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Introdução
A paisagem ribeirinha portuguesa guarda, ainda hoje, marcas profundas da relação antiga entre o ser humano, a água e a moagem dos cereais. Entre margens baixas, várzeas, esteiros e ribeiros encaixados, surgem duas tipologias de engenhos que moldaram a economia agrícola durante séculos: as azenhas — movidas pela força constante de ribeiras e cursos de água interiores — e os moinhos de maré, tecnológicos e dependentes do pulso das marés, característicos sobretudo dos grandes estuários.
PARTE I — AO LONGO DO TEJO: ENTRE RIOS, CANAIS E MARÉS
O Tejo, especialmente no seu estuário, tornou-se um território excecional para o desenvolvimento de moinhos movidos pela maré. À montante, nas ribeiras que descem das serras e colinas ribatejanas, persistem memórias das antigas azenhas que abasteciam aldeias e pequenas comunidades agrícolas. São duas realidades complementares: a força ritmada da maré e a força contínua das águas doces.
1. As azenhas do Tejo e seus afluentes
O percurso começa nas terras altas do Médio Tejo. Em Mouriscas, concelho de Abrantes, o antigo Canal de Alfanzira corre paralelo ao Tejo, recordando um sistema que chegou a alimentar cerca de quinze azenhas, dispersas entre o canal e a Ribeira da Arcês, onde existiam ainda outras unidades moageiras. Embora muitas tenham desaparecido ou se encontrem em ruína, a toponímia e os relatos locais continuam a revelar a importância económica deste conjunto.
Mais a jusante, na freguesia de Rio de Moinhos, as memórias das azenhas multiplicam-se. A ribeira que dá nome à freguesia alimentou, durante séculos, vários pequenos moinhos de roda vertical, essenciais para o abastecimento de farinha às populações da margem direita do Tejo. Hoje, sobrevivem sobretudo ruínas e estruturas reaproveitadas, mas o património é atestado por registos municipais e roteiros locais.
2. Os moinhos de maré do estuário do Tejo
Descendo para o estuário, a paisagem transforma-se e os engenhos aumentam de escala. Os moinhos de maré surgem onde a amplitude da maré permite o enchimento e esvaziamento de grandes caldeiras, capazes de mover várias mós em simultâneo. A margem sul é, hoje, o maior repositório português deste património.
Alcochete e Samouco
O imponente Moinho de Maré de S. João, em Alcochete, apresenta uma arquitetura sólida, marcada por arcos construídos em cantaria e paredes caiadas. Próximo, no Samouco, subsiste o Moinho de Maré do Samouco, de cronologia setecentista, menos imponente mas igualmente representativo da engenharia tradicional costeira.
Montijo
Na antiga Aldeia Galega do Ribatejo, distinguem-se o Moinho da Moura e o Moinho de Santo Isidro, ambos documentados, o primeiro em ruína consolidada, o segundo mais degradado. Estes moinhos, situados junto aos esteiros do Montijo, formavam um núcleo moageiro com grande atividade até ao século XIX.
Seixal
O mais célebre de todos é, sem dúvida, o Moinho de Maré de Corroios, fundado em 1403 e hoje completamente restaurado e integrado no Ecomuseu Municipal do Seixal. A sua robusta caldeira e o interior cuidadosamente recuperado permitem compreender, com precisão, o funcionamento destas estruturas.
Muito próximo encontra-se o Moinho da Quinta da Trindade, já em ruínas, mas ainda com a volumetria e os arcos de maré claramente visíveis.
Barreiro
O Barreiro é um dos maiores polos molinológicos do estuário, com o Moinho Pequeno, o Moinho Grande e várias outras estruturas associadas aos antigos complexos industriais da CUF. O Moinho Grande, em particular, constitui um raro exemplo de moinho de maré ligado à indústria moderna, com múltiplas fases de ampliação ao longo do século XIX.
Lisboa (históricos)
Em Lisboa existiram vários moinhos de maré e de queda, especialmente em Xabregas e Alcântara, hoje desaparecidos. Os arquivos municipais e o SIPA preservam a documentação histórica, mesmo que as estruturas físicas se tenham perdido com o crescimento urbano.
PARTE II — O SADO E A SUA REDE DE MOINHOS
O estuário do Sado, mais sereno mas igualmente profundo e vasto, sustentou também uma importante rede molinológica. Aqui, ao contrário do Tejo, coexistem de forma mais equilibrada moinhos de maré e azenhas rurais, sobretudo a montante, em terras de Alcácer do Sal e Santiago do Cacém.
1. As azenhas e moinhos de água do Sado
Na freguesia de Alvalade, no concelho de Santiago do Cacém, subsistem referências a várias azenhas — em Gaspeia, Monte Branco, Algêda, Gamita e Gamitinha — muitas delas ainda observáveis como ruínas estruturais. São moinhos de roda vertical, instalados junto a ribeiras que descem para o Sado e que mantiveram atividade bem para dentro do século XX.
O Moinho da Gamita, em Ergidas-Sado, é um dos casos mais estudados, destacado por publicações municipais como um exemplar de grande valor molinológico, concebido para resistir às cheias fortes características da região.
Do mesmo modo, a Ribeira de Campilhas conserva vestígios de antigas azenhas, associadas aos circuitos agrícolas de Alvalade. Este conjunto constitui um património rural disperso, mas fundamental para a história da agricultura alentejana.
2. Os moinhos de maré do estuário do Sado
O Sado possui menos moinhos de maré do que o Tejo, mas os que existem são particularmente importantes e fotogénicos.
Mouriscas (Setúbal)
O Moinho de Maré das Mouriscas, restaurado e integrado num espaço natural protegido, é um dos mais bem conservados. A construção assenta sobre arcos robustos e mantém o perfil clássico do moinho de estuário.
Mitrena
O Moinho de Maré da Mitrena, situado próximo do complexo industrial de Setúbal, apresenta paredes degradadas mas estrutura facilmente reconhecível. É um testemunho resiliente das antigas práticas de moagem em marés vivas e mortas.
Praias do Sado
O moinho das Praias do Sado encontra-se em estado mais avançado de degradação, mas continua a ser identificado graças aos seus arcos de maré e às fundações em cantaria, visíveis em maré baixa.
Barrosinha (Alcácer do Sal)
Subindo o rio, destaca-se o Moinho de Maré da Barrosinha, hoje em bom estado de conservação e frequentemente integrado em roteiros turísticos de Alcácer do Sal. A sua caldeira e arcaria revelam um engenho sólido, capaz de moer várias mós.
Carrasqueira
O pequeno, mas significativo, Moinho de Maré da Carrasqueira, situado perto dos palafíticos, mantém parte da sua volumetria original e é um dos mais fotografados, mesmo em ruína parcial.
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