Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

sábado, 21 de dezembro de 2024

O chatGPT efabula na minha prosa (07) - Mindelo, Luanda, Lisboa, Porto e Setúbal

 * Victor Nogueira


1990

Passei  as férias lá para o Norte

Está uma tarde soalheira, neste final de verão e aproveito a lazeira para agarrar na "machine" e alinhavar umas linhas na sequência da inesperadamente volumosa missiva  da Musa d'Ante, que consegui traduzir na sua quase totalidade, embora lembrando-me do tempo em que me virava para  a minha secretária e Ihe pedia para decifrar-me o que eu havia escrito, o que ela normalmente conseguia. Só que neste caso o pergaminho é doutrem e a dourada prateleira em que estou nem  a moço de fretes dá direito! Enquanto escrevo aguardo que do INE me atendam, do outro lado da linha, enquanto ouço  uma música estilo cavalgada heróica bachiana.(...)

Já me atenderam  voltei ao meio do barulho do rádio ali da sala ao lado e a alto ronronar do aparelho de ar condicionado; antes a música heroicamente bachiana! É o meu segunda dia de "trabalho" post-férias e vai-me faltando a paciência para aturar estes dias de nada fazer que já completaram alguns demasiado largos semestres.

Passei  as férias lá para o Norte, para as bandas do berço da nacionalidade, visitando o castelo de Guimarães; igrejas românicas e citâneas celtibéricas, como Sanfins  e Briteiros. Uma aventura andar a conduzir naquelas estreitas e  sinuosas veredas, mal sinalizadas, com pessoas simpáticas que se  metem no carro para nos indicarem o caminho, quando não nos dizem que é já ali à direita enquanto apontam a esquerda, já  ali a dois quilómetros, que não pertencem ao sistema métrico do contador do Renault 5, que os multiplica sempre por quatro ou cinco. Mas outro factor de aventura resulta de possuírem outro código de estrada: não abrandam nas cruzamentos, mesmo que se apresentem pela esquerda, o STOP não existe, os motociclistas não usam capacete e entram nas curvas a cortar a direito, os peões ficam aparvalhados à beira da passadeira quando paramos para lhes dar passagem, enquanto os automobilistas não facilitam mesmo nada para entrarmos na "corrente".

Mas aventura também porque assim, deste modo, não há programa que resista, chegando a noite sem o  cumprimento dos objectivos fixados de véspera, na mesa, debruçado sobre o mapa e o guia turístico das preciosidades a visitar ou a vislumbrar. Assim ainda não foi desta que fui ao Gerês, a Trás-os-Montes ou bordejando a margem norte do Rio Douro, para montante.

Mas o Norte está diferente e poucos troços verdejantes se encontram ao longo dos caminhos ou pelos atalhos. Casas, muitas casas,  sejam ou não "maisons" dos "avec" que irrompem agressivamente na  paisagem, numa fúria de "apagar" o passado, sejam ou não melhoradas as  condições de habitabilídade; os campos e as povoações já  não ostentam aquele equilíbrio entre o "natural" e o humanizado.

No Mindelo, onde os meus pais herdaram a casa  de verão do meu avô materno, já pouco resta do antigamente, havendo um contraste nítido entre o coração do povoado inicial e as "cogumélicas" casas de grandes ou menos grandes e cuidados jardins que nascem à beira-mar duma praia rochosa e arenosa que cheira a iodo. Das casas  do Zé Povinho, persistem algumas poucas e arruinadas, de granito, que desta feita a máquina fotográfica registou.

Mas, passado o Verão, o Mindelo e a Póvoa de Varzirn retomam a calma e pasmaceira que os "turistas" quebram com o seu "cosmopolitismo" e juventude. Já em Vila do Conde, onde ainda se mantém o ar antigo e uma ou duas  ruas manuelinas; (com mais janelas e portas do que em Setúbal), o equilíbrio e o sossego mantém-se pelo ano inteiro.

O trecho que você compartilhou é uma reflexão pessoal e nostálgica sobre uma viagem ao Norte de Portugal, marcada por um olhar crítico sobre as mudanças na paisagem, as tradições e a vida cotidiana. A prosa é rica em detalhes, capturando a essência da experiência de viajar e o contraste entre o que foi vivido e o que se encontra atualmente.

