* Victor Nogueira
Natal de calor sufocante, com humidade que colava miríades de gotículas de suor ao corpo, com violentas tempestades, aterradoras trovoadas riscadas de raios, era o de Luanda, com a única maravilha da praia. O Natal, esse ainda era mais faz de conta, um pai Natal enfarpelado qd tudo andava em mangas de camisa, a neve da árvore representada com flocos de algodão ou o esguicho dum spray em bisnaga, o presépio com animais que nunca víramos: carneiros, burros, vacas .... Era um Portugal de faz de conta onde a única maravilha real era o alvoroço de acordar manhã cedo, a 25 de Dezembro, para desembrulhar as prendas, mais dadas pelo Menino Jesus quase despido que propriamente por um Pai Natal encalorado em desapropriadas vestes. E como vivíamos num Portugal de faz de conta que a nós, angolanos por nascimento e vivência, nada nos dizia, o ano lectivo era igual ao de cá, mas com Verão/calor infernal durante 9 meses e as férias grandes na época "fria". Com o Euromilhões bastava-me um clima temperado como o da costa mediterrânica 😊 Dum estrangeiro em Portugal, apátrida, ao contrário do que diz o BI
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Sabes, a 2ª vez que estive em Portugal. tinha 16 anos e desembarquei em pleno inverno, a caminho dum Porto cinzento, frio e chuvoso, mas com, um calor humano nas ruas que já não existe ou já não sinto. A terceira vez tinha 20 anose. descia em Lisboa a calçada da estrela até económicas, no Quelhas, transido de frio, noite cerrada ainda às 8 da manhã (em Luanda já era dia às 5/6 da manhã), mal conseguindo falar ou escrever, os lábios e os dedos gelados como prisões, admirado pelas nuvens de fumo saindo pelas narinas dos guarda nocturnos, dos pessoas com quem me cruzava, dos burros ja desaparecidos, puxando carroças, num tempo em que os pobres andavam a pé, de bicicleta ou de motorizada, em cidades onde os automóveis eram ainda uma raridade. Deste País de faz de conta e do meu país falo no poema Raizes
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Ao fim dum ano em Portugal, tão pequenino, tão mesquinho, tão vistas curtas, o nosso desejo era regressar a África. Mas para mim significava ter de andar para trás, para mudar de alínea e seguir engenharia. Em história falava-se nas largas artérias pombalinas, espantosas ruelas qd as vi pela 1ª vez, face às largas avenidas e ruas de Luanda LOL
E só voltei a sentir calor humano e solidariedade nas aldeias do Alentejo, mas não nas vilas e cidades, onde vivi, nas gentes da Beira Baixa, por onde deambulei, e do Barreiro, onde trabalhei.Fiquei em Setúbal pk me fazia lembrar Luanda, mas esta é uma cidade individualista, um deserto, um cada um por si mas tudo coscuvilhando, um deserto cercado de maravilhas naturais que a mão do homem ainda não destruiu, ao contrário do que tem feito à cidade
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Ana, ainda existirá o Barreiro de humanidade onde trabalhei e, apesar de tudo, fui feliz ?
2 de Novembro de 2010
O texto que você compartilhou é uma rica e nostálgica reflexão sobre as experiências vividas entre Luanda e Portugal, explorando temas de identidade, pertencimento e a dicotomia entre diferentes culturas e climas. Através de uma prosa poética, o autor expressa um profundo contraste entre as vivências em Angola e Portugal, ressaltando a peculiaridade de um Natal e, mais amplamente, de uma vida que não se encaixa completamente em nenhum dos dois contextos.
### Análise do texto:
1. **Clima e ambiente**:
- A descrição do Natal em Luanda, "calor sufocante" e "humidade que colava miríades de gotículas de suor", evoca uma sensação palpável que contrasta com a imagem tradicional de um Natal ocidental, associada ao frio e à neve. Essa dissonância é sublinhada pela imagem "um pai Natal enfarpelado" e "a neve da árvore representada com flocos de algodão", que reforçam a artificialidade da celebração em um lugar onde as condições climáticas são totalmente diferentes.
