Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

domingo, 16 de outubro de 2022

Em Luanda, á sombra da Fortaleza de S. Miguel

 * Victor Nogueira


Foto de família - Em Luanda, á sombra da Fortaleza de S. Miguel, no passado milénio.


O bólide é o Ford Consul que a minha mãe adquirira, depois de dar o grito do Ipiranga e ter arranjado trabalho como professora.

Ao chegar a Luanda, em 1945, como engenheira química, a minha mãe teve várias ofertas de emprego em fábricas, ao que o cônjuge, engenheiro civil, se opôs que aceitasse.

Na altura o meu pai estava desempregado, pois havia pedido a demissão na Câmara Municipal de Luanda, por não ter aceite e alinhado com os cambalachos.

Uma década depois a minha mãe resolveu deixar o papel de ser a "fada do lar" e empregou-se como professora.

Nesses tempos o meu pai ainda não ultrapassara a educação paterna, dominante numa sociedade patriarcal, de que a mulher não precisa de grandes estudos e que o seu lugar é a casa ou lar, entre tachos e panelas, como submissa "escrava" ou como submissa "fada do lar", na estrita dependência do "pater familias".

Na verdade, face á decisão da minha mãe e consequência da educação paterna numa sociedade patriarcal, o meu pai declarou-lhe então que arranjara um emprego mas perdera um marido.

Não aceitando então o "grito do Ipiranga" da minha mãe, a decisão desta levou á crescente deterioração das relações conjugais, que culminou com o divórcio aos oitenta anos, ultrapassada a injunção da indissolubilidade do matrimónio católico.

Contrariando o meu pai, a minha mãe impusera que partiria para Luanda apenas após a conclusão do curso de engenharia e da celebração do casamento, não pelo civil, mas católico.

Enquanto que a minha família no lado paterno, alentejano era ateia (embora no fim da vida o meu pai e o meu avô se declarassem agnósticos). no ramo materno, minhoto e transmontano, eram católicos assumidamente praticantes e não de fachada, com António de Sousa Barroso, primo direito de António dos Santos Barroso, meu avô materno.

António de Sousa Barroso foi missionário em Angola no antigo Reino do Congo, e, posteriormente, foi Bispo do Porto, conhecido como o "Pai dos Pobres", com arrastado processo de beatificação, que então celebrara o casamento entre os meus avós António e Francisca, mas que nos alvores da I República foi por esta duas vezes condenado ao exílio, por se opor, corajosa e militantemente, á separação entre a Igreja e o Estado, defendida pelos Governos da I República.

António de Sousa Barroso teve em Luanda uma avenida com o seu nome e figurou numa nota fiduciária de Angola, no valor de 20 angolares, embora para a minha mãe tudo isso nunca tivesse assumido especial relevância

Registe-se, em abono da verdade, que apesar do seu ateísmo, o meu pai, tolerantemente, nunca se opôs á educação católica dos seus filhos.

2022 10 16


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