão grita: "Morte aos cães!" "A terra a quem a  trabalha!".
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Ao meu lado, algumas  mulheres dizem: "É  assim mesmo!" e "Essa sou eu!", quando se fala em  ranchos despedidos. O  Álvaro Cunhal cita as lutas revolucionárias dos  trabalhadores  alentejanos e a "palha" que os latifundiários teriam  mandado dar aos  trabalhadores que imploravam comida. E a revolta; que  enquanto houvesse  ovelhas, galinhas e porcos não comiam palha os  trabalhadores!
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O Partido faz a sua  campanha e no palco  estão pessoas que já conheço de há muito. Por detrás  delas, enormes, em  fundo vermelho, as efígies de Marx, Engels e Lenine.  A brancura de  Évora é agora quebrada por cartazes do PC. Marx, Engels e  Lenine enchem  as ruas, conjuntamente com cartazes com a foice e o  martelo.  (1974.07.28)
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Passa Camarada
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Na Voz do Operário ao chegar à porta  para o  pátio olhei por cima do ombro e vi o Álvaro e o seu  guarda-costas e  disse-lhe naturalmente: «Passa, camarada» ao que ele  retorquiu " Passa  tu, camarada, que chegaste primeiro» E assim ficámos  lado a lado no  pátio, numa lenta fila para o almoço, enquanto as  pessoas vinham  cumprimentá-lo ou apresentá-lo aos filhos de colo ou  não.
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Foi  uma hora divertida e tenho pena de não ter fixado por escrito as   conversas, as impressões já desvanecidas e, sobretudo, os diálogos bem   humorados com Dias Lourenço sobre as peripécias em torno das fugas de   Peniche.
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Primeira  publicação ou post noutros Kant_O's
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