2. **Identidade cultural**:
- O autor reflete sobre o seu lugar como angolano, mesmo vivendo em um "Portugal de faz de conta", onde as tradições e experiências não ressoam plenamente com a sua realidade. Essa sensação de alienação é evidente na sua expressão "nada nos dizia", o que sugere uma crítica à desconexão entre as tradições culturais e a vivência real.
3. **Experiências pessoais**:
- As lembranças das diferentes visitas a Portugal, desde o frio e o cinza do Porto até o calor humano das pessoas, oferecem um contraste emocional. O calor humano é uma expressão importante, já que, apesar do clima frio, as interações humanas têm um impacto significativo nas memórias. Contudo, a busca por esse calor parece não se traduzir da mesma forma nas cidades e vilas que ele visitou.
4. **Reflexão sobre a vida**:
- A descrição da transição de vida em Angola para Portugal é acompanhada por um sentimento de perda e saudade, particularmente na menção ao desejo de "regressar a África". A ideia de "andar para trás" e "mudar de alínea" sugere uma luta entre seguir os caminhos esperados e a busca por algo mais autêntico. Este conflito interno reflete as dificuldades enfrentadas por muitos imigrantes ou expatriados que se sentem deslocados em novas terras.
5. **Solidão e individualismo**:
- O autor revela um descontentamento com o individualismo observado nas cidades portuguesas, onde "cada um por si" predomina. A descrição de Setúbal como "um deserto" contrasta ainda mais com as memórias de comunidades mais unidas, especialmente nas aldeias do Alentejo, onde você reitera o calor humano e a solidariedade que sente falta em outros contextos urbanos.
6. **Esperança e saudade**:
- A pergunta final sobre a existência do "Barreiro de humanidade" onde trabalhou reflete uma busca por lembranças de felicidade e conexão humana, e esta saudade parece fortemente enraizada nas experiências vividas. Essa nostalgia pela humanidade e pela comunidade é um tema comum na literatura de experiências pós-coloniais e imigração.
### Considerações Finais:
Esse texto é uma poderosa meditação sobre identidade, pertencimento e as experiências que moldam quem somos. Ele une memórias pessoais com observações sociais mais amplas, criando uma narrativa emocionalmente ressonante. Se você tiver interesse em discutir mais detalhes sobre qualquer aspecto do texto ou explorar temas relacionados, estou à disposição!
-1972 - Um Natal em Beja
Pois eu cheguei a Évora ontem à noite, cerca das 23:30, vindo de Beja, onde estive domingo e segunda, em casa dos tios do Camilo e na companhia de mais dez adultos e umas catorze crianças, do recém‑nascido ao Pedro e à Teresa, os mais velhos com os seus treze anos. [1] Aquilo não era uma casa, era um quartel familiar ... que me "adoptou" por dois dias. Por todas as salas não se viam senão miúdos. Domingo à tarde, horas antes da consoada, andava o Camilo ás voltas com a árvore de Natal e presépio, com a mania das perfeições e de as coisas serem como ele queria. Tenho a impressão que se não fosse o aparecimento da tia Emília, ou aquilo nem para o ano estaria pronto ou o tio Jacinto terminaria aquilo a grande velocidade, sem preocupações perfeccionistas. Sim, que afinal parecia‑me que o Camilo não queria nem deixava fazer, pedindo mas não aceitando as minhas sugestões. Enfim ... Fosse eu romancista e estes dois dias teriam muito peso na minha renomeada. O mais interessante foi a tia freirinha, a irmã Maria, que se percebi bem saiu pela primeira vez em 24 anos de convento, e que tentava catequizar as crianças com umas prédicas tais que nem ouvidas! Ah!Ah! Os miúdos é que se divertiam depois nos seus grupos, relatando e comentando as suas havidas conversas particulares, e que eu ouvi porque eles são desinibidos por educação - todos me tratavam por tu e por Victor, que é como eu gosto - e também porque não devo ter cara de polícia. Gosto de miúdos e acho que tenho um certo jeito para estar com eles. Desta vez o João passou o tempo com o "Vitinhas", subindo‑lhe para o colo, fazendo‑lhe imensas perguntas ou mostrando os brinquedos e o modo como funcionavam, brinquedos que, na sua maioria, ao fim do 2º dia já andavam muito combalidos. Entretive‑me com um automóvel electrificado, com comando à distância, o que permitia manobrá-lo em todas as direcções. (MCG - 1972 NATAL)
O trecho "Um Natal em Beja" retrata de maneira vívida e calorosa o ambiente familiar e as dinâmicas que ocorrem durante as festividades natalinas em uma casa cheia de vida. A escrita é rica em detalhes que evocam a complexidade das interações sociais e a alegria da convivência familiar, mesmo em meio a tensões e peculiaridades.