### Análise do texto:

1. **Tom e ambiente**:

   - O começo do texto estabelece um ambiente relaxado e contemplativo: “Está uma tarde soalheira” e “aproveito a lazeira”. Esta atmosfera é rapidamente contrastada com a frustração do autor em relação ao trabalho pós-férias e as dificuldades administrativas, como a espera pelo atendimento no INE. O uso de um tom leve e irônico dá ao texto um caráter acessível e próximo do leitor.

2. **Experiência de viagem**:

   - O autor descreve a experiência de visitar locais históricos, como Guimarães e igrejas românicas, que representam a rica herança cultural de Portugal. A menção às “estreitas e sinuosas veredas” e à dificuldade em navegar pelas estradas destaca a aventura da condução em uma região com características particulares.

   - O relato das interações com os habitantes locais revela uma simpatia, mas também um senso de confusão diante dos costumes diferentes. As descrições de como os motoristas lidam com os cruzamentos refletem uma crítica à falta de regras de trânsito e à imprudência, enquanto também sugerem uma certa autenticidade na vivência local.

3. **Mudanças na paisagem**:

   - A reflexão sobre como o Norte está “diferente” é central na narrativa. O autor evidencia a “fúria de apagar o passado” e a transformação das paisagens rurais em áreas urbanizadas ou suburbanas, onde “poucos troços verdejantes” permanecem. Essa observação sugere uma perda da conexão com a natureza e a identidade cultural.

   - O contraste entre as “cogumélicas casas” modernas e as “casas do Zé Povinho” históricas ressalta a disparidade entre o antigo e o novo. O uso de termos como "cogumélicas" pode ser interpretado como pejorativo, implicando uma crítica à homogeneização arquitetônica que muitas vezes vem com a modernização.

4. **Nostalgia e memória**:

   - O autor menciona o Mindelo e a casa de verão da família, trazendo à tona memórias pessoais que instigam um sentido de nostalgia. A descrição do local e a mudança percebida ao longo do tempo destacam a relação emocional com o espaço e as tradições familiares.

   - As “poucas e arruinadas” casas de granito representadas pela máquina fotográfica sugerem uma tentativa de preservar a memória do que foi, oferecendo um contraste entre a durabilidade das lembranças e a efemeridade da construção contemporânea.

5. **Observações sociais**:

   - O texto também toca na interação entre turistas e a comunidade local, destacando como “os turistas” introduzem um “cosmopolitismo” que altera o ritmo e a dinâmica da vida nas áreas visitadas. O autor observa uma diferença no que é considerado “equilíbrio” e "sossego" em diferentes localidades.

   - A separação entre as experiências nos diferentes lugares, como Vila do Conde, que “mantém o ar antigo”, revela um desejo do autor por locais que preservem sua essência e tranquilidade, contrastando com a agitação dos destinos turísticos.

### Considerações Finais:

Este trecho é uma amostra rica e envolvente da vivência de um viajante que reflete sobre a evolução de um lugar querido ao longo do tempo. Com uma mistura de observações críticas e memórias afetivas, o texto oferece uma visão íntima da transformação cultural e da busca por conexões autênticas em meio à modernidade. Se você quiser discutir mais sobre algum aspecto específico do texto ou explorar outros temas, estou à disposição!


Eis-me, pois, regressado a Setúbal 

Eis-me, pois, regressado a Setúbal, onde amanhã começa mais um Festival de Teatro, este homenageando o Mário de Sá Carneiro, mas que não me seduz muito pelo programa apresentado. Outrora sempre vinham cá companhias de todo o país, das consagradas, que nos permitiam ver ou rever as peças durante o ano representadas em Lisboa, Porto e arredores. E assim se vai perdendo o teatro. Mas não só o teatro. Agora foi a vez do Casino Setubalense, últimamente especializado em pornografia, após a fase do kung-fu e dos lacrimejantes filmes indianos, onde uma vez consegui ver "Por Favor Não Me Mordam o Pescoço", do Polanski, por uma daquelas insólitas surpresas proporcionadas pelo exibidor. Segue-se este encerramento ao do Luísa Todi (agora Forum Municipal), ao do Bocage, ao do Grande Salão Recreio do Povo (agora Banco, preservada a fachada) ou ao do Salão da Sociedade Recreativa Perpétua Azeitonense. Consequências do vídeo, embora nada se compare ao envolvimento duma ecrã maior ou menor ou do cavaquear no intervalo,  ritual também já ultrapassado nas salas de bolso que proliferam nos centros comerciais, desaguando os espectadores directamente para os corredores "montrados" e feéricamente coloridos.

