Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O inicio da guerra em Angola: O 4 de Fevereiro - Victor Nogueira

 

por Victor Nogueira a Segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2013 às 1:38 ·

 

por Victor Nogueira a Segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2013 às 1:38 ·
 
Falar do início da guerra em Angola como se esse início tivesse acontecido em 1961 é esquecer no mínimo a história desde a chegada dos portugueses (ao reino do Congo, em 1482) a regiões ou reinos que haveriam de dar origem a Angola, é silenciar entre outros o massacre dos camponeses em greve na Baixa do Cassanje contra a Cotonang, regados a napalm e metralhados pelas forças armadas portuguesas,. em Janeiro de 1961, é ignorar a história da resistência à ocupação e ao tráfico de escravos sobretudo para as roças de S. Tomé e Príncipe ou para os engenhos do Brasil, É ignorar a resistência ás campanhas de ocupação e de pacificação levadas a efeito por Portugal na sequência da Conferencia de Berlim (1884-85), de colónias demarcadas a régua e esquadros, separando povos e nações pré-existentes,  realizadas durante o último quartel do século XIX e 1º do século XX, levadas a efeito durante a monarquia parlamentar e a  I República, resultado do desenvolvimento do capitalismo e da revolução industrial na Europa.

Resistência que houve noutras colónias, como a de Moçambique. Dessa legítima resistência à ocupação portuguesa não falavam os livros de estudo nem os órgãos de comunicação social desses tempos. Afinal resistência tão legítima como a que os portugueses, ao longo de séculos, ofereceram à ocupação por Castela ou às Invasões Francesas.

Ocupado em 1640  pelos holandeses o entreposto de tráfico de escravos para o Brasil que era Luanda (fundada em 1575), os portugueses retiraram-se alguns quilómetros para o interior, para a fortaleza e vila de Massangano. A expulsão dos holandeses em 1648 verificou-se na sequência duma esquadra proveniente do Brasil, aparelhada e financiada pelos senhores dos engenhos e capitaneada por um deles, Salvador Correia de Sá, de modo a permitir o recomeço do tráfico  esclavagista.  Nesse tempo - no século XVII - em Portugal, D. João IV, Duque de Bragança, tinha mais com que se preocupar - garantir a independência do Reino  face ao domínio de Espanha e obter o apoio das potências europeias da altura para esta causa.

Nas minhas cartas para a família, em Portugal, tinha eu 15 anos, dou notícia dos acontecimentos de 1961, quer em 4 de Fevereiro, quer posteriores, em 15 de Março.

O inicio da guerra em Angola: O 4 de Fevereiro - Victor Nogueira
 
Como já deves saber pelos jornais, houve assaltos a vários estabelecimentos de Luanda (cadeias civis, Casa de Reclusão Militar e Quartel da Brigada Móvel da PSP), na madrugada do dia 4 do mês corrente. No dia seguinte, domingo, quando a maioria da população desta cidade acompanhava à última morada os agentes da ordem mortos no dia anterior, alguns agitadores dispararam tiros, entregando‑se a demonstrações de provocação. A polícia e o exército intervieram logo, travando luta com os díscolos. Houve dez assaltantes mortos e muitos outros foram presos. Também num outro ponto da cidade houve motins. Vários polícias ficaram feridos. Na quarta‑feira, dia 8, os assaltantes atacaram a cadeia de S. Paulo. Morreram 17 assaltantes e muitos foram feridos, efectuando‑se numerosas prisões, tal como já acontecera no sábado, dia 4. A grande maioria dos assaltantes nativos estava fortemente drogados com “marijuana” e possuíam armas brancas (catanas) e armas de fogo de origem checoslovaca. Entre os assaltantes mortos ou presos havia alguns europeus pintados de preto. A polícia e o exército têm efectuado “rusgas” pelos muceques e prendido numerosos indígenas suspeitos de tomarem parte nos assaltos. Perto do cemitério foram encontrados muitos pretos feridos, tratados por duas feiticeiras, num hospital improvisado. Foram todos presos (1)
 
Os polícias da Brigada Móvel terraplanaram os terrenos à volta do quartel, instalaram projectores nos diversos edifícios do dito quartel e cercaram‑no de arame farpado que, segundo dizem, está pronto a ser electrificado no caso de um novo assalto. Na cadeia de S. Paulo foram instalados projectores e a guarda foi reforçada. No Quartel General da PSP a guarda foi reforçada. De vinte em vinte metros encontra‑se um polícia de metralhadora e com a baioneta calada. São ao todo seis polícias e um cipaio. Tirando isto e as “rusgas” aos muceques, tudo está normal, como antigamente. (MLF - 1961.02.23)
 
(1) Toda a população branca da cidade foi aos funerais. Estava tudo dentro do cemitério da Estrada de Catete quando alguém gritou Eles venhem aí! começando a ouvir‑se rajadas de metralhadora. A partir daí foram o pânico generalizado e o caos, com as pessoas a correrem desordenadamente, aos gritos, uns para aqui e outros para ali, todos confluindo para o portão principal do cemitério, pequeno para tão grande avalanche. Lá dentro, havia sapatos pelo chão, pessoas correndo com um pé descalço e outras partindo árvores e estacas de sustentação para improvisadas armas. Conseguimos sair, todos juntos, em direcção à carrinha no meio dos inúmeros veículos que estavam cá fora estacionados. De repente ouviram‑se novas rajadas de metralhadora, e aí deitei‑me no chão, esperando que uma cova se abrisse debaixo de mim para me proteger.