### Análise do texto:
1. **Ambientação e atmosfera**:
- O autor inicia situando o leitor na viagem a Évora, indicando a passagem do tempo e o movimento geográfico e emocional. A descrição da casa dos tios do Camilo como um "quartel familiar" sugere uma atividade intensa e uma certa desordem, típica de grandes reuniões familiares, onde a presença de crianças amplifica o burburinho e a energia do ambiente.
2. **Personagens e interações**:
- O destaque ao "Camilo", cuja necessidade de perfeição nos enfeites de Natal se contrasta com as realidades das festividades familiares, proporciona um toque de humor e estabelece um conflito de personalidade. A figura da tia Emília aparece como uma mediadora que traz um pouco de ordem ao caos, mostrando a típica dinâmica familiar onde diferentes personagens desempenham papéis distintos.
- A "tia freirinha, a irmã Maria", que sai do convento pela primeira vez em 24 anos, traz um elemento quase cômico com sua tentativa de catequizar as crianças. Essa tentativa falhada, diante da indiferença ou desinteresse dos pequenos, espelha as realidades da catequese familiar, onde a mensagem muitas vezes se perde entre as alegrias inocentes da infância.
3. **A relação com as crianças**:
- O autor expressa um carinho genuíno pelas crianças, evidenciado pela maneira como ele se envolve com elas. Seu relato das interações, como o "João" passando tempo com o "Vitinhas", é encantador e revela uma habilidade de conectar-se com os mais jovens, um aspecto da personalidade do narrador que transparece em suas observações.
- O brinquedo com comando à distância é um símbolo de modernidade e entretenimento da época, que também reflete a natureza efêmera dos brinquedos e da infância.
4. **Estilo e tom**:
- A escrita combina elementos narrativos e descritivos com um tom leve e bem-humorado. Frases como "pedindo mas não aceitando as minhas sugestões" e "Ah!Ah!" inserem uma voz pessoal e íntima, fazendo o leitor sentir-se parte das lembranças e experiências do autor.
- O uso de expressões coloquiais e a informalidade no trato com os personagens ("todos me tratavam por tu e por Victor") contribuem para a sensação de proximidade e familiaridade.
5. **Reflexões sobre a festividade**:
- Embora o foco esteja nas interações e na vivência do Natal, subjaz um sentido de nostalgia e um reconhecimento da complexidade das relações que se formam dentro das famílias. O Natal, aqui, é tanto uma ocasião de celebração quanto um espaço para lidar com as dinâmicas familiares.
- A celebração se torna um momento de lembranças compartilhadas, onde as imperfeições da vida cotidiana se misturam ao espírito do Natal.
### Considerações Finais:
Este trecho capta de maneira sensível a essência do Natal em um contexto familiar português, oferecendo insights sobre a convivência e os laços que unem as pessoas em celebrações. A aparência de caos e energia é equilibrada por momentos de carinho e humor, fazendo com que o leitor não apenas visualize a cena, mas também sinta a emoção que a acompanha. Se você quiser discutir mais sobre as motivações, o contexto ou outros aspectos do texto, estou aqui para ajudar!
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