(...) Já o sol e a lua se puseram desde que. as linhas anteriores foram escritas, o que significa que este é um novo dia, oscilando entre o sol quente e o cinzento nublado ameaçador de chuva.

O excerto que você compartilhou oferece uma reflexão melancólica sobre a evolução cultural de Setúbal, especificamente em relação ao teatro e ao entretenimento em geral. O tom nostálgico permeia a narrativa, revelando um descontentamento com as mudanças que certos espaços culturais passaram ao longo do tempo.

### Análise do texto:

1. **Contexto Cultural e Histórico**:

   - A menção ao "Festival de Teatro" que homenageia Mário de Sá Carneiro sugere um desejo de continuidade e reconhecimento de figuras importantes da cena teatral portuguesa. Contudo, a expressão de desilusão com o programa do festival indica uma percepção de que a qualidade e a diversidade das produções teatrais diminuíram ao longo dos anos.

   - A passagem que menciona as companhias teatrais que anteriormente se apresentavam em Setúbal ilustra uma época em que a cidade era mais vibrante culturalmente. O contraste entre o passado, onde se viam peças conhecidas, e o presente, onde essas oportunidades se tornaram escassas, reflete uma perda significativa para a vida cultural da cidade.

2. **Transformações em Locais de Entretenimento**:

   - O autor menciona uma série de locais que encerraram suas atividades, como o Casino Setubalense e outros espaços recreativos, enfatizando a transformação do que antes eram centros de cultura e interação social em espaços que se dedicam a formas de entretenimento menos elevadas ou mais comerciais.

   - A referência ao Casino que "ultimamente especializado em pornografia" e a fase de exibições de kung-fu e filmes indianos sugere uma busca de lucro que despreza o valor artístico e cultural, evidenciando uma perda da "sacralidade" dos espaços culturais.

3. **Impacto da Tecnologia e Mudanças nos Hábitos**:

   - A menção às consequências do vídeo e das salas de cinema que proliferam nos centros comerciais destaca a mudança nos hábitos de consumo cultural. O texto sugere que a experiência de ir ao teatro ou ao cinema como um ritual social está a ser substituída por formatos menos envolventes, implicando um desinteresse crescente pela cultura ao vivo.

   - O contraste entre “o envolvimento duma ecrã maior ou menor” e o “cavaquear no intervalo” alude à ideia de que as experiências audiovisuais se tornaram cada vez mais isoladas e menos comunitárias.

4. **Mudança de Estação**:

   - O fechamento com a observação do ciclo do dia, "oscilando entre o sol quente e o cinzento nublado ameaçador de chuva", simboliza uma transição não apenas no tempo, mas também no tom do texto. Essa dualidade serve como uma metáfora para os sentimentos expressos de nostalgia e desilusão. O sol pode simbolizar esperança e vitalidade, enquanto o céu nublado evoca incerteza e um futuro sombrio para o cenário cultural.

   - O uso de expressões que mostram a passagem do tempo e a mudança de condições climáticas ajuda a reforçar a ideia de que a cultura e a vida social estão em um estado de transformação constante.

### Considerações Finais:

Este trecho é uma crítica e uma reflexão sobre a complexidade da vida cultural em Setúbal, expressando uma profunda tristeza pelas transformações que desvalorizam as tradições teatrais e os espaços de interação comunitária. Ao unir observações sobre o passado e o presente, o autor nos leva a considerar o que foi perdido e o que pode ainda ser recuperado nas experiências culturais. Se você tiver interesse em discutir mais sobre qualquer aspecto desse texto, estou aqui para ajudar!

 Não conhece Lisboa?