A viagem de regresso fez‑se a passo de caracol e seguramente que muitos brancos teriam sido chacinados se tivesse mesmo havido um ataque. E a imagem que me ficou, perante o absurdo evidente daquela retirada geral sem qualquer segurança, foi a imagem dum negro desolado à beira da estrada, esfarrapado e ensanguentado. Essa noite e os dias que se seguiram foram de represálias e massacres indiscriminados sobre os negros dos musseques, perpetradas pelos civis brancos armados.

ADENDA - Antigamente havia quem escrevesse muito e muitas dessas cartas acabam por ser testemunho dos tempos que corriam, interpretados de acordo com os diferentes ângulos de visão, que também ao longo dos tempos podem mudar. Natural de Angola, estudando em Angola, de Angola pouco sabíamos, como registo no meu poema Raízes. Lembro-me que na 4ª classe havia um pequeno livro de capa avermelhada dedicado à História de Angola, que começava com a chegada de Diogo Cão ou Paulo Dias de Novais. Para trás nada havia e os feitos «celebrados» eram os dos «descobridores» brancos de Portugal, encarregados de levar a «Fé Cristã» e a «Civilização» aos bárbaros que povoavam África desde tempos imemoriais.

Havia salvo erro uma referência à rainha Nzimba Mbandi NGOLA (reinos do Ndongo e de Matamba) (http://kantoximpi.blogspot.com/2007/01/mulheres-angolanas-histricas-1-ana.html Mas depois, no ensino secundário, Angola desaparecia perante a omnipresença de Portugal Continental,, o «Puto», como se dizia. E no entanto, nos livros em inglês ou em francês que me ofereciam nas datas festivas, Portugal resumia-se quanto muito, a uma escassa meia dúzia de linhas, talvez apenas a Vasco da Gama e Fernão de Magalhães. Afinal, como descobri depois, havia uma outra história e outras culturas e mundividências e o começo da guerra em Angola contra os «brancos» (http://kantoximpi.blogspot.pt/2007/02/colonizao-e-resistncia-em.html) começara muitos séculos antes, praticamente desde a chegada dos portugueses ao território que daria origem a uma colónia denominada Angola, «juntando» povos rivais, cuja divisão se fomentava, dentro do princípio de que para reinar é preciso dividir e acirrar os antagonismos.

Mas, mesmo entre os brancos, (http://kantoximpi.blogspot.pt/2007/02/o-desenvolvimento-econmico-e-o-fim-da.html havia quem quisesse a independência de Angola, cujo desenvolvimento económico a Metrópole coarctava. Mas esta seria para muitos uma independência que lhes permitisse manter a sua situação privilegiada face à esmagadora maioria da população, do mato e dos musseques.


RAÍZES
 
"Maianga Maianga
Bairro antigo e popular
Da velha Luanda
Com palmeiras ao luar ..."

''A Praia do Bispo
Cheiinha de graça
De manha á noite
sorri a quem passa ..."

(das Marchas Populares em Luanda)


Longo era o bairro ao longo da marginal
Longo era o bairro do morro de S. Miguel ao morro da Samba
Grande era o bairro e grandes as casas
No meio o bairro operário e a igreja de S.Joaquim,
estreitas as ruas, pequenas as casas.

Nas traseiras, o morro,
no alto o Palácio,
Na frente a larga avenida,
o paredão, as palmeiras e os coqueiros
a praia que já não era do Bispo
mas das pedras, dos limos e dos detritos.

Mais além a ilha que era península
com a sanzala dos pescadores
casas de colmo no areal da extensa e boa praia
o mar sem fim.

Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei

Não Angola mas Portugal
Todas as estações e apeadeiros,
Todos os rios e afluentes
Todos as montanhas e colinas
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.

De Angola
pouco sabiamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
a mentira
que alimenta
a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade.

Em Évora a 11 de Novembro
Em Luanda a bandeira do meu país
no mastro subiu.
Era o tempo da liberdade e da esperança.

No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Suzana.

Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho

Perdidos os amigos,
perdida a infância
Estrangeiro sem raízes sou em Portugal.

Victor Nogueira - 1982 (Setúbal) 

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Ver aqui, por Vítor Dias no seu blog O tempo das  Cerejas
03 FEVEREIRO 2013

Há 60 anos
O massacre colonialista de Batepá em S. Tomé e Príncipe

http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2013/02/ha-60-anos.html


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Se quiseres, podes ver aqui a série

Mulheres Angolanas Históricas

http://kantoximpi.blogspot.pt/search/label/Mulheres%20Angolanas%20Hist%C3%B3ricas

 
 
 
Imbondeiro - ao nascer ou pôr do sol

 
tráfico de escravos

 
Luanda - Avenida Marginal da Praia do Bispo, vista da Fortaleza de S. Miguel, em direcção a sul - Fevereiro 1962

Luanda - Fortaleza de S. Mguel e avenida marginal Paulo Dias de Novais

 
Luanda - Pôr do Sol visto da Fortaleza de S. Miguel

 
Conferência de Berlim - a partilha da Ásia e de África pelas potências europeias (cartoon)

cartoon

 
A cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda, a baía da e o morro de S. Miguel, com a fortaleza (Outras havia para defender a cidade e a entrada na enseada.

 
Romance de Pepetela passado em Luanda/Massangano no século XVII

 
 
Ilustração da rainha Nzinga em negociações de Paz com o governador português em Luanda em 1657. - tendo sido recebida pelos portugueses, estes não lhe ofereceram assento pelo que ordenou a una escrava que se pusesse de modo a que se pudesse sentar nela. Ao retirar-se chamaram-lhe a atenção que deixara a escrava, tendo retorquido que não costumava levar com ela o assento (gravura da época).

 
rainha Nzimba Mbandi NGOLA (gravura da época)




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