Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

domingo, 20 de novembro de 2011

TEXTOS e comentário ~ Victor Nogueira


Mindelo - Foto Fátima Pereira

 Olá, Amiga

Está um domingo de sol e debato-me entre o ficar sozinho em casa ou ir em  busca de outrem. Como habitualmente encerrar-me-ei em casa, fechado em mim mesmo. Detesto os fins de semana e feriados. Quase sempre os detestei. Embora desde há três anos "ferie" quotidianamente; nos chamados dias "úteis" as lojas e os serviços estão abertos e "saio" de mim para resolver os problemas diários,  comezinhos ou não. 

Como se inúteis tivessem de ser aqueles dias em que não trabalhamos ou produzimos, ganhando o vil metal para comer o pão que o diabo amassou. E nos dias úteis ou inúteis deixo por fazer aquilo que gostaria ou quereria fazer: estar com Outrem, procurar quem é de mim reflexo e complemento, acabar de arrumar os livros nas prateleiras, digitalizar milhares de fotos ou textos que escrevi, escrever, viajar em busca de novas ou "velhas" terras e gentes, conviver ... 

Ignoro os convites para ir ao Barreiro, a Lisboa, ao Porto, ao Seixal, a Évora ...  Um dia destes fui a uma loja ao pé do edifico onde trabalhei e ouço vozes cristalinas chamando pelo "doutor".  Viro-me e vejo quatro das empregadas de limpeza que me sorriem, me perguntam por mim e pelos meus filhos cujos nomes conhecem de me irem visitar ao meu gabinete, que ficam todas contentes ao saberem que já sou avô.  Afivelo a minha máscara que o não é, sorrio com  o brilhosinho nos olhos que o Rui e a Susana dizem ser meus, sou naturalmente encantador e simpático, despedindo-me espontaneamente com um beijo e um gesto  de carinho a cada uma delas, que me permito pois já não estou ao serviço, já não sou o "doutor" mas apenas o "Victor". Mas, após a despedida, retomo  o meu ar sério e distante. 

No meu quotidiano fica sempre  o confronto entre o estoicismo  e a "loucura", entre o agir e o deixar correr, entre o bate e foge.  Nem sempre era assim e por vezes numa curva da estrada encontrava a Outra, portas e janelas abertas ao sol, ao sal, ao mar, à brisa refrescante ou sufocante, envoltas em breves e fugazes horas ou dias de paz e felicidade, de mar chão e sereno, de riso e de ternura. Todas em suas histórias tinham um nome que as despersonalizava mas as identificava e resguardava da devassa alheia ! 

Leio pois os teus escritos e coloco-me no limbo, como se outrem eu fosse, encantado com o que decifro, descobrindo na tua figura maneirinha, simples, sem lantejoulas,  caminhos de ternura, de afecto, de humor ! E procuro desesperadamente resguardar-me. 

Beijo-te, simplesmente, Amiga

Victor Manuel do Kant_O 

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