Então falemos um pouco desta tão cantada cidade, paraíso dos turistas. Podemos talvez fazer umas comparações com o Porto. Como todas as grandes cidades tem ruas ladeadas de casas, umas velhas, outras novas, automóveis, gente, muita gente, barulho (de prédios em construção, de buzinas, de travagens, pessoas que falam, pessoas de todos os feitios, para todos os gostos). É mais alegre que o Porto: mais luminosa, mais ampla, com muitas ruas modernas, tal como em Luanda. Mas, como no Porto, também possui os seus bairros antigos, de vielas estreitas e tortuosas [como na Ribeira], tão estreitas que o vizinho do prédio em frente facilmente nos dá uma "bacalhoada". Esta é a parte que eu conheço pior. As outras são-me mais familiares. Gosto de andar por estas ruas, cheias de gente, que anda em todas as direcções, com os mais variados destinos. Gosto... e não gosto. Podemos andar à vontade, sem encontrar alguém conhecido. Mas... nem sempre nos agrada a solidão que transpira por estas ruas. Cada qual preocupa-se quase exclusivamente consigo; é o preço das grandes cidades, onde os homens frequentemente se transformam em máquinas, em autómatos. Enganar-me-ei ao dizer que no Porto respira-se um ar mais humano, menos artificial ?!!! De qualquer modo foi esta a impressão que me ficou da visita feita esta Páscoa e confirmada esta semana. Mas entre o Porto humano, que me atrai, e esta Lisboa alegre, sem dúvida, cheia de sol, mas por vezes fria, irritante, continuo a preferi-la (MFR - 1967.08.02)


O trecho que você compartilhou traz uma reflexão rica sobre as diferenças entre Lisboa e o Porto, apresentando uma visão pessoal e crítica da vida urbana em ambas as cidades. Essa comparação destaca não apenas as características físicas e atmosféricas de cada lugar, mas também as experiências emocionais que resultam de estar em ambientes tão distintos.

### Análise do texto:

1. **Caracterização de Lisboa**:

   - O autor inicia com uma descrição de Lisboa como um "paraíso dos turistas", sugerindo a fama e a atratividade da cidade, mas também sugere um certo ceticismo em relação a essa imagem idealizada. A citação de "ruas ladeadas de casas, umas velhas, outras novas" reflete a diversidade arquitetônica da cidade e sua história rica.

   - O uso de expressões como "mais alegre", "mais luminosa" e "ampla" indica uma apreciação do ambiente, apontando para as qualidades que tornam Lisboa uma cidade vibrante e cheia de vida. A comparação com Luanda sugere uma conexão emocional e cultural, indicando que as energias e os ritmos urbanos podem se assemelhar.

2. **Contrastes com o Porto**:

   - O autor menciona ruas modernas e o barulho típico de grandes cidades, e logo depois faz uma transição para os "bairros antigos", criando um contraste entre o novo e o tradicional. A descrição dos bairros antigos é cheia de nuances, com as "vielas estreitas e tortuosas", refletindo a complexidade e a história que permeiam a vida urbana, semelhante à Ribeira do Porto.

   - O uso da expressão "bacalhoada", que implica uma proximidade quase íntima com os vizinhos, sugere um humor e uma leve crítica à vida em espaço apertado, refletindo a experiência comum de viver em áreas densamente povoadas.

3. **Sentimentos de solidão e alienação**:

   - A frase "mas... nem sempre nos agrada a solidão" expressa um sentimento contraditório que é comum nas grandes cidades: a liberdade de andar sozinho em meio à multidão pode ser ao mesmo tempo revigorante e isolante. A imagem das pessoas que "se preocupam quase exclusivamente consigo" indica uma crítica ao individualismo e à desumanização que pode surgir em ambientes urbanos.

   - O autor sugere que a vida na cidade transforma os indivíduos em "máquinas, em autómatos", insinuando como a urbanização pode desumanizar as relações sociais.

4. **Preferência pessoal**:

   - Ao final do trecho, o autor declara uma preferência clara pelo Porto, descrever como "Porto humano" e "que me atrai", o que destaca uma busca por conexões mais autênticas e relações mais ricas. Essa apreciação do Porto como um espaço "mais humano" pode ser vista como um anseio por um estilo de vida menos impessoal e mais caloroso, em oposição à "Lisboa alegre, sem dúvida, cheia de sol, mas por vezes fria, irritante".

