Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Entre Adão e Eva (2)

Quadro - Dürer, Albrecht Adam and Eve. 1507

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* Victor Nogueira
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Por outro lado, há pessoas (homens e mulheres) que apreciam as minhas fotografias ou o que eu escrevo e o modo como escrevo e não te reconheço, (...), ou a qualquer pessoa o direito de exigir‑me que destrua ou que pretenda destruir o que fotografei ou escrevi (ou me escreveram) só porque te parece que deva fazê‑lo, porque isso em teu entender seria a prova de que gosto de ti e que mais ninguém disputa o meu afecto! O que escrevo vale para além de mim, embora não esteja interessado em publicar o que escrevo; quanto muito ofereço a pessoas que sei ou presumo que apreciarão a minha "escrita", como tu aprecias o Júlio Dinis e outros apreciarão Eça de Queiroz, Saramago, Camões ou Fernando Pessoa. ([1])

Não vejo porque hei‑de destruir os meus poemas ou parte da minha colecção de fotografias. Ao contrário do que tu dizes, não reli cartas minhas anteriores, designadamente para a mãe do Pelágio que vive na e Lua e da Natasha, ([2]) por qualquer motivo "doentio", de fixação no passado ([3]) - procurei apenas extrair delas material para "escritos" meus: comentários sobre as minhas viagens e as terras por onde andei (Apontamentos de Viagem e da Vida Quotidiana), sobre pessoas que conheci (Retratos), sobre literatura, cinema e música (ESCRItiCAS), sobre a política antes e depois do 25 de Abril (Escritos da Revolução), ou recolhendo os textos dos inúmeros postais que escrevi e que voltaram á minha posse. (Os Postais e o Texto)

Há uma grande diferença entre aquilo que tenho escrito ao longo dos tempos, desde as cartas da meninice e o "diário" de adolescente (secos, lacónicos, objectivos), passando pelas "filosofias" psicologizantes dos meus tempos de "perdido" em terra estranha de Portugal como universitário, "desenraizado" ainda hoje neste "jardim á beira-mar plantado", até ás cartas que passei a escrever a partir dos 25 anos. Como há uma grande diferença entre o meu desinteresse pela poesia, até começar a escrevê‑la, primeiro apenas em momentos de crise e de angústia, até passarem a reflectir outros sentimentos, desde a "seriedade" que caracterizava os primeiros poemas até à ironia, humor ou brincadeira das que escrevi após o meu divórcio. Há pessoas que influenciaram a maneira como escrevo ou a forma utilizada. Quando leio o que escrevo, leio como se tivesse sido outrem que tivesse escrito e não eu e gosto mais ou menos do que escrevi e comovo‑me mais ou menos não porque tenham sido escritas por mim mas porque também me comovo ou sensibilizo com o que outros escreveram, por exemplo, poetas como Eugénio de Andrade, António Reis, António Gedeão, Brecht ou Shakespeare. Mas tu consideras‑te o centro único da vida e dos afectos de quem gostes, por exemplo, amante ([4]) ou filhos, e não tens sido capaz de sair para além do teu umbigo.



[1] -Aliás muitas obras de escritores são baseados em textos que terão sido escritos para outrem e que não foram destruídos, sendo obras literárias: Sonetos de Camões, Cartas de Amor do Fernando Pessoa, escritos do Álvaro de Campos e do Alberto Caeiro, Cartas Familiares do Eça de Queiroz, Cartas de Soror Mariana de Alconforado, Diário de Anne Frank ... Nada disto existiria se pessoas como tu tivessem tido o poder de destruir tais escritos, porque destinados ou não a outrem (a outro ou a outra). Não é o próprio Manuel Tiago, aliás Álvaro Cunhal, que aproveitou material de sua vivência para escrever obras como "Até amanhã, camaradas" ou "Cinco dias, cinco noites"? E que dizer de pinturas célebres ou mesmo fotografias, que seria delas se tivessem sido destruídas apenas porque alguém como tu assim o tivesse exigido?

[2] - Aliás nessa altura reli muitas outras cartas, designadamente escritas para os meus pais e para o meu irmão.

[3] - Fi‑lo apenas porque estava retido em casa, primeiro de férias e depois doente e aborrecido por estar "fechado" em casa, desocupado . Não me apeteceu ir de férias sozinho e não tinha quem fosse comigo (Tu andavas e continuavas de candeias ás avessas com os meus filhos, que não queriam passar todas as férias comigo; por outro lado não tinha dinheiro para ir senão para o Mindelo, o que não me apetecia). Assim, primeiro era minha intenção procurar apenas as referências a viagens e terras onde estivera e depois, com o correr dos dias e do aborrecimento, fui alargando as minhas recolhas para outros "livros". Não foi nada como dizes. Aliás, tu "sabes" sempre tudo - com quem estive, o que fiz, onde fui, o que conversei. É tudo efabulação tua, mas falas como se aquela fosse a verdade indiscutível. Em vez de me "chagares" e a outros, deverias aproveitar essa faculdade ou facilidade para escreveres romances e peças de teatro. Deste modo sublimarias também as tuas angústias, receios e falta de confiança em ti e nos outros. Pode ser que viesses a ter êxito e uma vida mais livre e desafogada. Falo sinceramente, sem qualquer ironia.

[4] - No sentido camoniano de "amador e coisa amada".

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ADENDA

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Toda a Série «Entre Adão e Eva» é puro romance inventado e qualquer semelhança com factos ou personagens reais é pura coincidência.

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Victor Nogueira

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1 comentário:

nadiapintinhas disse...

A relação entre a arte e a vida é muito forte. Mesmo a obra de arte aparentemente mais abstrata e/ou formalista não existe sem todo um substracto de vivências. Se a arte não é idêntica à vida quotidiana, esta pode ser fornecedora de frutificantes elementos à primeira.

Beijinhos!