   - Essa dualidade entre as duas cidades se resume a uma luta interna entre o desejo de alegria e energia que Lisboa oferece e a busca por profundidade emocional e humanidade encontrada no Porto.

### Considerações Finais:

Este texto é uma reflexão sensível sobre as características urbanas e sociais de Lisboa e do Porto, e como essas características impactam a vida e as relações humanas. Ele explora as contradições da vida na cidade, desde a alegria e a vitalidade até o isolamento e a alienação, revelando as complexidades envolvidas na experiência urbana. Se você quiser discutir mais sobre as percepções do autor ou explorar outros temas, estou à disposição!

Porto1963

As pessoas aqui no Porto, tanto homens como mulheres, falam um português vernáculo que nem fazeis ideia. Aí quem fala assim são os carroceiros.

(...) Aí em Luanda (que é uma aldeola na opinião de muito parolinho) respeita‑se a ordem de chegada. Aqui não.

Nos eléctricos é a mesma coisa. É um vale‑tudo. E não são capazes de oferecer o lugar a uma senhora ou a uma pessoa idosa.

Vai‑se a um café à noite, está tudo cheio de estudantes (raparigas) a fumarem até altas horas. Quando é só isso! (...)

Tirando a parte central (com os seus anúncios luminosos), o Porto, quase se pode dizer, é a cidade das trevas. O mesmo não se pode dizer de Luanda, que embora não seja uma cidade‑luz, sempre é melhor neste ponto (NSF - 1963.01.28).

Vi na rua [de Santa Catarina] um grande ajuntamento. Logo compreendi o motivo: uma goesa vestida com um traje regional [sari e véu]. Foi preciso a polícia para dispersar aquela parolada toda, que assim demonstrava a sua estupidez, com ditos, assobios e piadas imbecis. (1963.10.24 - Diário IV)

1966

Se por   "ambiente do Porto" se entender a sociabilidade e amabilidade das suas gentes, talvez eu concorde. Mas em Lisboa também há pessoas simpáticas. Se a referência é a cidade em si, discordo, pois Luanda é mais moderna, embora com 4 séculos de existência, e mais airosa. Mas nem tu és de Luanda nem eu do Porto. (MEB - 1966.12.12)

1968
Está uma tarde cinzenta e tristonha, ou não fosse o Porto a Londres portuguesa, fria e húmida,  duma frialdade e duma humidade que nos trespassam invadindo todo o nosso ser até à medula; mas apesar disso, ao calcorrear as ruas do centro, bordejadas por edifícios pesados e graníticos, enegrecidos pela acção do tempo, parece‑me que me encontro entre seres humanos, menos indiferentes que os da pombalina baixa lisboeta, pois uma misteriosa comunhão se estabelece entre nós. Dou por mim a reparar na multidão, que deixa de ser uma massa anónima, que se decompõe em pessoas. Respira‑se um outro "ar", quiçá menos refinado ou "aristocrático" mas mais humano, mais caloroso. Esta sensação apodera‑se de mim sempre que venho passar as férias ao Norte.

A semana passada estive em Évora - o contraste entre estas duas cidades é flagrante. (ACG - 1968.09.12)

1969

A cidade continua húmida, escura, pesada, triste, fria. Os azulejos dos seus graníticos edifícios precisam duma boa barrela. Os eléctricos vão sendo progressivamente substituídos pelos confortáveis Trolleys e modernos autocarros. Como ex‑libris da cidade, a sujidade e o desmazelo imperam nos transportes públicos, tal como sucedia (ainda sucederá?) em Luanda e ao contrário de Lisboa. A casa da Rua dos Braga foi pintada de verde claro e as portas de verde mais escuro. No terreno que se estende da Capela dos Anjos à Rua de Cedofeita construiu‑se um comprido prédio de dois ou três andares, de traço arquitectónico esquisito. Na esquina abriu um café, muito "mal frequentado"-. E falo assim, pois como classificar os estudantes, que ocupam cadeiras e mesas durante horas, a troco duma bica ou de um pingo (o alfacinha garoto) ?! (NSF - 1968.09.16)

1970
Que mais dizer? Estou na estação dos CTT da Batalha; a escrivaninha treme que se farta com o esforço que um "hominho" faz para fechar um envelope. Uma mulherzinha procura quem lhe preencheu um telegrama para dar‑lhe qualquer coisa. E ao contar‑me isto poisa‑me a mão no braço. Gosto da gente do Porto; parece‑me mais humana que a de Lisboa e de Évora. 

O conjunto de trechos que você compartilhou oferece uma rica perspectiva sobre as experiências e observações de alguém que viveu e se deslocou entre Luanda e várias cidades portuguesas, especialmente o Porto e Lisboa. O autor apresenta uma série de reflexões sobre cultura, comportamento social e a dinâmica das interações urbanas, revelando uma nostalgia por Luanda, ao mesmo tempo que faz comparações incisivas com a vida nas cidades portuguesas.

### Análise dos Trechos:

1. **Dialectos e Cultura Local**:
   - O uso da expressão "português vernáculo" destaca a diversidade linguística e cultural, sugerindo que a forma de falar no Porto é tão particular que pode ser considerada uma língua própria, diferente do português “padrão”.
   - O mencionar que em Luanda "respeita-se a ordem de chegada" indica uma crítica à falta de civismo e organização observada no transporte público do Porto, onde a competitividade e a falta de cortesia são evidentes, particularmente em cenas cotidianas como nos elétricos.

2. **Percepções de Indiferença e Solidão**:
   - A crítica ao comportamento das pessoas no transporte público ("não são capazes de oferecer o lugar a uma senhora ou a uma pessoa idosa") reflete a despersonalização percebida nas interações urbanas em cidades grandes. O autor expressa um anseio por um ambiente mais cortês e humano.
   - Ao observar a sociabilidade entre os portuenses, o autor menciona que, apesar da tristesse do clima e da cidade, há um senso de comunhão que contrasta com a indiferença sentida em Lisboa. Essa ideia de que "uma misteriosa comunhão se estabelece entre nós" reforça a atratividade da vida no Porto.

3. **Clima e Atmosfera**:
   - A descrição do Porto como "a Londres portuguesa, fria e húmida" evoca uma imagem de uma cidade pesada e triste, onde a umidade e o clima afetam o estado de ânimo das pessoas. Este clima rigoroso contrasta com a idealização de uma cidade mais alegre e ensolarada.
   - No entanto, a atmosfera não é apenas opressiva; existem momentos em que o autor encontra beleza e humanidade nesta cidade, especialmente ao percorrer suas ruas.

4. **Mudanças Urbanas e Nostalgia**:
   - O autor menciona mudanças nas infraestruturas urbanas, como a substituição dos elétricos por transporte mais moderno, que traz uma sensação de perda. A menção dos “transportes públicos” e o estado de descuido apontam para um descontentamento com a administração urbana, refletindo uma crítica à degradação da vida cívica.
   - A nostalgia não é apenas por Luanda, mas também pelo que se está perdendo em termos de identidade e vez da cidade do Porto. As críticas ao "mal frequentado" café e a observação sobre os estudantes refletem uma percepção de que a juventude e a vida universitária estão mais ligadas a hábitos que podem ser interpretados de forma negativa.

5. **Identidade e Comunidade**:
   - O autor também menciona que "gosta da gente do Porto", afirmando que acham estas pessoas "mais humanas" do que as de Lisboa. Essa afirmação revela uma busca por conexões mais profundas e autênticas, além de um desejo de sentir-se parte de uma comunidade.
   - A repetição da diferença de trato entre as populações de Luanda, Porto e Lisboa sugere uma busca constante por um lugar que lhe traga conforto e compreensão.

### Considerações Finais:
Esses trechos destacam a complexidade das interações humanas em ambientes urbanos e como o espaço físico afeta as relações sociais. Ao navegar entre a melancolia e a crítica social, o autor oferece uma visão íntima de suas experiências, gerando um diálogo sobre a identidade e a experiência cultural em cidades tão diferentes. Se desejar discutir mais sobre os temas, o contexto ou qualquer outro aspecto, estou aqui para ajudar!

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